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Café coletivo é marca na luta das catadoras de mangaba contra prefeitura. Comunhão e resistência são palavras-chave que animam comunidade extrativista

CRISTIANO NAVARRO, da Mangue Jornalismo

Para o desjejum, todas e todos que chegam trazem um pouco de cada coisa para compartilhar. Fotos: Cristiano Navarro


Há cerca de quase quatro anos, aos primeiros sábados de cada mês, a Reserva Extrativista das Mangabeiras Missionário Uilson Sá recebe em um café da manhã de companheiras e companheiros.

A descrição do dicionário Houaiss dá a precisão exata do sentido desta reunião: a etimologia do termo companheiro tem origem no latim companis e que significa “compartilhar o pão”. 

Assim, todas e todos que chegam trazem um pouco de cada coisa para compartilhar no desjejum: pão, café, fruta, suco, bolo, frios. São catadoras de mangaba, militantes de movimentos sociais, religiosos e apoiadores da luta para manter única reserva extrativista de Aracaju em pé.

Nos últimos meses o encontro tem se tornado politicamente ainda mais importante. Em ano eleitoral, a prefeitura de Aracaju tem acelerado os trabalhos finais da construção para a entrega das 1300 moradias populares que cercaram a Reserva Extrativista.

 A Mangue Jornalismo  tem denunciado como o prefeito Edvaldo Nogueira, ao construir Residencial Mangabeiras Santa Dulce dos Pobres, no bairro 17 de março, destruiu boa parte da reserva extrativista desmatando mais de 600 árvores e colocou famílias de uma ocupação em luta por moradia contra as famílias de catadores de mangaba que organizam sua vida entorno da fruta há mais de 80 anos. Maria Aliene dos Santos, presidente da Associação das Catadoras e Catadores de Mangaba, pertence a uma das primeiras famílias que chegaram no local, e jamais entendeu os motivos para criação do conjunto habitacional sobre as terras tradicionais.

“A prefeitura ergueu essas casas sem perguntar nada para ninguém”, Maria Aliene dos Santos presidente da Associação das Catadoras e Catadores de Mangaba

“Nunca fomos contra o direito à moradia digna, existem muitas áreas para esta obra.  Mas não entendemos por que construir elas exatamente aqui. A prefeitura ergueu essas casas sem perguntar nada para ninguém”, critica Aliene que nasceu na reserva, há 53 anos.

A luta contra a administração municipal deve se acirrar nos próximos meses, com a entrega das casas, Edvaldo Nogueira tem insistido em fazer do pouco que restou da reserva de mangaba um parque municipal aos moldes do Parque das Sementeiras. “Será um parque maravilhoso para que as pessoas possam passear”, afirmou Nogueira em palanque no lançamento da obra em janeiro de 2023.

A comunhão e a resistência

Criada em outubro de 2020 pelo próprio ex-líder e missionário que dá o nome a reserva, Uilson Sá, o café da manhã partilhado tem sempre início com uma missa.

Na manhã deste último sábado, em que brisa fresca derrubava pingos d’água que caiam das árvores na terra molhada, a missa celebrada pelas religiosas do Instituto Filhas de Maria Servas dos Pobres, fundado por Santa Dulce dos Pobres, foi composta por uma mística de resistência em que tudo tem significado político.

Um coro de crianças, acompanhado pelo violão do cantor Sarrá, cantou canções sobre a paz. A presença dos familiares de professora e vereadora Ângela Maria de Melo lembrou a trajetória de uma das principais apoiadoras da comunidade mangabeira. A leitura profética citou um texto da Bíblia que apontava para novos dias.

Famílias de Uilson e professora Ângela durante a celebração

“Plantarão vinhedos e jardins, comerão de suas colheitas e beberão de seu vinho. Eu os plantarei firmemente ali, em sua própria terra. Nunca mais serão arrancados da terra que lhes dei” citou Irmã Rosana dos Santos que conduzia a celebração.

Por fim, Maria Gorette da Silva pediu a palavra para lembrar dos tempos em que trabalhou, na Bahia, com Irmã Dulce canonizada pela Igreja Católica, em outubro de 2019, como Santa Dulce dos Pobres. “Vejo muito do que se faz aqui parecido com a luta pelos mais necessitados de Irmã Dulce”, observou a irmã.

Maria Gorete avaliou a homenagem da prefeitura no conjunto residencial Santa Dulce dos Pobres como contraditório. “Irmã Dulce esteve a favor de todos os pobres, não a favor de que se criassem disputas entre eles”.

“Se a gente não se unir e se não enfrentar, arreia

Em seguida a missa, os ativistas se aproximam da mesa para comer e dialogarem em uma roda de conversa sobre a situação da reserva e as articulações entre movimentos em defesa do meio ambiente. Trocam impressões, debatem perspectivas, planejam ações.

Entorno da mesa, movimentos dialogam

Com uma gama de comunidades tradicionais em Aracaju, já frequentaram o café da manhã partilhado lideranças das comunidades quilombola, pescador e marisqueira. Esses grupos compõem o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe que se articulam por seus direitos.

Analisando o recente desmatamento e aterro promovido no mangue as margens do rio Vaza-Barris, a catadora de mangaba Rozenaide Sá, conhecida como Dona Zenaide,  Mãe de Uilson Sá, comenta sobre a necessidade de união destas comunidades “Se a gente não se unir e se não enfrentar, arreia”.

Dona Zenaide e Irmã Maria Gorette durante o café da manhã

A lógica da luta pelo território destes povos desafia a ideia de propriedade subvertendo um dos pilares da economia capitalista. De maneira sucinta, Dona Zenaide contextualiza esta relação com a terra da seguinte maneira, “Aqui as terras não são nossas, nosso é o trabalho”.

A sexta câmara do Ministério Público Federal tem acompanhado o caso.  Mas decisão imediata depende do executivo municipal ou da Justiça Federal. “A decisão sobre essa terra tá nas mãos da prefeitura ou da justiça, por isso é tão importante mobilizar as pessoas para garantir o território”, explica Aliene.

“Nós comunidades tradicionais é que protegemos o meio ambiente. Aqui por exemplo a gente luta para manter uma fruta que é símbolo de Sergipe e que pode desaparecer“, conclui.

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