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Ação mais repressiva da ditadura militar em Sergipe, Operação Cajueiro faz 49 anos hoje

Na tarde desta quinta-feira (20), às 14h, será realizada no plenário da Câmara Municipal de Aracaju a sessão especial “49 Anos da Operação Cajueiro”, de autoria da vereadora Sonia Meire (PSOL). A sessão é aberta ao público e também será transmitida ao vivo pela TV Câmara Municipal de Aracaju.

PCB se tornou o alvo principal do regime, e vários dirigentes foram presos e mortos (Foto: CMS)

Em 20 de fevereiro de 1976, em mais uma investida antidemocrática e contra o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a ditadura militar então em vigor no país deflagrou em Sergipe a Operação Cajueiro, que objetivava desarticular no estado o já fragilizado partido de esquerda. Daquela data até a declaração do fim da operação, em 4 de março daquele mesmo ano, 29 pessoas foram alvos da ação em Sergipe, que incluiu prisões arbitrárias e torturas físicas e psicológicas.

Ainda pouco conhecido do público geral sergipano mesmo passados 49 anos, o violento episódio foi detalhado no documento final produzido pela Comissão Estadual da Verdade de Sergipe (CEV/SE). Nunca publicado, esse relatório inclui entrevistas com presos políticos no estado e intimou participantes diretos e indiretos das torturas, como médicos e militares, que acabaram por não colaborar com a elaboração do documento.

Para relembrar o episódio, a Mangue Jornalismo fez um apanhado dos principais fatos sobre a operação, que foi explorada em detalhes em três reportagens publicadas entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024. A primeira delas recuperou a cronologia das ações levadas a cabo pelo 28º Batalhão de Caçadores do Exército (28º BC), sediado em Aracaju; a segunda se debruçou sobre as torturas cometidas contra alguns dos supostos militantes do PCB presos durante a operação; e a terceira reportagem explicou o papel de jornalistas atuantes em Sergipe para comunicar ao país o que ocorria no estado.

Prisões e torturas em pleno Carnaval

Das 29 pessoas que foram alvos da Operação Cajueiro, apenas uma era mulher. Laura Maria Ribeiro Marques foi investigada por ter integrado o PCB e morado na União Soviética. Ela prestou depoimento, mas não foi processada ou presa.

Já entre os presos – 24 dos 29 investigados, todos homens – estão figuras de posterior projeção política como o ex-governador de Sergipe Jackson Barreto, e nomes que trabalham ativamente hoje para informar a sociedade sobre os horrores da ditadura, como Marcélio Bonfim e Milton Coelho. Este último acabou cego devido à pressão da borracha usada como venda durante o período no qual ele e companheiros foram torturados.   

“Fui levado para as dependências do Exército aqui em Aracaju e estupidamente torturado. Tenho marcas no pulso, pois fui algemado. Tomei choques elétricos, pontapés nas costelas, enfim, foi uma barbaridade inconfessável. Após 50 dias preso e depois de passar uma semana sendo torturado, perdi a visão imediatamente quando saí de lá”, relatou Milton Coelho à CEV/SE. Milton morreu em 17 de abril de 2024.

Sequestros, prisões e torturas foram realizadas em Sergipe em 1976. (Foto: Arquivo CMS)

Os relatos de agressões incluem também choques elétricos em partes sensíveis do corpo, tentativas de afogamento, golpes na altura dos rins e outras torturas físicas, além de ameaças e o apartamento total dos presos de seus familiares e conhecidos. Estes não podiam contar nem mesmo com a mídia local para obter informações sobre o paradeiro dos sequestrados. Foi apenas dois dias depois das prisões, a partir de 22 de fevereiro de 1976, que as informações começaram a surgir de maneira mais coesa e sistemática, vindas, principalmente, dos próprios familiares dos capturados.

A operação, que virou documentário em 2015 e tem grande espaço no livro Borracha na Cabeça: o golpe e a ditadura militar em Sergipe, lançado pela Mangue Jornalismo no ano passado, fez parte de uma investida contra o PCB que incluiu coordenação com militares da Bahia, que foram deslocados para Aracaju especialmente para executar as prisões. Em Salvador, em 1975, já havia sido realizada a Operação Acarajé, com os mesmos objetivos da Cajueiro. Ambas as operações foram comandadas pelo general Adyr Fiúza de Castro, da 6ª Região Militar, à qual o 28º BC está subordinado.

As agressões, que já eram usadas como método para induzir confissões ou obrigar o reconhecimento de eventos que nunca ocorreram, já eram utilizadas em larga escala em outros estados há anos, particularmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Ainda assim, a admissão de seu uso sistemático por órgãos como o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) São Paulo, famoso centro de torturas, demorou.

O caso sergipano é singular porque, ao final do processo-crime, todos aqueles que chegaram a ser processados foram absolvidos pela Justiça Militar, que reconheceu que as provas produzidas contra os acusados estavam “maculadas de vícios insanáveis em suas origens”.

Os poucos jornalistas locais atuantes naquele período empenhados em noticiar a Operação Cajueiro tiveram que reportar para veículos de fora do estado e sob anonimato. Em depoimento para a CEV/SE, o jornalista Milton Alves, à época correspondente em Sergipe do Jornal da Bahia, explicou que houve tentativas do Exército de impedir a circulação em Sergipe de edições de jornais que falaram sobre as prisões da Operação Cajueiro.

Com a Lei da Anistia assinada em agosto de 1979, foi garantida “anistia ampla, geral e irrestrita”, ou seja, nenhum torturador foi acusado, processado ou preso no Brasil. Mesmo hoje, pontos públicos de diversas cidades brasileiras mantém nomes dados em homenagem a notórios apoiadores do regime militar, caso da Avenida General Djenal Tavares de Queiroz, em Aracaju.

Marcélio Bonfim é memória viva dos horrores da ditadura em Sergipe. (Foto: Alese)

Rememorando os horrores da Operação Cajueiro

Na tarde desta quinta-feira (20), às 14h, será realizada no plenário da Câmara Municipal de Aracaju a sessão especial “49 Anos da Operação Cajueiro”, de autoria da vereadora Sonia Meire (PSOL). A sessão é aberta ao público e também será transmitida ao vivo pela TV Câmara Municipal de Aracaju.

O evento terá a presença de Marcélio Bonfim, militante e ex-preso político; da professora Andreia Depieri, do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e integrante da CEV/SE; além de contar com outros palestrantes que participarão do debate.

Veja abaixo a lista completa dos alvos da Operação Cajueiro

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