CAMILA FARIAS, da Mangue Jornalismo
Sergipe está entre os estados brasileiros onde o desmatamento mais cresceu em termos proporcionais. Dados do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD), do MapBiomas, mostrou que em 2022, Sergipe ficou em 3° lugar nacionalmente nesse ranking.
Nos estados do Piauí, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro, houve mais de 80% de aumento na área detectada em 2022. Sergipe é o estado que ocupa este grupo pelo segundo ano consecutivo. A pesquisa explica que esses índices indicam tanto o aumento do desmatamento no estado, como uma melhora dos sistemas de detecção.
É possível perceber um aumento considerável da área desmatada no estado entre os anos de 2019 e 2022. Por exemplo, avariação entre os anos de 2021 e 2022 foi de 145% e é a quarta maior do país, já que em 2021, 1495 hectares tinham sido desmatados de acordo com o registro e em 2022, o número chegou a 3.658.
A área desmatada no Brasil cresceu 22,3% em 2022. “Em 2022, ocorreu a ampliação de pastagem, da agricultura e expansão urbana. Muitas áreas de construção não têm preservado a vegetação”, explica a professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e engenheira florestal, Laura Jane, doutora em Engenharia Agrícola.
Glória, Poço Redondo e Monte Alegre: maiores áreas desmatadas
Os municípios de Nossa Senhora da Glória, Poço Redondo, Monte Alegre de Sergipe, Gararu e Tobias Barreto foram os cinco que tiveram maior área desmatada no estado de Sergipe em 2022.
Em relação ao ranking de 2021, mantiveram-se na lista os municípios de Nossa Senhora da Glória e Monte Alegre, ambos no sertão sergipano.
Juntos, os cinco municípios corresponderam a quase um terço do total da área desmatada no estado em 2022
Um dos vetores do desmatamento no estado é a agropecuária
A agropecuária é um dos vetores da supressão de vegetação nativa, sendo responsável por 48,5% da área desmatada em Sergipe. Neste aspecto, é válido ressaltar que o município de Tobias Barreto, o 5° na colocação, é o 3° maior do estado em efetivo de bovinos, com mais de 53 mil cabeças. Esse dado é da Pesquisa Pecuária Municipal, com dados de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Outro destaque é que o município de Nossa Senhora da Glória, o 1° no ranking, produziu 30.600 toneladas de milho em 2022, segundo a Pesquisa Agrícola Municipal, do IBGE. Com isso, o município é o sexto maior em termos de produção do grão no estado e o 5° maior em área plantada, com 10 mil hectares. Além disso, Glória registrou a 2° maior produção de leite no estado, com mais de 73 mil litros.
O município de Poço Redondo, o 2° no ranking do desmatamento, foi o maior produtor de leite em 2022, com quase 81 mil litros. O município também é o maior produtor de feijão do estado, com 207 toneladas.
O município de Monte Alegre de Sergipe está na 4° posição, com mais de 40 mil litros de leite. Os três municípios citados (Nossa Senhora da Glória, Poço Redondo e Monte Alegre de Sergipe) tiveram aumento da produção de leite entre 2021 e 2022.
A pesquisa do MapBiomas também traz a categoria “outros” como responsável por 50,5% da supressão da vegetação nativa e inclui os casos em que não foi possível identificar um vetor específico ou nos casos de desmatamento para empreendimentos de geração de energia eólica e solar, barragens, infraestrutura e aquicultura.
A professora da UFS, doutora e bióloga, Myrna Landim, apontou que” de modo geral, a identificação da agropecuária dentre os principais vetores do desmatamento deve ser analisada com cautela, porque pode dar a ideia, errônea, de que esse desmatamento se justificaria, já que seria “um mal em prol de um bem maior”: a produção de alimentos”, disse a professora.
Myrna afirmou que, “assim como o aumento do uso de agrotóxicos não parece estar diretamente associado ao aumento da produtividade na agricultura (ou seja, envenenamos nossas culturas, nosso solo e recursos hídricos e nosso alimento, sem uma compensação “justificável” no montante de alimentos produzidos), não podemos justificar a degradação das poucas áreas remanescentes de florestas no estado para uma produção efetiva de alimento ínfima”, aponta.
Caatinga e mata atlântica são altamente afetados em Sergipe
A pesquisa mostrou que 2.763 hectares desmatados estão no bioma da caatinga e 895 no bioma da mata atlântica. Os meses de fevereiro a junho tiveram maior incidência de área desmatada.
O professor licenciado em história pela UFS, Antônio Wanderley, explica que o histórico do desmatamento no estado é antigo e causado pela agropecuária.
“Há décadas, as áreas preservadas da Mata Atlântico eram inferiores a 2%. Se resumem a algumas poucas áreas de proteção ambiental, a uma reserva particular, além do Parque Nacional da Serra de Itabaiana. Neste último, sem fiscalização e com ocorrências de incêndios e desmatamento”, destacou.
O professor explica também que na caatinga a situação é ainda pior. “Existe a ‘cultura’ de cortar árvores para a coleta de lenha para padarias, pizzarias e olarias. O bioma está quase completamente devastado. A pecuária é intensa. Os malefícios são a extinção da fauna, alterações no clima e o comprometimento de mananciais”, pontua.
A professora Myrna aponta que no caso do semiárido, “essa é uma região naturalmente mais árida, o que dificulta a regeneração da vegetação após o desmatamento. Após a derrubada da vegetação, as sementes das espécies arbóreas podem não ter umidade suficiente para germinar, ou, mesmo que consigam, suas plântulas podem não ter água suficiente para se desenvolver e chegar à idade adulta”, afirma.
Sobre os efeitos dessas ações, a professora Laura Jane explica que há perda da biodiversidade e que os animais desses locais vão acabar morrendo. “É fundamental ter áreas de proteção ambiental para a proteção desses animais. Outro ponto é a redução da qualidade do solo e isso que impede que pragas não avancem na agricultura”, reforça a professora.
Ações de fiscalização só chegaram a 2% da área desmatada
Em 2022, os estados com mais da metade da área desmatada com ações federais ou estaduais foram Mato Grosso (74,3%), Espírito Santo (67%) e Tocantins (56,9%). Já os estados com menos de 2% da área desmatada com essas ações foram Santa Catarina (0,9%), Ceará e Sergipe (ambos com 1,9%). Em 2019, eram 29,5% da área desmatada por ano detectado que contam com ações federais ou estaduais.
“Sentimos falta de ação por parte dos gestores. Não adianta só recuperar a nascente e a bacia hidrográfica está comprometida. É necessário ter um fluxo de vegetação contínua, gestão de comitê de bacias. Além disso, o problema aumenta quando a sociedade não está antenada no assunto”, aponta a professora Jane.
Ela destaca também que existe uma fragilidade da gestão para a questão empresarial e que falta incentivo também para que o agricultor tenha reservas particulares voltadas ao ecoturismo, ou seja, faltam mecanismos de investimento por parte do Estado na sustentabilidade dessas áreas.
Desmatamento já era mapeado antes do MapBiomas
Antes do MapBiomas, já havia um trabalho por parte de pesquisadores sobre o tema e realizaram um relatório de diagnóstico florestal. Uma delas é a professora Laura Jane, da UFS. ” Em 2012, já constatamos que o estado de Sergipe tinha menos de 12% da sua vegetação natural. Com o passar dos anos, o estado só tem perdido e não se recupera”, explica a professora.
Ela reforça que mesmo com todos esses problemas, não há um trabalho que tenha mudado essa situação. ” Em 2012, ao fazermos a pesquisa, tínhamos casas de farinha e olarias que eram dependentes de madeira do desmatamento e não havia um controle se aquela área era de desmatamento legal ou não”, aponta.
Pesquisadores apontam Código florestal como deficitário
Desde 2012, existe o Código Brasileiro Florestal, que era para ser um instrumento de defesa das florestas. Criada em 25 de maio de 2012, a Lei 12.651 tem a finalidade de estabelecer normas voltadas para a proteção da vegetação nativa em áreas de preservação permanente, reserva legal, uso restrito e todos os aspectos que envolvem a exploração florestal.
O artigo 51 aponta sobre o controle ao desmatamento e dispõe que o órgão ambiental deve embargar qualquer tipo de atividade ligada ao desmatamento ilegal, além de trazer viabilidade para recuperar a área degradada.
O código também criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é um registro nacional e público, que armazena as informações ambientais de imóveis rurais do Brasil. A ideia é que por meio desse cadastro exista um controle e monitoramento ambiental que sirva para o combate ao desmatamento.
Apesar do código existir, uma pesquisa inédita do MapBiomas, por meio de uma análise do uso e cobertura da terra, identificou que entre 2013 e 2022 (período de vigência do código), houve uma perda acelerada da vegetação nativa do Brasil.
Isso se deu sobretudo pela agricultura em alguns estados como o Paraná e em Sergipe, pelo aumento da proporção de pastagem no território, com mais de 60%. Além disso, existem discussões no Congresso Nacional que tentam reduzir as áreas destinadas à reserva legal, sobretudo, na Amazônia.
O professor Wanderley destaca que existe pouca fiscalização por parte do Ibama, no âmbito federal e da Adema, em âmbito estadual. A pesquisa do MapBiomas confirmou esse dado.
A professora Myrna entende que é essencial promover uma educação preventiva na população, mas que também é fundamental ocorrer uma responsabilização financeira por parte de quem comete o desmatamento ilegal.
O que disseram as autoridades?
A Mangue Jornalismo entrou em contato com todas as prefeituras citadas na reportagem, assim comoa ADEMA, responsável pela fiscalização estadual, e o Ibama, responsável pela fiscalização federal.
A ADEMA, que é o órgão estadual responsável pela fiscalização, em nota disse que “Diante do conhecido aumento do comportamento ambientalmente irresponsável nos últimos anos, assim como os demais órgãos ambientais do país, a Adema vem empenhando toda a sua força de trabalho para fiscalizar e penalizar infratores não só com multas, mas sobretudo com a exigência de reparação dos danos ambientais, buscando coibir, dessa forma, a ampliação dos crimes ambientais”.
A nota informa que a equipe é composta por cerca de 50 técnicos, que são responsáveis por fazer a fiscalização de rotina, verificação de cumprimento dos condicionantes das Licenças Ambientais expedidas, a fiscalização das áreas de compensação ambiental atreladas às Autorizações de Supressão Vegetal concedidas, as demandas de relatórios e pareceres solicitados ao órgão para compor processos judiciais, e as vistorias de campo que integram os processos de análise dos pedidos de Licenciamento Ambiental de todas as ordens.
A ADEMA também informou que utiliza o MapBiomas para fins de fiscalização e que entre 2022 e 2023 houve foi registrada uma redução média de 30% da área desmatada e de aproximadamente 17% da quantidade de alertas em Sergipe. No período, segundo a nota, 95 autuações foram expedidas pelo órgão para flagrantes de desmatamento.
A nota cita também algumas ações realizadas em parceria com outros órgãos ambientais, e que realizou a visita de 11 municípios que ficaram sob sua competência (Santo Amaro, Maruim, Salgado, Malhador, Estância, Itaporanga, Indiaroba, Umbaúba, Arauá, Santa Luzia e Itabaianinha), e emitiram 18 autos de infração, para além das medidas de compensação ambiental das áreas desmatadas exigidas.
Para intensificar as ações voltadas para proteção e conservação do Meio Ambiente, a assessoria informou que o Governo de Sergipe recriou a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Sustentabilidade e Ações Climáticas (Semac) e está em processo avançado para a realização do concurso da Adema, que irá fortalecer os quadros técnicos da autarquia, possibilitando a ampliação das ações fiscalizatórias no estado.
A Prefeitura de Poço Redondo, que segundo o MapBiomas foi o 2° maior município no ranking do desmatamento estadual, pronunciou-se por meio de nota. A Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável no município disse que “discorda da metodologia utilizada pelo Sistema MapBiomas Alerta, para quantificar a área desmatada no município, devido utilizar informações e dados extraídos do SICAR, estas informações estão sendo inseridas por pessoas ou profissionais inexperientes que não estão inserindo as informações corretas no SICAR na hora de fazer o Cadastro Ambiental Rural – CAR dos imóveis rurais”.
Segunda a nota, “um exemplo é uma determinada propriedade, 100% coberta de caatinga, estão prevendo 20% de Reserva Legal e informando os 80% como áreas consolidadas, não refletindo na real situação de cobertura vegetal do Município. Além do baixo número de solicitações de autorizações de supressão da vegetação nativa e da baixa demanda por atuação dos órgãos de controle”.
Apesar da Prefeitura questionar os dados do MapBiomas, a professora Myrna ressalta que “esta é uma iniciativa louvável e grandiosa, face a magnitude da tarefa empreendida pela equipe nela envolvida, a análise de todo o território nacional. Mas isso significa que, a nível local, são necessárias análises complementares, com base em imagens de satélite e fotografias aéreas mais detalhadas, em escalas maiores e maiores resoluções espectrais, para entender a dinâmica de alteração da cobertura do solo em uma determinada região”, completa.
O MapBiomas também explica sua metodologia e aponta que, para a construção do Monitor da Fiscalização do Desmatamento, utilizam-se de bases de dados públicas sobre autorizações de desmatamento e ações de fiscalização como autos de infração e embargos. São consumidos dados em transparência ativa, isto é, informações divulgadas pelo órgão público, independente de requerimento, geralmente por meio da internet.
Primeiramente, é realizado um levantamento nos sites dos órgãos ambientais federais e estaduais para identificar quais deles disponibilizavam informações públicas atualizadas e em formato geoespacial sobre as autorizações de supressão da vegetação e ações empreendidas para combater o desmatamento ilegal (por exemplo, autos de infração e embargos).
As informações do governo federal e estados são cruzadas espacialmente com os alertas de desmatamento validados e publicados pelo MapBiomas Alerta (http://alerta.mapbiomas.org/). O Monitor da Fiscalização será atualizado periodicamente, sendo acessadas as bases de dados públicas e os alertas de desmatamento para identificar os novos dados e refazer as análises e estatísticas descritivas.
Além disso, o projeto MapBiomas é uma iniciativa do Observatório do Clima, co-criada e desenvolvida por uma rede multi-institucional envolvendo universidades, ONGs e empresas de tecnologia com o propósito de mapear anualmente a cobertura e uso da terra do Brasil e monitorar as mudanças do território.