
A Mangue Jornalismo vem publicando várias reportagens sobre os graves problemas ambientais em Sergipe, seja por ação direta ou por omissão do poder público. Por exemplo, dados revelam que mais de 60% dos municípios sergipanos estão suscetíveis à desertificação, grande parte pelo desmatamento. A Mangue também revelou que Sergipe só tem 20% da vegetação nativa, o estado de pior proporção de preservação ambiental do país.
Entretanto, esse quadro ambiental dramático no menor estado brasileiro também é objeto de projetos que tentam, mesmo de modo pontual, reverter esse cenário. É o caso do Convert, que atua na recuperação de áreas degradadas no assentamento Mandacaru, em Canindé de São Francisco, um município que tem grandes áreas suscetíveis à desertificação. As ações executadas têm a liderança do professor Elias Alberto Carnelossi, do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Em 60 hectares degradados do assentamento foram plantadas 9.359 mudas. “O projeto, ao realizar o plantio, isolamento e enriquecimento de áreas florestais, evita a perda de cobertura do solo e da camada fértil. Além disso, incrementa a disponibilidade de recursos e de biodiversidade para o uso comunitário a longo prazo, como produtos não madeireiros, com frutas e sementes e com a produção de mel silvestre”, pontua o professor Elias. Esse plantio sustentável, segundo o professor, proporciona que as áreas tenham maior umidade, com preservação do lençol freático, o que evita a perda do solo por erosão.

Para realizar as atividades, o projeto utiliza algumas técnicas de plantio que não agridem o solo e contribuem para a retenção de água. Além disso, permite gerar economia e renda para as mulheres da comunidade.
“O plantio direto de mudas, com enriquecimento, adensamento da vegetação de Reserva Legal e técnica de meia-lua ou ‘demi-lune’ fazem pequenas barragens para conter a água para as mudas. Também construímos para a comunidade um viveiro de mudas para fortalecer os plantios e como oportunidade de renda”, explica Elias.
O professor também explica que desde o início do projeto houve uma busca para que as mulheres fossem protagonistas das ações, por meio da criação da Associação de Mulheres Empreendedoras do Assentamento Mandacaru e viveiristas na produção de mudas e sementes. “Nosso objetivo é fortalecer e estimular o empoderamento e vanguarda do trabalho feminino com impactos na família e comunidade, suas atividades fora de casa, promovendo a organização social, conquistando autonomia, parcerias, obtenção de financiamentos e recebimento de projetos futuros”, afirmou Elias.
O Convert é fruto de um edital e tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão de Sergipe (Fapese). Na verdade, trata-se de um subprojeto do GEF Terrestre – Estratégias de conservação, restauração e manejo para a biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal do Governo do Brasil, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), tendo como agência implementadora o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e como agência executora o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).

Educação ambiental e técnicas de manejo para reduzir a desertificação
O Projeto Scientia Opará, liderado pelo professor da UFS, Erivanildo Lopes, tem o objetivo de investigar as articulações entre conhecimentos locais, ciência e literatura, a partir de questões socioambientais. Ele conta com o investimento do CNPQ e tem a participação integrada de professores da Universidade Federal do Cariri e Universidade Federal do Vale do São Francisco. Em Sergipe, os municípios beneficiados são os de Canindé do São Francisco e Canhoba.
“Buscamos promover práticas educativas e processos de comunicação baseados no diálogo, na escuta sensível, na cooperação solidária e na reafirmação de identidades culturais, estabelecendo parcerias com escolas próximas ao Rio São Francisco para coletar narrativas e identificar conhecimentos locais, além de planejar e desenvolver cursos de formação de professores, materiais didáticos e atividades interdisciplinares vinculadas à literatura e às ciências”, explica o professor Erivanildo.
Para ele, envolver a comunidade por meio da educação ambiental é um ponto chave para a preservação do meio ambiente. “A escuta sensível às narrativas locais permite acessar conhecimentos tradicionais que são relevantes para a preservação ambiental e que, muitas vezes, são marginalizados pelas práticas científicas hegemônicas. Além disso, ao incluir a comunidade, as ações educativas tornam-se mais eficazes, pois refletem as realidades e as necessidades daqueles que vivem diretamente as questões socioambientais, como as relacionadas ao Rio São Francisco. Esse processo fortalece identidades culturais e incentiva práticas sustentáveis que podem ser replicadas pela comunidade”.
Embrapa Semiárido tem atuação com educação ambiental
Além do Projeto Scientia Opará, a Embrapa Semiárido também tem atuado na educação ambiental por meio de projetos que recuperam a mata ciliar e as nascentes nos municípios de Canindé do São Francisco e Poço Redondo. O pesquisador e engenheiro florestal Iêdo Sá explica que atua “na recuperação de nascente importante em Canindé de São Francisco, que tem sido altamente desmatada em seu entorno”.
Os pesquisadores fazem o reflorestamento de plantas naturais do bioma, além de indicar plantas adaptadas ao clima, tudo a partir da escuta da comunidade local. Com a própria água da nascente, eles fazem pequenas irrigações. “Hoje, nossas espécies florestais já têm mais de 2 metros de altura. Fizemos esse trabalho faz dois anos e já está dando resultados positivos. Nossa intenção é mostrar isso aos produtores, escolas e pessoas da comunidade, para que sirva de vitrine do que pode ser feito em suas localidades. Conversamos com crianças, adolescentes e produtores para que eles sejam protagonistas das ações”, afirma o pesquisador.

Recuperação de áreas degradadas é caminho para combater desertificação
Outra ação na luta contra a desertificação tem a participação do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), uma entidade sem fins lucrativos que valoriza a agricultura familiar e que contribuiu para a implantação de Unidades de Recuperação de Áreas Degradadas (URADs).
O projeto contou com a iniciativa do Departamento de Desenvolvimento Rural Sustentável e Combate à Desertificação, do Ministério do Meio Ambiente e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Sergipe foi utilizado como projeto piloto. O local escolhido também foi Canindé de São Francisco, precisamente no assentamento da reforma agrária Modelo, mas as ações se estenderam até o município de Poço Redondo.
O objetivo geral da ação era recuperar áreas degradadas, a partir da inserção de cordões de pedra e de vegetação, recuperação de nascentes, construção de ecofogões, integração da lavoura, pecuária e floresta, assim como a inserção de técnicas de manejo adequadas ao solo. O projeto ocorreu de 2018 a 2021 e colheu bons resultados.
Alex Federle do Nascimento, da coordenação do CDJBC, explicou que os projetos reduzem a emissão de gás carbônico, o uso de lenha e carvão, além de proporcionar o saneamento básico para dar dignidade às famílias, por meio da fossa séptica.
Apesar da resistência inicial de alguns moradores, os resultados positivos estão incentivando a comunidade. Até o momento foram quatro nascentes recuperadas; 35 barragens base zero (BBZ) construídas com o envolvimento dos assentamentos; 20 cordões de pedras em nível construídos, uma barragem limpa e apropriada para uso; 24 cisternas de consumo humano construídas e /ou reformadas; 30 unidades de saneamento básico construídas, adaptadas e/ou reformadas; 22 ecofogões construídos e/ou reformados; 6,35 hectares de área com implementação entre lavoura e pecuária, implementados e mantidos pelas famílias; além de 1,892 hectares com sistemas agroflorestais (SAF) implementados e mantidos pelas famílias.
A Barragem de Base Zero é considerada uma tecnologia social de pequeno porte, que consiste na prática de fazer barramentos sucessivos nos leitos dos rios com a utilização de pedras, bem como, a contenção de erosão nas encostas, nas partes mais íngremes do terreno, de modo a contribuir com a diminuição da velocidade da água das chuvas de enxurradas, mantendo-as no subsolo, o que ajuda a recuperar nascentes e matas ciliares.
Outra questão importante é que o projeto, ao agregar Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF) e o Manejo Florestal (Sistemas Agroflorestais – SAFs), ajuda a garantir alimentos para os rebanhos, assim como preservar a caatinga.

Destacada ação da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)
No semiárido, uma das grandes dificuldades da população é o acesso à água, seja para o uso doméstico, como agrícola. Segundo a coordenação da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), em Sergipe, mais de 5.700 cisternas de 16 mil litros (para o consumo humano) foram implementadas em áreas do semiárido. Para o consumo de pequenos animais e o plantio de hortaliças e frutas foram mais 1.400.
A associação está atuando em todos os municípios do semiárido sergipano e, segundo a coordenação, existem comissões municipais que realizam orientações à comunidade para não realizarem queimadas no solo, além de promover a sua recuperação por meio da agroecologia. “Sobre o plantio, orientamos para que ele seja feito em curvas de nível, tanto para a retenção da água, como para manutenção da plantação e vegetação do local. Orientamos às famílias para que elas não desmatem às nascentes e realizem a proteção do solo”, explica a coordenação.
Projetos da Pnud no Alto Sertão sergipano uniram renda com sustentabilidade
Por meio de um investimento que chegou a quase 4 milhões de dólares, o projeto “Manejo do Uso Sustentável da Terra no Semiárido do Nordeste Brasileiro”, implementado pelo Pnud, sob a coordenação técnica do Ministério do Meio Ambiente, com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), realizou várias ações no Alto Sertão sergipano.
Dentre as ações realizadas estão a instalação de sete casas de sementes para 140 agricultores. O projeto funcionou com a aquisição de equipamentos e materiais para melhoria e potencialização de atividades voltadas ao beneficiamento, armazenamento, comercialização das sementes crioulas (tradicionais) e à difusão das boas práticas de produção e compartilhamento. Um dos municípios beneficiados foi o de Gararu.

Mediante cooperação, a Colônia Agrícola Valmir Mota, em Canindé do São Francisco, iniciou o processo para a implantação do primeiro Plano de Manejo Florestal Comunitário Sustentável da Caatinga. O chamado “Projeto Sergipe” investiu também no fortalecimento de dois centros de beneficiamento e um de coleta de umbu nos municípios de Canindé, São Domingos e Gararu, respectivamente, beneficiando duas mil famílias. Vale ressaltar que o Umbuzeiro é uma árvore nativa da Caatinga, que também tem sofrido com o processo de remoção pelo desmatamento.

A comunidade de São José, em Poço Redondo, no Alto Sertão Sergipano, foi beneficiada com a instalação de uma barragem para o uso de 60 famílias. Trata-se de uma barreira construída dentro da terra até a camada impermeável. Ali fica acumulada a água que escorre do chão e o solo permanece molhado por mais tempo após as chuvas, diminuindo o risco de o agricultor perder o cultivo em períodos secos. Associado à barragem subterrânea é instalado um poço tubular para a captação da água armazenada no solo.
Também foram promovidas ações de capacitação para agricultores, tratoristas e técnicos extensionistas para o manejo sustentável do solo no Alto Sertão que capacitaram 91 agricultores familiares, 37 tratoristas e 33 técnicos para atuarem como multiplicadores das técnicas do manejo mecanizado sustentável da terra, conservação do solo e água, e do plantio de palmas forrageiras, em curvas de nível. Para conhecer outros projetos realizados pelo programa, é possível acessar o relatório final.