CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo
@josecristiangoes
Para os especialistas consultados pela Mangue Jornalismo, a privatização da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) vai significar um grande aumento nas contas de água e esgoto pagas pela população. O alerta se sustenta em dados e na realidade de outras cidades onde esse serviço público essencial foi entregue para empresas privadas.
Esta é a segunda reportagem da série sobre a água como um direito essencial à vida, não sendo uma mercadoria. Leia AQUI a primeira matéria: Governo de Sergipe vai privatizar a água. Leis nacionais e internacionais garantem que a água potável é direito humano essencial e dever do Estado.
O governador Fábio Mitidieiri (PSD) vai privatizar a água dos sergipanos em um único bloco de concessão, o que terá um impacto enorme em todos os 75 municípios, principalmente a população das cidades que hoje têm os Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAEs), a exemplo de Capela, Estância, São Cristóvão e Carmópolis.
“Para se ter uma ideia desse impacto, em Carmópolis, por exemplo, a tarifa de água deverá passar dos atuais R$ 18,00 para algo em torno de R$ 63,00, um aumento brutal de 250%, além do possível aumento de 80% para 100% da taxa de esgoto”, alerta Silvio Sá, presidente do sindicato que congrega os trabalhadores em saneamento básico do estado de Sergipe (Sindisan).

E Aracaju, como vai ficar?
A previsão de especialistas que trabalham no Governo do Estado é de que até o final do primeiro semestre de 2024, o governador Fábio Mitidieri deve privatizar a Deso. Entretanto, a Câmara de Vereadores de Aracaju pode ser um obstáculo a isso, porque ela precisa aprovar a concessão desse serviço para empresas privadas.
Durante um ato público contra a privatização da Deso, na porta da câmara, a grande maioria dos vereadores prometeu que não aprovarão a privatização. Entre eles, estava o presidente da câmara, Ricardo Vasconcelos (Rede) que é servidor da Deso. Além disso, no próximo ano haverá eleições para prefeito e vereadores.
Sem poder cobrar pela água e tratamento de esgoto em Aracaju, praticamente nenhuma empresa privada terá interesse na Deso. Este é o tema da próxima reportagem da Mangue Jornalismo sobre a privatização da companhia.
Alagoas: privatização fez aumentar contas de água e esgoto
Numa tentativa de disfarçar o nome de privatização, o governo tem usado a expressão “concessão do serviço por 35 anos”. Ocorre que essa venda – isto é, privatização dos serviços de distribuição de água, tratamento dos esgotos e faturamento – já deu muito errado onde foi realizada.
Um dos casos mais próximos de Sergipe é o da venda da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal). A então empresa pública do estado vizinho foi privatizada em três blocos regionais de municípios, incluindo a Região Metropolitana de Maceió.
As consequências dessa privatização foram mais perversas para a população mais pobre. Depois de vendida, as tarifas de água e esgoto aumentaram consideravelmente e os serviços prestados pelas empresas privadas que assumiram as concessões não melhoraram em nada a vida dos usuários alagoanos.
Veja a comparação: hoje, a Deso cobra o valor de R$ 75,33 por cada 10m³ (metros cúbicos) de água, incluída aí a taxa de 80% de esgoto. Pois bem, na Região Metropolitana de Maceió, onde o serviço já foi privatizado, a tarifa atual da empresa privada BRK Ambiental é de R$ 126,00 para os mesmos 10m³ e a taxa de esgoto pulou para 100%.
Não demorou muito e pouco tempo depois de ganhar o leilão da Casal para assumir os serviços de água e esgotamento sanitário em 13 cidades da Região Metropolitana de Maceió, a concessionária privada BRK Ambiental já acumulava mais de 12 mil reclamações provenientes de consumidores insatisfeitos com os serviços prestados.
“Isso deve acontecer aqui se a Deso for privatizada. O aumento nas tarifas dos sergipanos é líquido e certo, assim como a péssima prestação de serviço”, afirma Silvio Sá.
Ele explica que, “com o ingresso do setor privado, o financiamento da infraestrutura e dos serviços passa a ser arcada pelos usuários, obrigatoriamente, além da cobrança de impostos como PIS, Cofins e ICMS sobre a tarifa, impostos que a Deso, por ser pública, não cobra”.
O Sindisan realiza, desde o início do ano, a campanha “Não se deixe enganar! Se privatizar a conta de água vai aumentar”.

Aumento nas tarifas no Tocantins, Manaus, Rio de Janeiro, Ouro Preto e Itu
Não foi só em Alagoas que a privatização da água gerou rapidamente o aumento nos valores das tarifas de água em esgoto. No estado do Tocantins, por exemplo, o governo estadual também entregou em 1998 o saneamento para empresas privadas. Lá, foi entregue em um bloco único a concessão de 139 municípios ao Grupo Odebrecht (BRK Ambiental).
Ocorre que, em 2010, esse modelo fracassou e a empresa privada devolveu ao Estado 78 municípios que não davam lucro, obrigando o governo a criar uma autarquia pública novamente, a Agência Tocantinense de Saneamento (ATS), para reassumir os serviços de saneamento desses municípios deficitários, com enormes custos para a população daquele estado.
E os casos de fracasso não ficam apenas em Alagoas e Tocantins. As tarifas aumentaram muito depois da privatização da água também nas cidades de Manaus/AM, Rio de Janeiro/RJ, Ouro Preto/MG e Itu/SP.
Em Ouro Preto, por exemplo, a água e o esgotamento sanitário foram entregues a empresa do poderoso grupo sul-coreano GS Engineering & Construction em 2019. Logo depois, a população passou a travar uma verdadeira “guerra” contra a empresa pelos péssimos serviços que vem prestando.
“É uma prova de que não há garantia alguma de melhoria dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento dos esgotos com a privatização”, afirma Aécio Ferreira, secretário-geral do Sindisan.
Para ele, basta uma rápida pesquisa na internet e logo se verá a realidade dessas cidades e os dramas vividos pelas populações, especialmente as mais pobres e periféricas. “Elas convivem com a constante falta de água, precarização dos serviços e tarifas altíssimas. Tudo isso serve de alerta para Sergipe: água e saneamento básico não são mercadorias, são direitos, e privatização não é solução”, assegura Aécio.

A privatização da água em Sergipe vai na contramão do mundo
Faz mais de 13 anos que a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução (nº 64/A, de 28.07.2010) nítida sobre esse assunto. Em resumo, o texto do documento garante que o acesso à água limpa e segura e o saneamento básico são direitos humanos fundamentais, essenciais para se gozar plenamente da vida e de todos os demais direitos. Assim sendo, esse serviço não pode ser comercializado.
Se o governador Fábio Mitidieri privatizar os serviços de saneamento básico vai levar Sergipe a seguir na contramão do mundo. Segundo levantamento do Sindisan, mais de 310 cidades importantes em 38 países estão reestatizando esses serviços, a exemplo de Paris (França), Berlim (Alemanha), Atlanta (EUA), Buenos Aires (Argentina), Itu (Brasil) e, mais recentemente, Setúbal (Portugal).
“As quebras ou não renovações dos contratos ocorreram após anos de cobranças tarifárias elevadas e promessas de universalização não cumpridas, além de problemas com transparência e dificuldade de monitoramento dos serviços privados pelo setor público”, informa Sérgio Passos, também dirigente do Sindisan.
“Sergipe está indo na contramão dessa tendência mundial, onde as gestões públicas têm, cada vez mais, compreendido que setores estratégicos e fundamentais à vida, como é o de abastecimento de água, não devem funcionar sob a lógica dos interesses privados”, afirma Silvio Sá.

Governo do Estado não respondeu
A Mangue Jornalismo procurou o Governo do Estado para comentar sobre a temática da água e saneamento e o processo de privatização da Deso. Infelizmente, não houve retorno até o fechamento desta reportagem.