Na manhã do dia 18 de janeiro deste ano, um ônibus que faz a linha Fernando Collor/DIA pegou fogo no município de Nossa Senhora do Socorro após problemas no sistema elétrico. Motorista e passageiros desceram às pressas do veículo, que pertence à Viação Modelo, e recorreram à mangueira de um condomínio para apagar o princípio de incêndio.
A mesma situação ocorreu em junho do ano passado, com um carro da Viação Atalaia, na linha Sobrado/Mercado via Osvaldo Aranha, quando passageiros desceram em pânico de um veículo que foi repentinamente tomado por fumaça após outro princípio de incêndio.
Já em uma noite de abril do ano passado, um ônibus que faz a linha Fernando Collor/DIA também pegou fogo em Nossa Senhora do Socorro. As chamas só foram controladas com a chegada do corpo de bombeiros.
As imagens dessas ocorrências foram feitas e postadas por passageiros nas redes sociais de usuários.
Além desses casos são fartas as imagens de veículos em chamas, com problemas mecânicos, sem conseguir cumprir seu itinerário, com rodas que se desprendem e acidentes diversos provocados pelo transporte público na Grande Aracaju.
A situação é de muita precariedade, com ônibus velhos, que vivem quebrando, com assentos poucos e imprestáveis. As reclamações são gerais sobre o estado de conservação, a pequena frota para atender a demanda e os consequentes atrasos.
Apesar das permanentes reclamações dos usuários, a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Aracaju (SMTT) garante que o transporte público é seguro e que tem um trabalho rotineiro de fiscalização dos ônibus. “Os fiscais da superintendência verificam todos os itens dos ônibus e, quando é detectada alguma irregularidade, este ônibus não sai para a operação, e a empresa é notificada para fazer os devidos reparos no veículo. O ônibus só retorna para a operação quando as irregularidades são sanadas, após nova fiscalização da SMTT”, informou o órgão municipal para a Mangue Jornalismo.
Dívidas e vista grossa
Questionada sobre as ocorrências envolvendo o transporte público da Grande Aracaju durante o ano de 2023, a SMTT informou que não possui dados sobre o número de falhas e acidentes com ônibus durante o período.
À reportagem, trabalhadores das três viações (Modelo, Atalaia e Progresso), que não quiseram se identificar, foram categóricos em dizer que a SMTT não fiscaliza as empresas de forma adequada.
Para Marcus Vinicius, que foi cobrador de ônibus na Viação Modelo por sete anos, a SMTT é conivente com os acidentes e com a precariedade do transporte público. “A fiscalização é zero, nenhuma. A SMTT faz vista grossa. Os fiscais vão e colocam os carros para rodar independente de como se encontram.”
Vinicius está entre os 1300 cobradores que foram demitidos em 2021 depois do decreto do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PDT), que extinguiu a função.
Até hoje Vinícius aguarda junto com outros mais de 900 trabalhadores o pagamento das dívidas trabalhistas por parte da empresa Modelo.
As dívidas trabalhistas das empresas de ônibus com as trabalhadoras e trabalhadores rodoviários estão no centro do debate sobre o colapso do transporte público na região.
Pandemia aprofundou a crise
Adierson Monteiro Filho trabalha com seu pai, Adierson Monteiro, há um ano e meio na Viação Progresso, empresa que presta serviços na Grande Aracaju há 43 anos. Segundo o empresário, a pandemia aprofundou a crise que já afetava o setor como um todo, incluindo a qualidade dos ônibus.
“Na pandemia, o poder público obrigou que as empresas atuassem. Então a gente teve 80% da frota na rua faturando 20% a 25%. A conta não fecha. Isso obrigou a gente a canibalizar carro,” explicou Adierson Filho.
Hoje, com grande volume de dívida trabalhista, o empresário argumenta que a Progresso precisa fazer escolhas para gerir seus negócios. “Muitas vezes a gente tem a escolha de Sofia: compro ônibus ou pago colaborador? Eu preciso pagar o colaborador, mas eu preciso ter ônibus bom porque quem traz a receita é o ônibus.”
Alegando não ter estatísticas das falhas no sistema e sem nunca ter estabelecido contrato para o serviço público de transporte público, a Prefeitura de Aracaju mantém uma relação precária com as empresas por meio de ordem de serviço. Ou seja, as linhas de circulação são distribuídas entre as empresas de ônibus de forma indiscriminada.
“Sem critério, sem transparência e sem nenhuma licitação pública, esse xadrez dos ônibus se move de acordo com os interesses políticos do gestor. Edvaldo deu continuidade a esse processo dizendo quantas linhas cada empresa vai operar e quais lugares. Um absurdo para uma capital de um estado”, critica a vereadora Sônia Meire (PSOL).
Desde novembro do ano passado, a Prefeitura de Aracaju passou a fazer um aporte mensal para o sistema de transporte público que deve totalizar R$ 40 milhões até dezembro de 2024.
Segundo a SMTT, o polêmico subsídio aprovado pela Câmara de Vereadores da cidade “viabilizará o congelamento da tarifa e a renovação de parte da frota. Serão adquiridos, inicialmente, 20 ônibus novos.”
A SMTT informou ainda que a “Prefeitura de Aracaju se inscreveu ainda no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal, para viabilizar a renovação da frota do sistema a partir da compra de 40 novos ônibus.”
Conforme o cronograma divulgado pelo prefeito da capital na última reunião do Consórcio Metropolitano do Transporte da Grande Aracaju, a primeira licitação para o transporte público da região será lançada no próximo mês de março.
A reportagem tentou contato com o Sindicato de Empresas do Transporte Público de Aracaju e com as empresas Modelo, mas não obteve respostas.
Outras reportagens da Mangue Jornalismo
Esta não foi a primeira e nem será a última reportagem que a Mangue Jornalismo publica sobre a gravíssima situação dos serviços de transporte público na Grande Aracaju.
Só este ano, em 08 de janeiro, foi publicada a reportagem informando que a Prefeitura de Aracaju estava concedendo benefícios milionários para empresas de ônibus condenadas na Justiça do Trabalho. Na reportagem, foram apresentadas graves indícios de irregulares na planilha de custos das empresas. Leia AQUI.
No dia 22 de janeiro, a Mangue publicou reportagens dando destaque a seguinte delaração de um dos empresários do transporte: “Subsídio dado está aquém da realidade. Amanhã, não exija transporte à la Paris ou Londres”. Em meio a dívidas trabalhistas, empresário Adierson Monteiro reclama da prefeitura. Leia AQUI.
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