Dentre os maiores repasses de emendas Pix enviados por senadores a prefeituras sergipanas em 2024, Laércio Oliveira (PP) contemplou Itabaiana com um valor milionário cujas dezenas de finalidades divergem das metas definidas pela prefeitura.



Exatos R$ 8,3 milhões e 74 finalidades: esses são os dois números que se destacam em relação à transferência de recursos federais feita pelo senador Laércio Oliveira (PP) ao município sergipano de Itabaiana, distante 56 km de Aracaju. Realizado por meio da modalidade transferência especial, popularmente conhecida como “emenda Pix”, o repasse foi o maior que o congressista fez no ano de 2024.
Contudo, apesar da longa lista de usos informada pelo parlamentar na plataforma Transfere.gov, a administração de Itabaiana, responsável pela aplicação do recurso, incluiu como metas apenas a primeira e segunda fases da construção do novo estádio de futebol da cidade, o Estádio Municipal Francis de Andrade. O município só tem um time de futebol na séria A1, o Itabaiana, e já tem um grande estádio, que foi recentemente reformado.
Ao incluir como metas a construção de um novo estádio, a prefeitura de Itabaiana desconsiderou todos os outros usos relacionados por Laércio Oliveira, como “mineração”, “transporte aéreo”, “transporte ferroviário”, “transporte hidroviário”, “meteorologia” e até mesmo “assistência aos povos indígenas”, ainda que Itabaiana não possua nenhuma comunidade desse tipo.
Contatado pela Mangue Jornalismo, o senador não respondeu aos questionamentos sobre definição de prioridades e acompanhamento de prestação de contas de valores destinados por ele via emendas parlamentares.
A discrepância entre finalidades e metas pode ser um impeditivo para o repasse do dinheiro. Ainda que as emendas Pix sejam conhecidas pela pouca transparência, já que a destinação é feita pelos parlamentares diretamente e sem obrigação de vínculo com algum plano de trabalho prévio, os congressistas devem registrar no sistema Transfere.gov todas as finalidades da verba a ser recebida pelo beneficiário. Estes, por sua vez, precisam listar as metas que pensaram para o recurso.
No caso do repasse de mais de R$ 3,4 milhões que o senador Rogério Carvalho (PT) fez a Neópolis – um dos dois que a cidade recebeu do petista – a divergência entre finalidades e metas descritas no plano de trabalho apresentado pela prefeitura resultou na solicitação de “que as finalidades sejam devidamente ajustadas às metas estabelecidas e que o plano de trabalho seja reenviado para análise do órgão ou entidade setorial”.

A Mangue perguntou por e-mail ao senador Rogério Carvalho como ele define as finalidades dos repasses que faz via transferência especial e se acompanha a prestação de contas da aplicação desses recursos. O senador explicou que “as finalidades dos repasses são definidas através de um processo cuidadoso de diálogo com os gestores municipais. Como senador, acredito que os prefeitos, por estarem próximos à população, conhecem profundamente as necessidades de suas cidades”.
Sobre o pedido de readequação do plano de trabalho apresentado pela Prefeitura de Neópolis, o parlamentar disse que “o que ocorreu foi tão somente um procedimento normal e corriqueiro de adequação técnica do plano de trabalho” e que “o ajuste solicitado é uma prática comum e muito frequente em todas as esferas da Administração Pública e visa garantir que os recursos sejam aplicados com máxima eficiência em benefício da população”.
Cada senador teve à sua disposição R$ 69,6 milhões do orçamento da União no ano passado para direcionar a entes subnacionais (municípios, estados ou o Distrito Federal). Por lei, metade das emendas parlamentares individuais impositivas, das quais as emendas Pix fazem parte, devem ser alocadas para a área da saúde.
A metade que sobra é distribuída sem necessidade de estar ligada a um projeto já em execução, como a construção de pontes ou atividades culturais tradicionais do ente beneficiado. Isso torna o uso dessas verbas bastante flexível e, portanto, mais suscetível a desvios e corrupção, como tem denunciado a organização não governamental Transparência Brasil.
No começo deste mês, a Mangue Jornalismo publicou reportagem sobre o destino dado pelos deputados federais por Sergipe aos seus repasses mais altos em 2024 via emenda Pix e quais os interesses em disputa nesses envios.
Estádios em Itabaiana no centro do jogo político
Itabaiana possui um estádio de futebol, o Mendonção, cuja primeira fase da reforma foi entregue em julho do ano passado com a presença do governador de Sergipe, Fábio Mitidieri (PSD). Segundo informações da administração estadual, as obras custaram mais de R$ 3,6 milhões em recursos estaduais e federais. O orçamento da segunda fase da reforma será de pouco mais de R$ 1,6 milhão.
Já o novo estádio, caso seja respeitado o prazo previsto de construção, será inaugurado pelo atual prefeito de Itabaiana, Valmir de Francisquinho (PL). Ele é pai do deputado federal Ícaro de Valmir (PL), que repassou à cidade R$ 7 milhões em recursos via transferência especial em 2024, dos quais R$ 200 mil foram para a obra.
O atual prefeito de Itabaiana e o governador sergipano seriam opositores políticos, apesar de registrados vários lances de aproximação entre os dois. Valmir entrou para a disputa do governo de Sergipe em 2022 tendo como vice a atual prefeita de Aracaju, Emília Corrêa (PL). Contudo, o registro da candidatura da chapa foi impugnado, abrindo espaço para a vitória de Mitidieri só no 2º turno. No 1º turno, Rogério Carvalho ficou na frente.
A Associação Olímpica de Itabaiana é o único time de futebol da cidade no ranking nacional de clubes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Com pouco mais de 100 mil habitantes, o município enfrenta problemas ambientais devido à especulação imobiliária desenfreada, e também figura entre as cidades mais violentas do país no quesito letalidade policial, como a Mangue já mostrou.
No ano passado, Itabaiana recebeu R$ 15,3 milhões em emendas Pix, mas nenhum dos repasses foi aplicado em meio ambiente ou segurança pública, segundo informações inseridas pela prefeitura de Itabaiana na plataforma Transfere.gov. Qualquer pessoa pode conferir o relatório parcial de gestão da emenda de R$ 5 milhões destinada pelo deputado federal Ícaro de Valmir e o relatório final dos R$ 2 milhões repassados por ele. Já o repasse de R$ 8,3 milhões do senador Laércio Oliveira ainda não tem relatório de gestão, mas as metas definidas pela Prefeitura de Itabaiana estão disponíveis aqui.

Programa de Emendas Participativas
O senador Alessandro Vieira (MDB) é o único congressista a adotar o chamado Programa de Emendas Participativas, que por meio de editais incita entes públicos a inscreverem projetos para recebimento de recursos via transferência especial.
O senador emedebista foi o que teve maior capilaridade na distribuição de recursos via emendas Pix em 2024: foram contempladas 29 prefeituras sergipanas e o governo do estado, como consta em planilha enviada pela assessoria à Mangue e checada pela reportagem.
A mais recente edição do programa foi lançada pelo senador no dia 06 de janeiro com a divulgação dos editais que determinaram as regras para a inscrição dos projetos. Um dos editais focou nas guardas municipais e teve por objetivo a “aquisição de materiais permanentes e/ou veículos”, e o outro convocou organizações da sociedade civil sem fins lucrativos sediadas em Sergipe.
No caso das guardas municipais, o teto dos projetos foi definido em R$ 200 mil. Já as ONGs poderiam apresentar propostas orçadas entre R$ 50 mil e R$ 100 mil. Nos dois casos os projetos a serem contemplados são escolhidos por voto popular. A votação estará aberta até o dia 23 de fevereiro no site específico para as atividades referentes às emendas participativas do senador. Foram para votação apenas os projetos aprovados por análise prévia.
Alessandro informou para a Mangue que todos os projetos enviados ao seu mandato “passam por análise técnica obrigatória e podem ser apresentados de duas formas: por meio do edital de emendas participativas ou por demandas encaminhadas por gestores municipais e estaduais. O valor destinado varia conforme o objeto a ser executado ou os critérios preestabelecidos nos editais.”
Os senadores Rogério Carvalho e Laércio Oliveira foram perguntados se cogitam adotar as emendas participativas como estratégia para distribuição de recursos federais, mas não responderam até a publicação da reportagem. Carvalho destacou por e-mail que “a participação popular já está presente em nossa atuação através do apoio significativo que destinamos a diversas associações comunitárias, com ênfase especial em melhorias que beneficiem pequenos produtores do setor agropecuário”. Oliveira não respondeu. O espaço continua aberto para retorno sobre este e os outros questionamentos feitos pela Mangue por e-mail.
A Prefeitura de Itabaiana também foi contatada pela Mangue, mas não retornou antes da publicação da reportagem.
Errata: a versão anterior da reportagem afirmava que o resultado dos projetos escolhidos pelo Programa de Emendas Parlamentares do senador Alessandro Vieira já haviam sido divulgados. Na verdade, as votações ainda estão abertas. O texto foi atualizado às 15h30.
Atualização: a reportagem foi atualizada às 18h45 para inclusão das respostas do senador Rogério Carvalho (PT).