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Mesmo aprovada por 19 deputados, privatização da Deso só ocorre se Aracaju mudar Lei Orgânica. PGR também pode pedir a ilegalidade da ação de Mitidieri

CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo
@josecrsitiangoes

Como já era esperado, a grande maioria dos deputados estaduais de Sergipe votou como pediu o governador Fábio Mitidieri (PSD) e aprovou apenas o primeiro passo para a privatização da água e da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso).

Foram 19 votos de deputados favoráveis em acabar com a Deso, que entrega o patrimônio do povo sergipano para empresas privadas e demite cerca de 1000 trabalhadores. Veja no final da reportagem quem votou para privatizar a Deso.

Apenas cinco deputados votaram contra o Projeto de Lei 31/2023 do governador e que busca privatizar a Deso. Foram Chico do Correio (PT), Georgeo Passos (Cidadania), Linda Brasil (PSOL), Marcos Oliveira (PL) e Paulo Júnior PV),

A aprovação desse primeiro passo para entregar a água de Sergipe para empresas privadas ocorreu, de modo estratégico, na madrugada de sábado, dia 23. A Assembleia Legislativa estava cercada de policiais militares e o povo foi impedido de participar.

Assim, a maioria dos deputados estaduais aprovou a transformação de 13 microrregiões de saneamento do estado em apenas uma. É esse “bloco único” que poderá ser leiloado e entregue para empresas privadas.

Entretanto, mudar a estrutura das microrregiões exige audiências públicas amplamente convocadas e envolvendo os municípios afetados, mas isso não ocorreu. “Tem muita ilegalidade nesse processo e isso vai parar nos tribunais e no Supremo Tribunal Federal (STF)”, afirma um advogado que prepara várias ações.


Lei Orgânica de Aracaju impede serviço privado

Ao contrário do otimismo do governador e dos 19 deputados, que projetam concluir a venda da Deso até junho de 2024, a realidade aponta problemas e travas legais que precisam ser superados antes que a privatização do saneamento ocorra para valer.

Como água e esgoto são serviços públicos municipais, o Governo do Estado, acionista majoritário da Deso e detentor do contrato de concessão para atuar nas cidades, terá que negociar com quase todos os prefeitos e Câmaras de Vereadores. Em alguns casos, os Municípios precisam aprovar que o serviço passe para empresas privadas.

Em cidades que possuem Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), a exemplo de Estância e Capela, as negociações que precisam ser feitas serão ainda mais complexas. Envolvem servidores públicos municipais, contratos locais, recursos públicos municipais e alteração de leis.

A Mangue Jornalismo já mostrou que a privatização da Deso, como quer o governador e a maioria dos deputados estaduais, precisa passar pela concordância do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PDT), e da grande maioria dos vereadores da capital. Isso, hoje, não parece ser tão fácil.

A Lei Orgânica do Município de Aracaju, uma espécie de Constituição Municipal, proíbe de forma expressa que o serviço de saneamento da cidade seja privatizado. Para que uma empresa privada possa atuar com água e esgoto em Aracaju, o prefeito precisa enviar para a câmara e os vereadores precisam aprovar uma lei modificando o artigo 285 da Lei Orgânica do Município.

“Não tem outro caminho: tem que alterar a Lei Orgânica da capital. Fábio Mitidieri precisa de Edvaldo e dos vereadores. Sem a capital, que é o filé, no bolo da Deso não tem empresa privada que se interesse pela privatização. Talvez por isso o governador tenha realizado várias reuniões com os vereadores este ano”, analisa o advogado.

Dezembro 2023: Terceira reunião este ano do governador com vereadores de Aracaju (Foto Milton Carvalho/CMA)

Silvio Sá, presidente do sindicato que congrega os trabalhadores em saneamento básico do estado de Sergipe (Sindisan) é categórico: “se a capital sergipana não repassar a concessão do saneamento para que o Governo entregue para a empresa privada, ninguém vai querer a Deso. Aracaju é a cidade mais rentável”, diz Silvio.

Aracaju representa 40% de toda a arrecadação da Deso, já universalizou o abastecimento de água e cobre 60% da coleta e tratamento dos esgotos. Segundo Silvio, com as obras públicas que estão em andamento, em dois anos a coleta e tratamento atingirá 80%; em mais três anos chegará a 95%.

“Tudo isso foi e está sendo feito com investimento público, ou seja, com o patrimônio do povo de Sergipe. Se chegar a empresa privada e comprar a Deso, ela não tem o que fazer, só arrecadar. Mas se Aracaju ficar de fora disso, nenhuma empresa vai querer”, reforça um empregado da companhia que pede para não ser identificado.

O vereador Ricardo Vasconcelos (Rede), presidente da Câmara de Vereadores de Aracaju e funcionário da Deso, tem posição pública definida. “Apesar de ser aliado de Fábio Mitidieri, entendo que ele está equivocado quanto à proposta de privatização dos serviços da Deso. A melhor saída para a nossa companhia é gestão e mais recursos públicos”, afirmou Ricardo que esteve em todos os atos em favor da Deso.


Ministério Público Federal deverá ser acionado

Além de alterar a Lei Orgânica de Aracaju, o processo de privatização da Deso deverá enfrentar uma série de ações judiciais, seja por ferir legislações nacionais e internacionais, seja pelo atropelo do processo legislativo. Em Sergipe, já existem movimentos para ingressar com ações judiciais.

Em São Paulo, por exemplo, PT e PSOL ingressaram no STF contra a lei enviada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e aprovada pelos deputados que também buscam privatizar a companhia de saneamento paulista, a Sabesp.

Assim como ocorreu em Sergipe, os deputados estaduais lá deram poderes ao governador para alterar os contratos da companhia de saneamento, através de conselhos, sem que cada município tivesse condições de negociar individualmente.

O Ministério Público Federal já se manifestou na ação no STF dizendo ser ilegal essa ação do governador aprovada na assembleia. O quadro de ilegalidade é tão nítido que o próprio chefe do Executivo precisou dizer que a adesão dos municípios é voluntária, mas que vai negociar com as 375 cidades atendidas pela Sabesp.

Em inúmeras ações pelo Brasil, o MPF já apresentou pareceres onde defende que a água é direito humano fundamental, não podendo ser mercadoria. Em Sergipe, por exemplo, o MPF conseguiu na Justiça que a Deso fosse obrigada a fornecer água potável para a comunidade quilombola de Serra da Guia, em Poço Redondo.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também emitiu a Recomendação 103, de setembro deste ano, que orienta promotores de Justiça (MP Estadual) e procuradores da República (MPF) a se inserirem nos debates sobre as “concessões” de serviços essenciais como água e saneamento.

Segundo o documento, “o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, ou seja, é um direito difuso por excelência a ser garantido para as presentes e futuras gerações, caracterizando-se como verdadeiro patrimônio público, nos termos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981)”.

A Resolução 103 do CNMP é nítida: “o acesso à água doce e potável foi colocado entre os direitos prestacionais, essenciais à dignidade da pessoa humana, e esse direito foi considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU), na Resolução da Assembleia Geral nº 64/92, como direito humano fundamental”.

Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público, é direito-dever de todos usufruir de forma sustentável e racional e preservar a água para as presentes e futuras gerações. Para o CNMP, esse direito-dever “está vinculado aos preceitos de solidariedade e fraternidade”. Em Sergipe, não há notícia se o MP/SE e o MPF/SE já foram acionados.

Vale ressaltar que, com a Constituição Federal de 1988, todas as águas no Brasil passaram a integrar os bens dos Estados e da União. Além disso, a Lei nº 9.433 (Política Nacional de Recursos Hídricos) tem entre os objetivos assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos. Logo em seu primeiro artigo, a lei afirma: “a água é um bem de domínio público”.

Além disso, faz 13 anos que a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução (nº 64/A, de 28.07.2010) sobre o assunto. O texto diz que o acesso à água limpa e segura e ao saneamento básico são direitos humanos fundamentais, essenciais para se gozar plenamente da vida e de todos os demais direitos.

VEJA OS DEPUTADOS QUE APROVARAM A PRIVATIZAÇÃO DA DESO

Veja a série de reportagens da Mangue Jornalismo

Esta é a quinta reportagem de uma série especial da Mangue Jornalismo sobre a água como um direito humano essencial e sua relação com a privatização da Deso. Todas as reportagens estão com link aqui abaixo.

1 – Governo de Sergipe vai privatizar a água. Leis nacionais e internacionais garantem que a água potável é direito humano essencial e dever do Estado. ACESSE AQUI

2 – Contas de água e esgoto aumentaram muito onde o serviço foi privatizado. Especialistas alertam que tarifas em Sergipe vão subir com a venda da Deso. ACESSE AQUI

3 – Governo quer vender a Deso, empresa pública essencial e lucrativa. Companhia teve lucro de R$ 40 milhões e tem captação programada de R$ 750 milhões. ACESSE AQUI

4 – Vereadores de Aracaju podem impedir a privatização da água e da Deso. Lei Orgânica da capital proíbe que saneamento seja feito por empresas privadas. ACESSE AQUI

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Respostas de 3

  1. Isso é uma injustiça , como querem privatizar uma em empresa , onde temos vários trabalhadores com idades avançadas , e que ficaram desempregados . Sendo que a maioria do Saae são concursados . Eles estudaram pra esta no lugar deles . Não a privatização do saae e Deso

    1. Marcos Freire 2 falta água quase todos os dias, região ao lado da capital e nesse estado. Isso não é uma empresa de Água e Saneamento é um cabide de emprego.

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