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Mais de 60% dos municípios de SE estão suscetíveis à desertificação, grande parte pelo desmatamento

Áreas desertificadas são uma realidade em Sergipe (Foto Camila Farias)

Sergipe tem 48 municípios suscetíveis ao processo de desertificação, sendo que 30 deles estão localizados no Semiárido. As maiores concentrações de cidades em condição severa de desertificação ficam no chamado Alto Sertão. Entretanto, esse processo tem avançado rapidamente para municípios do Agreste e do Baixo São Francisco.

Considerar que Sergipe tem 48 cidades suscetíveis ao processo de desertificação implica dizer que 64% do território sergipano têm condições de se tornar um ambiente inóspito para a vivência de animais e plantas, plantações e sobrevivência humana. Esses dados se confirmaram nos últimos dias, mas desde 2020 estudos do próprio Governo do Estado já indicavam esse quadro de desertificação.

Poço Redondo, Canindé do São Francisco, Nossa Senhora da Glória, Monte Alegre, Gararu e Porto da Folha já faziam parte dos locais severos em processo de desertificação, mas outras áreas em evolução para esse quadro foram identificadas em Amparo de São Francisco, Aquidabã, São Miguel do Aleixo, Macambira, Cedro de São João, Nossa Senhora das Dores e Cumbe.

Veja a lista completa dos 48 municípios sergipanos em quadro de desertificação 

AGRESTE CENTRAL– Campo do Brito
– Carira
– Frei Paulo
– Itabaiana
– Macambira
– Malhador
– Moita Bonita
– Nossa Senhora Aparecida
– Pedra Mole
– Pinhão
– Ribeirópolis
– São Domingos
– São Miguel do Aleixo
ALTO SERTÃO– Canindé de São Francisco
– Gararu
– Monte Alegre
– Nossa Senhora da Glória
– Nossa Senhora de Lourdes
– Poço Redondo
– Porto da Folha
BAIXO SÃO FRANCISCO– Amparo do São Francisco
– Brejo Grande
– Canhoba
– Cedro de São João
– Ilha das Flores
– Japoatã
– Malhada dos Bois
– Muribeca
– Neópolis
– Pacatuba
– Propriá
– Santana do São Francisco
– São Francisco
– Telha
CENTRO SUL– Lagarto
– Poço Verde
– Riachão do Dantas
– Simão Dias
– Tobias Barreto
LESTE SERGIPANO– Capela
MÉDIO SERTÃO– Aquidabã
– Cumbe
– Feira Nova
– Gracho Cardoso
– Itabi
– Nossa Senhora das Dores
SUL SERGIPANO– Itabaianinha
– Tomar do Geru

Fonte: Programa Estadual de Combate à Desertificação

O pesquisador John Cunha, um dos coordenadores do Observatório da Caatinga, explica que a desertificação é uma ação permanente de degradação das terras. Esse processo é, em grande parte, resultado de ocupações e uso inadequado do solo ocorridos há décadas. No caso de Sergipe, estado com a menor cobertura florestal do Nordeste, 27% de seu território já está em estado severo de desertificação, devido ao desmatamento ocorrido há mais de 40 anos”, lamenta John.

Além disso, o pesquisador explicou que o processo que leva à desertificação continua de forma ativa em Sergipe e indicou que 18% das áreas no estado também já iniciaram o processo de degradação. Isso pode consolidar novas áreas desertificadas em um futuro próximo. E essa é uma tendência nacional, visto que o Observatório da Caatinga indicou que a área suscetível à desertificação Brasil aumentou 140 mil km² nos últimos 20 anos, sendo que 14% já estão em condição severa.

Para chegar a esses dados existem alguns subindicadores que ajudam a avaliar o processo de degradação, como a cobertura da terra, produtividade do solo e carbono orgânico no solo, e a desertificação geralmente começa com práticas agrícolas insustentáveis, como a remoção e queima da vegetação nativa, o que compromete o equilíbrio ecológico.

“A falta de cobertura vegetal expõe o solo à erosão e leva à perda de nutrientes. Com isso, ocorre uma redução da capacidade do solo de sustentar a agricultura, o que afeta a economia local, traz vulnerabilidades às populações e insegurança alimentar”, explicou o pesquisador John Cunha.

No Governo do Estado, o próprio Programa Estadual de Combate à Desertificação (PAE/SE), elaborado no ano de 2021, aponta Sergipe como um estado muito descaracterizado do ponto de vista ambiental. Grande parte é formada por pastagens que ocupam uma área de quase 1,5 milhões de hectares ou 68% do território estadual.

A Mangue Jornalismo, desde novembro do ano passado, já havia revelado que Sergipe está entre os estados com maior desmatamento proporcional do Brasil. Os municípios de Nossa Senhora da Glória e Poço Redondo lideram o ranking. Em meados deste mês, a Mangue voltou ao tema mostrando que Sergipe só tem 20% da vegetação nativa, o estado de pior proporção de preservação ambiental do país. Todos os dados são dos relatórios Anuais do Desmatamento no Brasil (RAD), do MapBiomas.

O Inventário Florestal Nacional para Sergipe realizado em 2014 demonstrou que a cobertura florestal no menor estado do país era de aproximadamente 286 mil hectares, o que equivale a somente 13% do território. De toda área com cobertura florestal, somente a caatinga correspondia a quase 30%. O problema da baixa cobertura florestal se reflete também no fato da caatinga ser um bioma altamente desmatado no estado.

Grande parte do estado em desertificação é pasto feito a partir do desmatamento (Fonte: PAE/SE)

Entenda o que é a desertificação

A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD) define a desertificação como um processo de degradação das terras o qual ocorre em áreas que se situam em zonas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas.

O pesquisador Douglas Góis explica que a degradação ambiental tem forte ligação com fatores como o uso inadequado do solo e formas de ocupação. Além disso, ele destaca a erosão, a falta de capacidade do solo em reter água, o desmatamento, os aspectos sociais (moradores, atividades econômicas) e estrutura fundiária, especialmente a monocultura.

As atividades humanas ainda podem gerar o desmatamento para a agricultura ou pastagens em larga escala, manejo inadequado do solo, uso indiscriminado do fogo, compactação do solo e a remoção da vegetação. Todos esses fatores aceleram o processo de desertificação.

Douglas Góis defendeu a tese do doutorado “Cenários de risco à desertificação no Semiárido sergipano” no Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Federal de Sergipe (UFS) em 2020.

O Observatório da Caatinga indicou que a área suscetível à desertificação Brasil aumentou 140 mil km² nos últimos 20 anos, sendo que 14% já está em condição severa, isso fez a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste atuar o mapa que consolida o chamado Semiárido brasileiro, que chega é visto em todos os estados da Região Nordeste e vai avançando para os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Desmatamento e crise climática têm aumentado o perímetro do Semiárido no Brasil (Fonte: Sudene)

Municípios do Alto Sertão sergipano correm grave risco de desertificação

A pesquisa de Douglas Gois apontou que alguns municípios sergipanos possuem áreas muito graves afetadas pelo processo de desertificação. Ele usou o caso de Canindé do São Francisco, no Alto Sertão, e Poço Verde, no Semiárido.

O pesquisador verificou que em 1990, o município de Canindé de São Francisco tinha caatinga arbórea (16,6%), caatinga arbustiva (36,7%), solo exposto (7,6%), pastagens e cultivos (35,3%), agricultura irrigada e brejos (0,8%). Em 2018, o cenário era muito pior. Houve redução em três pontos percentuais (p.p) de caatinga arbórea, 16 p.p de caatinga arbustiva e aumento em mais de 13 p.p de pastagens e cultivos.

“Tais dados sugerem tipos de uso de solo com menor potencial de proteção e que aumentam o risco aos processos erosivos, criando áreas com horizontes de solos superficiais, com baixo potencial produtivo”, explica o pesquisador.

O pesquisador explica em sua pesquisa que, futuramente, Canindé de São Francisco deverá ter um aumento de 36% de risco elevado de desertificação, o que compromete 64,9% de seu território. Em Poço Verde, o cenário indica um aumento de risco elevado em 129%, o que representa 67,5% do território para a desertificação.

“Portanto, a intensificação dos sistemas monocultores com maior potencial de impacto ao solo associado à mudança no clima pode configurar um aumento desse processo de degradação ambiental e, por conseguinte, de risco à desertificação”, explica o pesquisador.

Neste ano, dez municípios já estão em situação de emergência em razão da seca (Foto: Defesa Civil)

Governo não sabe informar com precisão sobre o combate à desertificação

Em 2020, foi sancionada a Lei Estadual nº 8.785, em Sergipe, com a finalidade de combater a desertificação no estado e diminuir os efeitos da seca nas regiões mais castigadas pelos longos períodos de estiagem. Dentre as determinações da lei estava a criação do Conselho Permanente de Combate à Desertificação (CPCD), com a presidência da antiga Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade (Sedurbs), atual Sedurbi.

A Mangue Jornalismo procurou saber da Sedurbi como estava o andamento das ações desse conselho permanente de combate à desertificação, mas a informação é que essa pauta está com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Sustentabilidade e Ações Climáticas (Semac), não mais a Sedurbi lidando essa temática.

A Mangue fez contato com a Semac e foi informada que, de fato, ela faz parte do CPCD, mas que seus membros estão em atualização. Assim, não foi possível obter informações se o conselho de fato existe, o que faz, quem são seus representantes e como está seu funcionamento. O problema é que as ações previstas na Lei Estadual nº 8.785 exigem o pleno funcionamento do Conselho Permanente de Combate à Desertificação, seja para a sua execução ou para acompanhamento.

Além disso, há problemas envolvendo a execução do Plano Regional de Combate à Desertificação do Território do Alto Sertão de Sergipe e que teve início em 2021. As ações desse “Projeto Sergipe” tinham acompanhamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e coordenação técnica do Ministério do Meio Ambiente. Os recursos eram do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).

O Pnud informou à Mangue Jornalismo que o “Projeto Sergipe” foi realizado com orçamento de U$ 3.825.192. A Semac disse que, fruto desse projeto, está prevista a criação de novas unidades de conservação em Sergipe: uma no Complexo da Serra da Miaba, uma na Rota da Farinha e outra no Alto Sertão.

A lei estadual nº 8.785 também estabelecia que os municípios sergipanos deveriam estabelecer Planos de Ações Municipais em relação ao combate à desertificação. Porém, em relação aos municípios do Alto Sertão, a Mangue não localizou planos municipais voltados a esse tema. A lei também prevê a publicação de um Balanço Estadual de Combate à Desertificação, mas que também não foi localizado nos sites oficiais do Governo.

Na Lei Orçamentária Anual de Sergipe para 2024 o termo “desertificação” só foi citado. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, aprovada pela Assembleia Legislativa, o termo “desertificação” também não foi citado.

No caso da LDO 2025, que ajuda na elaboração da lei orçamentária, um dos tópicos é a agropecuária. O governo aponta que 70% do valor da produção agrícola do estado está voltado para a produção de milho, laranja e cana-de-açúcar e incentiva o aumento dessas culturas. Os principais produtores de milho estão localizados em áreas do agreste e Alto Sertão sergipano. Porém, as pesquisas estão demonstrando que o sistema monocultor pode ser um problema na medida em que ele intensifica o processo de desertificação no Estado.

Um relatório da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) mostrou que, em relação ao Alto Sertão sergipano, por conta da descontinuidade de políticas públicas que incentivem a agricultura familiar, sobretudo, após o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, tem ocorrido uma expansão crescente e acelerada do agronegócio, o que aumenta o desmatamento da caatinga e amplia as monoculturas, inclusive, do milho.

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