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Mortalidade infantil é alta em Sergipe e médica alerta para falta de plano publicizado que enfrente o problema

A taxa de mortalidade infantil em Sergipe vem se mantendo alta e os esforços para enfrentar esse gravíssimo problema não têm produzido grandes resultados. Tudo isso é resultado de políticas públicas ineficazes, problemas estruturais na rede, insuficiência de profissionais, equipamentos defasados, além de outros fatores. Ao se aproximar o final de 2024, apesar da ligeira queda nos em geral números, Sergipe segue acima da média nacional na desproteção da vida dos recém-nascidos.

Mortalidade neonatal em Sergipe ainda é alta (Foto: SES/Governo de Sergipe)

Em março deste ano, a Mangue Jornalismo já havia informado que, em 2023, Sergipe liderou no Nordeste e foi o 5º no Brasil em mortalidade infantil, mortes de bebês de causas evitáveis. Neste ano, o estado chegou a 18,6 mortes por mil nascidos vivos. Na mesma época, o Brasil seguia no outro sentido: o da redução da mortalidade infantil. Segundo o Ministério da Saúde, o ano de 2023 foi do menor índice de mortalidade infantil do país em 28 anos.

Em 2024, segundo dados do Monitoramento dos Indicadores de Saúde, Sergipe partiu de 14,32 óbitos por mil nascidos vivos nos primeiros quatro meses do ano para 14,70 no segundo quadrimestre de 2024, situação que afasta Sergipe da meta estabelecida pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) de 14,28 mortes a cada mil nascidos. Para crianças de um a quatro anos, o índice de mortalidade cresceu de 1,45 para 1,49.

Ainda não há informação consolidada do terceiro quadrimestre. Nos canais de transparência, constam apenas os dados até o segundo quadrimestre, atualizados em 4 de outubro.

Outro dado relevante é o de mortes de recém nascidos, antes do primeiro mês de vida. Há uma ligeira melhora entre o primeiro e o segundo quadrimestre: de 8,05 óbitos em cada mil nascidos vivos para 7,08 nos primeiros seis dias de vida (neoprecoce) e 2,24 para 2,18 até 27 dias de vida (neotardio). Esses dados, entretanto, não apresentam metas.

Diante dessa realidade materializada em números, a médica Priscila Batista, presidente do Comitê Estadual de Prevenção à Mortalidade Materno-Infantil e Fetal (CEPMMIF), avalia que, mesmo com essas ações, o estado de Sergipe carece de um plano efetivo para que esse número seja reduzido com mais intensidade.

“O comitê tem se debruçado sobre os problemas que diagnosticamos no dia a dia dos serviços de saúde, seja pela investigação dos óbitos ou pela análise epidemiológica dos dados”, afirma a médica.

No final de 2023 foram encaminhadas recomendações do comitê para a SES. Algumas iniciativas apontadas têm sido ou foram realizadas, mas sem a participação ativa da sociedade civil, o que pode limitar a abrangência e a legitimidade das propostas. “Não temos um plano estadual de redução de enfrentamento da mortalidade materna, infantil e fetal publicizado”, garante Priscila Batista, afirmando que há uma fragilidade em toda a rede de proteção. “Acaba sendo muito abstrato. A gente sabe que o serviço existe, mas não há um documento orientador”, explica.

Priscila defende publicização do plano para redução de mortes materno-infantil (Foto:Thiago Leão)

Outra crítica feita pela presidente do Comitê Estadual de Prevenção à Mortalidade Materno-Infantil e Fetal é em relação ao Programa Amor de Mãe, apresentado pelo Governo do Estado como grande plano de enfrentamento a essa estatística. “O nome já recebeu bastante críticas, já que a prevenção da mortalidade materna e infantil vai muito além das condicionalidades que o grupo nomeou. Não basta a mãe amar, é preciso ter outros empenhos por partes da gestão de saúde”, defende.

Assim como aconteceu com o plano feito pelas recomendações do comitê, a médica aponta que não há um acompanhamento do Amor de Mãe. “O programa em si é uma espécie de plano de enfrentamento, mas não temos acompanhado enquanto comitê porque não fomos convidadas a atuar”, afirma Priscila.

Altos índices de mortalidade infantil estão na mira do MPF/SE

Os dados, as denúncias, a falta de um plano consistente de combate à mortalidade infantil, tudo isso está na mira do Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE). De acordo com o procurador da República Ígor Miranda, quando foi divulgado que houve aumento de quase 20% da mortalidade infantil em Sergipe em 2023, esse assunto foi logo pautado no MPF, que passou a acompanhar as políticas públicas locais.

“Não há elementos para ajuizar uma ação, mas nós acompanhamos a política pública, o que pode ser feito e porque essa mortalidade atingiu um índice tão elevado aqui no nosso estado”, explica ele. O procurador destaca que, após provocação do MPF, que instaurou Procedimento de Acompanhamento, foi sugerido um fortalecimento de políticas públicas e a Secretaria de Saúde elaborou plano de ação, apresentado à instituição ainda em 2023.

Nesse plano da SES, porém, só havia proposições vagas, como treinamento de médicos e promessas de melhorias da infraestrutura. Abstrato e sem planejamento concreto para 2024, a esse plano foi exigido o acréscimo de prazos e orçamentos e só aí, após mais uma provocação do MPF, o planejamento para conter a mortalidade infantil foi apresentado.

O procurador da República é enfático em destacar que os motivos para esse elevado número de óbitos estão na redução de atenção à mulher no momento do parto e por atenção ao feto. Há problemas de infraestrutura inadequada ou defasada em algumas unidades de saúde – como instalações precárias, aparelhagem antiga ou insuficiente – quanto por falta de quadro de profissionais capacitados para emergências dessa natureza.

Soma-se a isso uma deficiência no acompanhamento pré-natal, que é de atribuição dos municípios. “Na maternidade Nossa Senhora de Lourdes, em Aracaju, por exemplo, não tem uma central de UTI, onde fica o monitor dos índices respiratórios e cardíacos. Tem monitores nas próprias estações, sobrecarregando o profissional”, revela o procurador.

“Pequenas medidas juntas poderiam reduzir esse índice”, diz procurador do MPF (Foto: Thiago Leão)

Soluções passam por democratização do debate

A presidente do Comitê Estadual de Prevenção à Mortalidade Materno-Infantil e Fetal, a médica Priscila Batista cobra ampliação do debate. “Não conseguimos saber como está a oferta desses exames laboratoriais, porque o estado não divulga as informações. Enquanto comitê, não recebemos dados sobre a situação nos territórios municipais”, destaca. Essa lacuna, segundo ela, compromete a detecção precoce de problemas e enfraquece a atenção básica, especialmente no pré-natal, onde residem os principais desafios no nível municipal.

Embora o estado seja o maior provedor de partos, com nove maternidades vinculadas ao SUS em todo o território, a atenção obstétrica enfrenta limitações no modelo de cuidado. Segundo o comitê, o modelo atual é centrado exclusivamente no médico obstetra, quando deveria ser focado na mulher e em equipes multidisciplinares. “A equipe mínima precisa incluir uma enfermeira obstétrica. Não é só a falta de médicos que nos preocupa, mas a ausência de equipes completas e bem capacitadas nas maternidades”, afirma Priscila.

Outro problema grave está na regulação e transporte, tanto para gestantes quanto para recém-nascidos em situações de risco. A demora na transferência de pacientes e a falta de recursos adequados nas ambulâncias comprometem o atendimento emergencial. O transporte neonatal, em especial, carece de estrutura e equipes treinadas, o que pode agravar a gravidade dos casos. Essas fragilidades exigem respostas mais efetivas do estado, tanto na estruturação quanto na capacitação dos profissionais.

“Precisamos de uma mudança estrutural e de visão. É hora de superar as limitações do modelo atual e investir em um cuidado centrado na mulher, com equipes multidisciplinares qualificadas. A vida de mães e bebês depende disso”, afirmou uma representante do comitê, reforçando a urgência de políticas públicas eficazes para enfrentar esses desafios.

Secretaria de Saúde apresenta números

Questionada pela Mangue Jornalismo, a SES afirmou em nota que a mortalidade materna e infantil é um problema complexo, influenciado por fatores sociais como escolaridade, renda e acesso aos serviços de saúde. Apesar disso, ressalta que ações implementadas têm contribuído para a melhora de indicadores e a redução da mortalidade materna.

A SES enfatizou que a responsabilidade pela Atenção Primária, como o pré-natal e a identificação de grupos vulneráveis, é dos municípios, enquanto a secretaria oferece apoio técnico e monitora indicadores por meio de painéis e equipes regionais. Com 90% de cobertura de Atenção Primária no estado, a SES realiza ações voltadas à saúde da mulher e da criança, incluindo incentivo ao aleitamento materno e à vacinação.

A secretaria afirma ainda que há melhora dos números do ano passado. “Em 2022, Sergipe configurou na segunda maior taxa de mortalidade materna do país. No entanto, em 2023, houve queda significativa, e o estado registrou a menor taxa de mortalidade materna do Nordeste, sendo a sexta menor do país”, diz a nota.

A nota segue afirmando que, entre as iniciativas, está a construção de um protocolo para garantir que as gestantes sejam vinculadas às maternidades de referência, facilitando o acesso e o fluxo de atendimento. Também estariam sendo realizadas capacitações voltadas aos profissionais de saúde, com foco na qualificação da assistência no pré-natal de risco habitual e alto risco, no preenchimento adequado das declarações de óbito e nascimento, e na investigação de óbitos domiciliares e ambulatoriais.

Além disso, a secretaria afirma que trabalha na construção de um Protocolo Estadual de Puericultura e Aleitamento Humano, promove oficinas para vigilância de óbitos com médicos e equipes de Atenção Primária e incentiva a criação de comitês municipais e regionais de prevenção à mortalidade. Essas ações são realizadas em parceria com as secretarias municipais de saúde e têm como objetivo fortalecer a atenção primária e aprimorar a gestão de casos nos territórios.



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