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Jornalistas salvaram vidas na ditadura em Sergipe, mas a imprensa local calou diante de sequestros e torturas. Veja os nomes da Operação Cajueiro

CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo
@josecristiangoes

Alguns jornalistas salvaram vidas na ditadura em Sergipe (Foto Arquivo Nacional)

Com esta reportagem, a Mangue Jornalismo conclui o capítulo da Operação Cajueiro, uma ação militar sigilosa ocorrida em Aracaju a partir de fevereiro de 1976.

O objetivo da operação era prender suspeitos de “atividades subversivas no estado de Sergipe”. Foi uma ação extremamente violenta, como sequestros e torturas nas dependências do quartel do Exército em Aracaju.

A série de reportagens que a Mangue Jornalismo está publicando é fruto do trabalho da Comissão Estadual da Verdade em Sergipe (CEV/SE), que produziu um relatório final, organizado por Andréa Depieri e Gilson Reis.

A divulgação desse trabalho é um dever cívico do jornalismo, o que contribui para o exercício do direito à história, verdade e memória em Sergipe.

No ano de 1976, a comunicação aracajuana já era de porte considerável, com a circulação de grandes periódicos como a Gazeta de Sergipe, o Diário de Aracaju (do grupo Diários Associados) e o Jornal da Cidade.

Na radiodifusão, muito embora as TVs Sergipe e Atalaia estivessem ainda nos seus primeiros anos, as rádios faziam com que as notícias chegassem a todos. Apesar disso, quando a Operação Cajueiro teve início, uma semana antes do feriado de Carnaval daquele ano, a mídia local silenciou por completo.

Naquele momento, alguns jornalistas locais trabalhavam como correspondentes em periódicos de outras partes do país. Eles também escreviam nos jornais sergipanos ou trabalhavam em assessorias de comunicação.

Milton Alves, Paulo Barbosa de Araújo e José Carlos Montalvão, que eram correspondentes em Aracaju do Jornal da Bahia, do Estado de São Paulo e do Jornal do Brasil, respectivamente, foram os responsáveis por noticiar e dar visibilidade ao procedimento militar mais tarde conhecido como Operação Cajueiro.

A Comissão Estadual da Verdade em Sergipe (CEV/SE) recebeu o nome exatamente do jornalista Paulo Barbosa de Araújo.

Bom, o fato é que os três fizeram circular informações sobre a sequência de detenções que vinham ocorrendo em Aracaju por meio de notas enviadas à imprensa de fora do estado. Neste episódio, as matrizes tomaram o cuidado de protegê-los, não assinando as matérias publicadas sobre a operação.

O jornalista Milton Alves disse à CEV/SE que ficou sabendo sobre os primeiros sequestros ainda na sexta-feira (20/02/76) através do então deputado estadual Jackson Barreto que o abordou em um bar no bairro Cirurgia.

No dia seguinte, Alves vai até Paulo Barbosa de Araújo contar o que estava ocorrendo, no entanto, os fatos não estavam claros ainda. Novas detenções ocorreram neste dia.

Jornal da Bahia, de 24 de fevereiro de 1976, página 8.

Sequestros confirmados por parentes das vítimas

Foi apenas a partir do domingo (22/02/76) que as informações começaram a surgir de maneira mais coesa e sistemática, vindas, principalmente, de familiares dos capturados.

Do domingo para a segunda-feira foi descoberto, por exemplo, que os militares sergipanos em serviço no 28º BC haviam sido dispensados por aqueles dias. A busca por informações mais consistentes avançou a partir daí.

“As notícias chegavam primeiramente através de parentes. A primeira pergunta era ‘onde estão?’, ‘quem os levou?’. Na sexta, no sábado e no domingo foram as perguntas que mais martelaram. A mim e a Paulo Barbosa: ‘estão presos onde?’, ‘quem é que está prendendo esse povo?’, ‘quais as razões destas prisões?’. Disse Milton Alves.

Segundo o jornalista, na segunda-feira (23/02/1976) ele e Barbosa mandaram para as redações em Salvador e São Paulo notas com o que era conhecido até ali sobre a operação. Os jornais ajudaram a publicizar o caso a partir do quinto dia de operação (24/02/1976), quando foi publicada matéria com a manchete: “Vinte e seis presos políticos em Sergipe”. Coincidência ou não, o dia 24 foi o último a ter prisões em Aracaju.

O principal conjunto de documentos relativo à Operação Cajueiro ao qual a CEV teve acesso começa justamente a partir da difusão, dessa notícia vazada, entre as agências de inteligência: da ASV/SNI (Agência Salvador, envolvida diretamente) para a AC/SNI (Agência Central).

A publicação dessa notícia, de fato, impactou a condução da Operação Cajueiro. Marcélio Bomfim costuma dizer publicamente que os jornalistas sergipanos foram fundamentais para que ele e os outros saíssem vivos da Cajueiro.

Segundo Milton Alves, o Exército ainda tentou censurar os jornais que veicularam a notícia, impedindo que circulassem. Para isso, chegou a haver apreensões de exemplares nas bancas de jornal da rodoviária. Nos dias que se seguiram foram publicadas informações sobre o caso e seus desdobramentos.

Jornal da Bahia, de 25 de fevereiro de 1976, página 3.

A carta de Wellington Mangueira

Na edição de sábado (28/02/1976) do jornal soteropolitano A Tarde, no canto da primeira página lia-se a manchete “Ex-comunista faz carta aos jovens”, chamando o leitor para ler a carta na segunda página.

Na matéria veiculada pelo periódico, Wellington Mangueira teria, por força da juventude, ido “em direção à miragem fantasmagórica do comunismo”, e se decepcionara com esta sua escolha.

A publicação aparece como um bom conselho aos jovens para que não se iludissem com a ideologia comunista e que dedicassem seus esforços “para a construção de nosso país seguindo a experiência dos mais velhos com base na religião cristã”. Já que “entre a maconha e o marxismo, a juventude começa a se descaracterizar e o pior acontece”.

Em seu depoimento à CEV/SE, Mangueira esclareceu que a carta para publicação fora assinada à força, sob ameaça de militares que diziam: “‘Se você não é comunista e não fuma maconha, o que custa você dizer que renuncia à maconha e ao comunismo?’ ‘Você vai ter que assinar senão você morre agora, porque você nos enganou durante muito tempo!’”.

Nas suas palavras, a ditadura “fez a carta, renunciando ao que não renunciei […]” e completa: “fui para a União Soviética, foram os melhores momentos da minha vida. Nunca me decepcionei”.

A carta foi uma tentativa para diminuir o impacto das notícias sobre as detenções e desaparecimentos — lembrando que até o momento da veiculação da primeira notícia, não se sabia onde estavam os detentos e se estavam vivos ou mortos.

A ideia de que Wellington Mangueira pudesse usar maconha só serviu para reforçar o fato de que a carta não era verdadeira. Ilma Fontes, em depoimento à CEV/SE, zomba da ideia, levando em conta a disciplina e “caretice” de Mangueira. Esse ponto de vista é compartilhado por Milton Alves que lembra: “Até hoje, quarenta anos depois, [Mangueira] nunca fumou, e continua com seus ideais”.

Em contraste com a imprensa nacional, acionada por jornalistas sergipanos, que pautaram a repressão e com isso contribuíram para que os detidos permanecessem vivos, a imprensa local noticiou tardiamente a Operação Cajueiro e o fez de forma superficial, só no domingo de carnaval (29/02/1976).

“A imprensa de Sergipe em silêncio, e esse silêncio é quebrado no domingo de Carnaval, pela Gazeta de Sergipe que dá duas notinhas com informes — que era uma coluna semelhante a que tinha em formato do Jornal do Brasil, o Informe JB — informando que de acordo com a imprensa do Sul do Brasil, estavam havendo prisões em Sergipe”, lembra de Mílton Alves.

Tabela de nomes da Operação Cajueiro

A tabela que segue foi elaborada a partir dos autos da Apelação Criminal 42.182, de 1978, ação originária da 6ª Circunscrição Judiciária Militar – Bahia/Sergipe e corresponde ao processo-crime completo instaurado a partir da Operação Cajueiro.

Constam dos autos todo o Inquérito Policial Militar (IPM) e o processo criminal propriamente dito, na sua integralidade, até o 2º grau.

Além dos autos do processo, a CEV/SE julgou necessário adicionar outros nomes, vinculados à Operação Cajueiro, encontrados em outras fontes.

A tabela dá aos leitores a dimensão da operação em si e permite visualizar a quantidade de pessoas que se envolveram com esse caso de alguma forma. Os réus e investigados não aparecem nessa tabela porque foram arrolados no capítulo “Operação Cajueiro”.

A CEV/SE optou por destacar o papel que cada uma das pessoas desempenhou no desenrolar do processo-crime. Além dos julgadores, acusadores e defensores, sem os quais não haveria processo criminal, destacam-se as pessoas que acompanharam e certificaram as ações de prisão e recebimento de preso, busca e apreensão; que testemunharam os atos de interrogatório ou que tenham atuado em serviços cartorários, dando forma ao processo e fazendo cumprir as determinações das autoridades.

Idealmente, essas pessoas deveriam ter sido ouvidas pela CEV/SE, a fim de aclarar as circunstâncias da Operação Cajueiro e as inúmeras contradições existentes, no entanto, a despeito da existência da Lei de Acesso à Informação (LAI), a CEV/SE não obteve informações que permitissem identificar, localizar ou convidar algumas dessas pessoas para prestar depoimento.

O Exército Brasileiro, ancorado no Parecer nº 00074/2015, negou o acesso da CEV/SE às suas informações de arquivo.

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