Por Camila Farias, da Mangue Jornalismo
Há quase um ano, a Mangue Jornalismo publicou uma reportagem baseada em dados colhidos pela Agência Pública que revelou que a maioria das capitais brasileiras, incluindo Aracaju, não tinha um plano de enfrentamento às mudanças climáticas. Além disso, cerca de 7,6 mil pessoas viviam em áreas de risco na capital sergipana, segundo estimativas do Serviço Geológico Brasileiro.
No último dia 7 de maio de 2024, a capital sergipana mais uma vez enfrentou vários pontos de alagamento. A Defesa Civil informou que, em cerca de 6 horas, foram acumulados 90 milímetros de chuva, com concentração elevada nos bairros Jardins, Coroa do Meio, Ponto Novo e algumas avenidas. Em março de 2024, a Mangue Jornalismo voltou a alertar sobre o baixo percentual de áreas de conservação ambiental em Aracaju e como isso poderia agravar os problemas ambientais.
Apesar disso, a cidade apresentou um baixo investimento para responder às mudanças climáticas na Lei Orçamentária Anual (2024), que contém as despesas previstas do município para aquele ano. De um orçamento total de R$ 3,9 bilhões previsto para 2024, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente tinha a previsão de receber R$ 16,2 milhões.
Desse valor, somente R$ 250 mil estão previstos para o enfrentamento às mudanças climáticas e R$ 100 mil para o monitoramento do clima. Enquanto isso, por exemplo, a Secretaria Municipal da Comunicação Social tem um orçamento previsto de quase R$ 29 milhões, ou seja, quase o dobro do que será destinado à secretaria responsável pelo meio ambiente.
A professora do departamento de biologia da UFS Myrna Landim tem sido uma ativista na preservação de áreas ambientais em Aracaju e reforçou o problema do crescimento desordenado da cidade para os alagamentos.
“Observamos um mau uso dessas áreas e um aterramento. As áreas de preservação permanentes têm sido desrespeitadas, apesar de serem fundamentais para a sociedade. É necessário que o poder público seja efetivamente responsável pela gestão da ocupação do meio ambiente”, comenta.
Além disso, a professora também explicou que há uma determinação para que áreas de manguezal, restingas e dunas sejam consideradas áreas de preservação permanente, mas isso não é observado em Aracaju. “Há muitos aterros de áreas úmidas da cidade. O plano diretor também está atrasado”, lamenta.
Sergipe tem um projeto de adaptação e enfrentamento às mudanças climáticas; porém, somente R$ 300 mil estão disponíveis.
Em relação à previsão orçamentária para o estado, o cenário visto em Aracaju se repete. Em dezembro de 2023, a Assembleia Legislativa de Sergipe aprovou um orçamento que prevê uma arrecadação de R$ 15 bilhões, a maior da história, representando um crescimento de 13,06% em relação ao previsto na Lei Orçamentária de 2023.
A Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Sustentabilidade e Ações Climáticas é a terceira que menos recebeu orçamento, com um total de R$ 32,4 milhões, sendo pouco mais de R$ 17 milhões para o Fundo Estadual de Recursos Hídricos e R$ 14 milhões para a secretaria.
No demonstrativo de despesa por projeto, há R$ 334 mil destinados para adaptação e enfrentamento às mudanças climáticas (Sergipe Mais Sustentável) para todo o estado, além de R$ 300 mil para pesquisa, desenvolvimento e inovação e R$ 975 mil para a elaboração do Plano Estadual de Segurança Hídrica.
O plano de adaptação e enfrentamento às mudanças climáticas (Sergipe Mais Sustentável) tem a finalidade de mitigar efeitos extremos das mudanças climáticas (secas e inundações); ampliar a rede de monitoramento de eventos extremos; sensibilizar a população sobre os efeitos das mudanças climáticas; melhorar o atendimento da população aos efeitos dos eventos extremos; ampliar mecanismos de compensação dos efeitos decorrentes das mudanças climáticas; reduzir a emissão de carbono nos meios de produção; e combater o processo de desertificação. Para esse projeto tão complexo, foram destinados apenas R$ 334 mil.
Brasil 2040 prevê secas intensas para o Nordeste e municípios sergipanos não têm planejamento para convivência com o fenômeno
Em 2015, durante a gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff, o governo federal encomendou junto ao PNUD um estudo chamado “Brasil 2040 – Cenários e Alternativas de Adaptação à Mudança do Clima”. O objetivo era estimar como as mudanças climáticas afetariam os setores econômicos em diferentes horizontes e sugerir estratégias de prevenção e adaptação.
Na época de sua elaboração, a ex-presidenta sofria com pressões políticas, de modo que, após o impeachment, o estudo foi engavetado por seus sucessores. Seus resultados foram considerados “exagerados” e tratavam sobre pioras das secas no Nordeste, inundações no Sul do Brasil e até ondas de calor muito intensas. A agência investigativa Intercept Brasil conseguiu acesso a uma parte do documento. O arquivo, com pouco mais de 60 páginas, reflete dados que deveriam levar ao investimento de recursos para a prevenção de problemas climáticos. Porém, esse não é o cenário sergipano, muito menos de sua capital.
As simulações utilizadas no estudo Brasil 2040 mostraram que o litoral brasileiro pode ser afetado com anomalias negativas de precipitação no período de 30 anos. No período de 2071-2100, as anomalias atingem valores inferiores a 50% em várias regiões, por exemplo. Os resultados obtidos no estudo indicam a intensificação de secas nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil.
Sergipe possui 50% dos municípios na zona do semiárido, sendo que em janeiro de 2024, 13 deles já estavam em situação emergencial por conta da seca. Além disso, uma pesquisa realizada pelo engenheiro agrônomo e superintendente de Recursos Hídricos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Sergipe, Ailton Francisco da Rocha, mostrou que em Sergipe, 73,96% da área do estado está suscetível à desertificação, compreendendo 48 dos 75 municípios.
A seca nesses locais não é algo novo e, para a professora Josefa Eliane Pinto, do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe, vinculada ao Programa de Pós-Graduação (PPGEO) e doutora pela UNESP, “a seca deve ser sempre aguardada e a comunidade preparada. Não é surpresa! Dessa forma, considero um avanço quando aumentam as preocupações relativas à convivência”.
Investir em técnicas de convivência com a seca pode ser o caminho para a prevenção
O estudo divulgado por Rocha também mostrou que a “intensa exploração dos recursos naturais e o uso inadequado das terras, sem considerar suas potencialidades e limitações, são os principais fatores que estão conduzindo à degradação ambiental na Área Suscetível à Desertificação. A essa realidade somam-se os impactos da variabilidade e da mudança climática”. Diante disso, investir em técnicas de convivência é fundamental para lidar com o problema.
Flávio Adriano, Coordenador Técnico da Embrapa Solos Unidade de Execução de Pesquisa e Desenvolvimento (UEP Recife), é um dos pesquisadores do semiárido nordestino. Segundo ele, para minimizar os impactos das secas na população rural que vive no ambiente semiárido, são necessários investimentos em políticas públicas de convivência com a seca, a exemplo da difusão de tecnologias sociais hídricas.
“Essas tecnologias constituem um conjunto de ações e obras que coletam e armazenam água da chuva para uso no período de maior necessidade (falta de água). Há tecnologias para consumo próprio das famílias agricultoras como as cisternas associadas aos telhados das casas (Programa 1 Milhão de Cisternas) e outras tecnologias voltadas para produção agrícola ou dessedentação animal, como a barragem subterrânea, as cisternas de produção e enxurrada, e os tanques de pedra”, explica.
Além disso, o pesquisador ressalta também que é importante buscar sistemas de produção agrícola mais resilientes às adversidades climáticas. “Existem espécies mais tolerantes aos estresses hídrico e térmico, assim como sistemas de tratamento de água salobra e de irrigação que sejam mais eficientes. Além disso, recomenda-se o reflorestamento da Caatinga em áreas degradadas, com a função de restabelecer o equilíbrio ambiental”, conclui.
Municípios sergipanos não apresentam previsão orçamentária para questões climáticas
Para esta reportagem, a Mangue Jornalismo realizou levantamento junto à Lei Orçamentária Anual (LOA) dos municípios citados, assim como do Governo de Sergipe. O documento público deve ser divulgado como uma ferramenta de controle social da transparência com os gastos públicos. Na Loa, observamos o orçamento total disponível para o ano e quanto cada secretaria iria receber. Neste aspecto, conseguimos identificar o valor destinado às secretarias de meio ambiente. Também observamos o detalhamento das despesas por projeto para entender no que seria investido o valor nesta secretaria.
A Secretaria de Agricultura, Desenvolvimento e Meio Ambiente do município de Feira Nova tem um valor destinado na LOA de R$ 628.380, oferecendo, por exemplo, somente 300 reais para a manutenção do Conselho de Desenvolvimento Rural e Sustentável. Enquanto isso, para atividades de urbanismo, o município está destinando mais de 4 milhões de reais.
Na cidade de Monte Alegre de Sergipe, R$ 504.899,38 serão destinados à secretaria de agricultura, sendo somente 200 reais para a proteção e inclusão com ênfase na população mais vulnerável.
Em Nossa Senhora Aparecida, dos mais de 900 mil reais previstos para a Secretaria da Agricultura, somente 15 mil serão destinados a atividades de preservação do meio ambiente e 25 mil para a agricultura familiar.
Em Porto da Folha, dos R$ 106 milhões previstos na LOA, somente 1% será para a secretaria de agricultura (R$ 1,6 milhão), sendo R$ 4 mil para irrigação e R$ 2 mil para abastecimento. Ainda, na aba de gestão ambiental não há recursos previstos.
Em Carira, de pouco mais de R$ 100 milhões, a Secretaria de Agricultura recebeu 123 mil. Ainda, a LOA disponível no site para consulta não apresenta uma especificação das despesas. Em Nossa Senhora da Glória, de uma LOA de R$ 170 milhões, há apenas 2,4 milhões para essa secretaria.
Em Poço Redondo, de R$ 153 milhões previstos na LOA, R$ 4,4 milhões serão para a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Na especificação das despesas, existe um consórcio público de R$ 132 mil e R$ 6,5 mil em gestão ambiental. Essa realidade se reflete também no município de Tobias Barreto, já que, de um total de R$ 210 milhões previstos na LOA, somente R$ 1,188 milhão será destinado à Secretaria Municipal do Desenvolvimento Agropecuário Fundiário e Meio Ambiente.
As palavras “seca”, “climático”, “clima”, “convivência” não apareceram em nenhuma das LOAs dos municípios citados.
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