A Mangue Jornalismo já destacou que Sergipe só tem 20% de sua vegetação nativa. O menor estado do país é um dos maiores em desmatamento proporcional do Brasil e, ontem, viu-se aqui que a maioria da bancada federal de Sergipe votou contra a agenda ambiental no Congresso. Hoje, a Mangue aborda a falta de estudos adequados antes da supressão de vegetação, as falhas na compensação ambiental, a fragilidade das políticas públicas e a necessidade de medidas urgentes para reverter a perda da biodiversidade.
Com apenas 20% de sua vegetação nativa preservada, Sergipe possui a pior proporção de áreas verdes originais entre todos os estados do Brasil. Essa realidade evidencia a fragilidade das políticas públicas ambientais locais e reforça a necessidade de medidas urgentes para preservar o que resta da cobertura vegetal original.
O tema foi destaque de reportagem publicada em setembro pela Mangue Jornalismo, que abordou o impacto dessa degradação e a falta de fiscalização. A Mangue também revelou que Sergipe está entre os estados com maior desmatamento proporcional do Brasil. Os municípios de Nossa Senhora da Glória e Poço Redondo lideram o ranking.
De acordo com a professora Laura Jane, do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a conservação e preservação de áreas naturais têm fundamentos filosóficos distintos. Enquanto a linha preservacionista defende áreas protegidas, como os parques nacionais, que não devem ser tocadas, a linha conservacionista permite o uso racional dos recursos naturais, desde que de maneira sustentável.
Nenhuma das duas linhas, entretanto, parecem ser eficazes na formulação de políticas públicas ambientais no país e, especialmente, em Sergipe, segundo a professora. “Proteger envolve tanto preservar quanto conservar, mas o Brasil enfrenta dificuldades em implementar ambos os conceitos de forma eficaz”, afirma.
Saberes tradicionais ignorados
A professora levanta a questão das comunidades tradicionais, que têm um papel crucial na proteção ambiental. Em Sergipe, as catadoras de mangaba são um exemplo de manejo sustentável dos recursos naturais, mas suas práticas são frequentemente ignoradas pelas autoridades.
Um caso emblemático foi a urbanização do bairro 17 de março, em Aracaju, que desconsiderou o uso tradicional das áreas por essas famílias. “Houve consulta pública, mas sem levar em conta o real impacto nas comunidades tradicionais”, destaca Laura.
“Até a forma como se criou a área protegida ali, como unidade de conservação, reserva extrativista, não ouviu a comunidade. Houve consulta pública, mas sem considerar as falas locais e o debate se levou muito para o aspecto político-partidário e muito pouco para o que a comunidade tradicional representa”, avalia.
Xifronese Santos é uma das lideranças da comunidade quilombola Caraíbas, em Canhoba. Ela diz que as famílias se relacionam com a vegetação nativa e com as práticas do manejo sustentável de uma maneira tradicional, mas isso ocorre de forma bastante restrita, em seu próprio quintal, com o pouco de vegetação que resta. “Isso porque as nossas matas foram todas devastadas e temos pouca coisa ainda de pé, porém sem acesso para as comunidades quilombolas”, afirma.
O território Caraíbas engloba uma porção de terras na região do Baixo São Francisco onde vivem mais de 130 famílias, estendendo-se pelos municípios de Amparo de São Francisco, Aquidabã, Canhoba, Cedro de São João e Telha. Lá, a plantação é de alimentos orgânicos, livres de agrotóxicos. As sementes ancestrais do plantio agroecológico representam a passagem de um saber tradicional ameaçado pelo avanço do agronegócio.
Por isso, apesar da extensão das terras e das famílias envolvidas no manejo agroecológico, Xifronese lamenta que a procura do estado sergipano para incorporar saberes tradicionais em políticas públicas de proteção de floresta ainda não aconteceu. “A melhor política pública que a gente acredita para garantia da proteção de florestas é a demarcação dos territórios, a devolução dos territórios para as comunidades quilombolas para que a gente possa reflorestar e plantar as nossas matas”, defende.
De fato, relatório do Mapbiomas atesta que, em todo o Brasil, as áreas em que há maior índice de proteção da mata nativa estão em territórios demarcados, como comunidades quilombolas ou indígenas.
Assim, na ausência de políticas públicas adequadas, iniciativas comunitárias seguem sendo o principal vetor de resistência à degradação ambiental no estado. Com fontes de financiamento diversas, mas com saberes e organização que parte da base das comunidades, essas iniciativas buscam superar uma lacuna de políticas públicas específicas difícil de ser totalmente preenchida.
Recuperação de áreas degradadas
Outro dos grandes desafios para Sergipe, segundo Laura, é a recuperação de áreas degradadas. Embora as Nações Unidas (ONU) tenham declarado a Década da Restauração até 2030, o país e Sergipe estão longe de cumprir suas metas. Por aqui, prova disso é o avançado processo de desertificação, especialmente nos territórios da caatinga.
A professora da UFS alerta que a recuperação completa de áreas desmatadas é praticamente impossível, especialmente quando não há coleta prévia de material genético, como frutos e sementes, para a preservação da biodiversidade. “Suprimir a vegetação sem esse cuidado resulta em uma perda genética irreparável”, ressalta.
Outro ponto abordado por Laura Jane é a compensação ambiental que, segundo ela, foi banalizada em Sergipe. A distinção entre reposição e compensação, fundamental para garantir que os danos ambientais sejam minimizados, é ignorada.
“Aqui, só se fala em compensação, mas a reposição adequada, que deveria estar prevista no Código Florestal, não é aplicada”, critica. Além disso, ela destaca que Sergipe ignora a aplicação da Lei da Mata Atlântica, optando por normas menos restritivas, especialmente em áreas urbanas como Aracaju e Barra dos Coqueiros.
Laura reforça que, diante desse imobilismo, o quadro tende cada vez mais a se tornar totalmente irreversível. “Os processos de proteção e restauração são cada vez mais complexos. Mas a pergunta que fica é: recuperar o quê e onde? Hoje, é uma perda que não se consegue recuperar”, garante.
“Sergipe, sendo um estado pequeno, deveria ter a proteção ambiental como uma bandeira, mas falta uma legislação estadual que trate das especificidades locais”, conclui. A falta de um plano estratégico para o uso e preservação do território coloca em risco o pouco que resta da biodiversidade original do estado.
O que dizem Semac e Adema
A Mangue Jornalismo enviou uma série de questionamentos à Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Ações Climáticas (Semac) e à Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema), órgãos responsáveis pela proteção da vegetação nativa em Sergipe.
Entre os temas abordados, foi perguntado se o estado possui um plano de zoneamento ecológico-econômico em vigor e como ele está sendo implementado.Em resposta, a Semac informou que não há este zoneamento, revelando a ausência de um plano abrangente que poderia nortear o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental.
Outra pergunta enviada à Semac focou na questão da compensação ambiental em grandes obras de infraestrutura. O objetivo foi entender como o órgão fiscaliza a aplicação das exigências legais e garante que essas compensações resultem efetivamente na preservação e recuperação da vegetação nativa.
Em sua resposta, a Semac explicou que o licenciamento ambiental é responsabilidade da Adema e que o processo segue as legislações ambientais vigentes, como o Código Florestal e a Lei das Unidades de Conservação, sem fornecer detalhes sobre ações específicas de monitoramento ou resultados concretos dessas compensações.
No contato com a Adema, a Mangue questionou diretamente sobre os mecanismos adotados para monitorar as compensações ambientais em grandes obras, dado o papel central da instituição no licenciamento ambiental. Também foi perguntado quais ações concretas têm sido implementadas para equilibrar desenvolvimento econômico e preservação ambiental. O órgão não forneceu resposta até o fechamento desta reportagem.