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Sergipe só tem 20% da vegetação nativa, o estado de pior proporção de preservação ambiental do país

O último relatório do MapBiomas deveria ser um sinal de alerta para órgãos públicos em Sergipe responsáveis pelo meio ambiente. O menor estado do Brasil possui apenas 20% de sua vegetação nativa preservada. As consequências do permanente desmatamento, muitas vezes para especulação e pecuária, reforçam a crise climática. Na primeira de uma série de reportagens, a Mangue Jornalismo analisa os números dessa devastação em Sergipe.

Enquanto o fogo devasta florestas e alteram o clima no Brasil, uma crise quase silenciosa avança em Sergipe. Com queimadas exacerbando o impacto das mudanças climáticas pelo país, o estado enfrenta um desafio crítico: a grande perda de sua vegetação nativa. Atualmente, apenas 20% da cobertura verde original persiste, sinalizando um alerta urgente sobre a necessidade de preservação e recuperação ambiental.

Os dados são do último relatório do MapBiomas, iniciativa do Observatório do Clima que tem como objetivo mapear a cobertura do solo e uso da terra no Brasil. De acordo com o documento, o Brasil tem enfrentado um grave retrocesso na cobertura de vegetação nativa no últimos anos, com uma queda de 76% em 1985 para 64,5% em 2023. Sergipe é o estado de pior proporção de preservação ambiental do país.

Cerca de 1,6 milhões de hectares ou 76,45% do território sergipano é dedicado à agropecuária. Há ainda 43 mil hectares não vegetados, 39 mil hectares de corpos d’água e 26 mil hectares de vegetação arbustiva e herbácea. Florestas ocupam 407 mil hectares.

Em novembro do 2023, a Mangue Jornalismo já havia denunciado em reportagem que Sergipe está entre os estados com maior desmatamento proporcional do Brasil. Os municípios de Nossa Senhora da Glória e Poço Redondo lideram o ranking.

Em maio deste ano, a Mangue também publicou outra uma reportagem pontuando que entre alagamentos e secas, dados mostram que Sergipe tem investido pouco em resposta à crise provocada pelas mudanças climáticas.

Esmagadora maioria do solo sergipano é dedicado à atividade agropecuária, marcada em amarelo (Fonte: MapBiomas)

Caatinga e Mata Atlântica: biomas ameaçados em Sergipe

A situação é ainda mais alarmante ao considerar que o estado abriga biomas como a Mata Atlântica e a Caatinga, cujas áreas têm sido severamente impactadas pela expansão agropecuária e pela degradação ambiental.

Distribuição original da vegetação nativa no Brasil (Fonte: MapBiomas)

A Mata Atlântica, que já cobriu grande parte da costa leste do Brasil, hoje vê sua vegetação reduzida. Em Sergipe, esse bioma é uma das principais vítimas, com apenas uma fração de sua vegetação nativa remanescente.

A expansão das atividades agrícolas e pecuárias contribuiu para a perda contínua, resultando em um aumento na área dedicada a essas atividades, que chegou a 65% na Mata Atlântica em território nacional.

Por outro lado, a Caatinga, bioma típico do semiárido nordestino, também enfrenta desafios significativos. Embora menos impactada em termos de porcentagem total de vegetação nativa em comparação com a Mata Atlântica, a Caatinga perdeu 14% de sua cobertura desde 1985.

A preservação da Caatinga é crucial para a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos em um território caracterizado pela aridez e variações climáticas extremas.

Fonte: MapBiomas

A situação em Sergipe reflete um padrão mais amplo observado no Nordeste, onde a expansão agrícola e a desertificação têm alterado profundamente o equilíbrio ambiental. Por aqui, o uso antrópico do território – aquele em que há qualquer tipo de intervenção humana – chega a 77,96% ou mais de 1,7 milhões de hectares. Já a área natural, chega a 21,91% ou pouco mais de 480 mil hectares.

Intervenção humana no solo, em amarelo, avança sobre vegetações nativas, em verde (Fonte: MapBiomas)

Alguns avanços e muitos retrocessos

“Há um limiar ecológico necessário para que qualquer região mantenha sua diversidade de flora e fauna, sendo fundamental que pelo menos 30% da vegetação florestal seja preservada para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas ao longo do tempo”, explica o professor Milton Fernandes, do Departamento de Ciências Florestais da UFS.

Ele destaca que essa degradação tem consequências severas no longo prazo. Algumas, já sentidas no estado. Outras, podem fazer parte do agravamento das condições em Sergipe. “Sem floresta, estamos mais suscetíveis a enchentes como a do Rio Grande do Sul, à falta de água nas nascentes e para abastecimento humano, além de agravar as mudanças climáticas”, atesta o professor.

“Sem floresta, estamos mais suscetíveis a enchentes”, diz professor Milton Fernandes (Foto: Fapitec/SE)

O relatório do MapBiomas complementa outros estudos que indicam essa tendência. Milton já acompanha a cobertura florestal da Mata Atlântica de Sergipe com uma pesquisa realizada entre 2001 e 2021.Os resultados revelam que as classes formação florestal e mangue apresentaram aumento na cobertura florestal, dos fragmentos grandes e na conectividade dos fragmentos.

Já as classes formação savânica e formação campestre evidenciaram degradação de 2001 para 2021, com perda de área, fragmentação de grandes áreas em tamanhos menores, maior isolamento e efeito de borda com perda de área central. A fragmentação é o processo pelo qual grandes porções de vegetações são divididas em pedaços menores, acelerando o desmatamento.

Entre as razões para isso, o estudo destaca que a formação florestal e o mangue estão, em boa parte, inseridos em áreas protegidas ou em Área de Preservação Permanente. Já o desmatamento nas classes de formação savânica e formação campestre pode ser resultado do relevo plano, dossel aberto e estrato composto por plantas gramíneas com uma boa aptidão para a agropecuária.

Em 2024, seca já atingiu 13 municípios de Sergipe (Foto Defesa Civil)

Semiárido necessita de olhar urgente

Outro estudo do professor Milton Fernandes analisou também o avanço do desmatamento na Caatinga. Publicada em 2017, a pesquisa verificou aumento de 13,7% da fragmentação da vegetação de Caatinga no período 1992-2003. Também houve uma redução da área central dos fragmentos no período de 2003-2013 (38,1%) e redução de 11,2 e 42,9% da área total de classe floresta nos períodos 1992-2003 e 2003-2013.

Milton Fernandes explica que áreas mais planas e com grama possuem maior aptidão natural para a criação de gado, destacando a diferença entre essa aptidão e àquela criada pelo homem. Segundo ele, o desmatamento se intensifica em áreas de florestas mais abertas e planas, que já têm gramíneas nativas, o que leva o gado a utilizar essas regiões para o pastejo. Isso, por sua vez, provoca uma maior degradação nessas áreas.

“Mesmo com legislações que protegem as áreas de floresta, os dados mostram um aumento do desmatamento tanto na mata quanto na Caatinga, enquanto as áreas de pastagem crescem. Há uma priorização das questões econômicas em detrimento das ecológicas e por isso Sergipe tem a menor proporção de floresta entre todos os estados do Brasil”, conclui Fernandes.

Bioma caatinga é um dos mais desmatados no estado (Foto Camila Farias)

O pesquisador considera ainda que vegetação remanescente deve ser apropriadamente considerada como de alta prioridade para conservação. Ele enfatiza a necessidade de políticas de comando e controle e aplicação da legislação para evitar mais desmatamento. Para ele, somente programas de restauração podem auxiliar na recomposição da cobertura florestal. Por isso, a preservação das áreas restantes de vegetação nativa e a recuperação das áreas perdidas é vital para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas e para a proteção dos recursos naturais, exigindo ações urgentes para reverter a degradação e promover a recuperação dos biomas.

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