
- COM INFORMAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE
O Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE) informou ontem, 31 de março, data em que o golpe de 1964 completou 61 anos, que ajuizou uma ação civil pública contra a União e o Estado de Sergipe para garantir o direito à memória, à verdade e à justiça, diante das graves violações cometidas por agentes públicos durante a chamada Operação Cajueiro, realizada em Aracaju, no contexto da ditadura militar.
Em 20 de fevereiro de 1976, a ditadura militar agiu com máxima violência para desarticular em Sergipe o já fragilizado Partido Comunista Brasileiro (PCB). Atuaram diretamente agentes das forças de segurança estadual e federal, todos coordenados pelas Forças Armadas, através da 6ª Região Militar, à época sob comando do general Adyr Fiúza de Castro.
De 20 de fevereiro a 4 de março daquele mesmo ano, várias pessoas foram investigadas e quase todas sequestradas e presas sem a apresentação de qualquer mandado, muitas foram vendadas com uma borracha na cabeça e conduzidas à força à garagem do 28º Batalhão de Caçadores.
No batalhão do Exército em Aracaju, os presos foram mantidos incomunicáveis e sofreram torturas físicas e psicológicas por diversos dias. A borracha usada para vendá-los durante o sequestro feriu as pessoas na região entre as sobrancelhas, sobre o nariz. O uso dessas vendas de borracha causou descolamento das retinas e cegou Milton Coelho de Carvalho.

“Fui levado para as dependências do Exército aqui em Aracaju e estupidamente torturado. Tenho marcas no pulso, pois fui algemado. Tomei choques elétricos, pontapés nas costelas, enfim, foi uma barbaridade inconfessável. Após 50 dias preso e depois de passar uma semana sendo torturado, perdi a visão imediatamente quando saí de lá”, relatou Milton Coelho à Comissão Estadual da Verdade em Sergipe (CEV/SE).
As vítimas sofreram espancamentos, sessões de afogamento e eletrochoques nas partes sensíveis do corpo como língua, orelhas e partes íntimas. Houve também tortura psicológica em razão da escuta das sessões de tortura dos demais presos e pela ameaça de que, se não confirmassem as acusações ou se denunciassem as violências sofridas, seriam reconduzidos para sessões de tortura ainda piores.

Mangue Jornalismo contou essa história em reportagens e livro
Para relembrar a Operação Cajueiro, a Mangue Jornalismo fez um apanhado dos principais fatos sobre ela e publicou em três reportagens completas. A primeira delas recuperou a cronologia das ações levadas a cabo por agentes ligados ao 28º Batalhão de Caçadores do Exército; a segunda se debruçou sobre as torturas contra supostos militantes do PCB; e a terceira reportagem explicou o papel de jornalistas atuantes em Sergipe para comunicar ao país o que ocorria no estado.
A Mangue também publicou um livro sobre a ditadura militar e o intitulou de Borracha na cabeça, que faz menção ao apagamento local dos horrores da ditadura e a Operação Cajueiro. As últimas edições desse livro podem ser retiradas na sede da Central Única dos Trabalhadores em Sergipe (CUT/SE), em Aracaju, mediante uma colaboração para a existência e resistência da Mangue.

As torturas contra as vítimas da Operação Cajueiro foram relatadas em depoimentos prestados à CEV/SE, mas já haviam sido narradas durante o processo criminal ao qual as vítimas responderam, na época, perante a Justiça Militar. Todos os processados foram absolvidos das acusações feitas com base na Lei de Segurança Nacional porque a Justiça Militar entendeu que as provas tinham sido colhidas por métodos ilegais.
Para a procuradora da República Martha Figueiredo, que assina a ação contra a União e o Estado de Sergipe, esse caso representa uma oportunidade histórica de reafirmar os compromissos do Estado com os direitos humanos e a democracia. “A reparação da verdade histórica é um compromisso inegociável com as vítimas, com a sociedade e com a própria democracia. O reconhecimento da ilicitude desses atos, ainda que tardiamente, é essencial para impedir o esquecimento e reafirmar o nunca mais”, observa a procuradora.
A iniciativa dessa ação judicial integra a atuação do MPF/SE no campo da Justiça de Transição, que tem o objetivo de enfrentar as consequências de regimes autoritários por meio do esclarecimento da verdade, realização da justiça, responsabilização dos violadores de direitos humanos, reparação dos danos às vítimas, criação de espaços de memória e reforma institucional dos serviços de segurança para alcançar o objetivo da não-repetição.
A ação tem como base o Inquérito Civil nº 1.35.000.000742/2021-05, aberto a partir das investigações da CEV/SE. Entre as provas estão depoimentos de vítimas, testemunhas e documentos históricos que comprovam a ocorrência de prisões arbitrárias, tortura e perseguições políticas contra opositores do regime em Sergipe. Apesar de o Brasil ter sido condenado diversas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por descumprir as obrigações assumidas quanto à proteção de Direitos Humanos, o Estado brasileiro nunca assumiu formalmente a responsabilidade pelas violações ocorridas na Operação Cajueiro. Também não foram adotadas medidas para investigar e punir os responsáveis pelas prisões ilegais e torturas, pela preservação da memória e verdade nem reforma institucional dos serviços de segurança como polícias e forças armadas.

MPF pede que Estado e União sejam condenados a reparar danos imateriais
Na ação, o MPF/SE requer o reconhecimento judicial de que as prisões, torturas, os tratamentos crueis e desumanos cometidos durante a Operação Cajueiro foram ilegais e violaram os direitos fundamentais das vítimas e de toda a sociedade brasileira.
Além disso, pede a condenação da União e do Estado de Sergipe pela omissão na adoção de medidas de apuração, responsabilização, reparação e preservação da memória relacionada aos fatos.
Por fim, pede à Justiça Federal a condenação do Estado e União a reparar os danos imateriais causados à coletividade pelas violações de direitos humanos na Operação Cajueiro por meio das seguintes medidas:
1 – A realização pela União e Estado de um ato público de reconhecimento da responsabilidade e de um pedido de desculpas público e formal a toda a sociedade brasileira e, em específico, às vítimas da operação e aos familiares das vítimas falecidas, a ser preferencialmente proferido pelo presidente da República e governador do Estado;
2 – A construção de memorial em homenagem às vítimas da Operação Cajueiro, em local de destaque, em Aracaju, lugar em que se deram as torturas físicas e psicológicas a que foram submetidas;
3 – A inclusão da divulgação dos fatos relativos às vítimas da operação cajueiro em equipamento(s) público(s) permanente(s) destinado(s) à memória da violação de direitos humanos durante o regime militar;
4 – A obrigação de revelar os nomes e cargos dos servidores da Administração direta ou indireta que, em qualquer tempo, foram requisitados, designados ou cedidos, sob qualquer título ou forma, para atuar na Operação Cajueiro;
5 – A obrigação de proceder à localização e abertura dos arquivos dos órgãos federais e estaduais vinculados à repressão política, tornando públicas à sociedade brasileira todas as informações relativas às atividades desenvolvidas na Operação Cajueiro;
6 – Obrigar a União e Estado a reparar os danos morais coletivos de toda a sociedade, mediante pagamento de indenização, fixada para cada um deles em montante não inferior a R$ 1 milhão, a ser revertida em projetos educativos e informativos sobre a justiça de transição e projetos de promoção do direito à memória e à verdade em Sergipe;
7 – A conservação do acervo de documentos coletado pela Comissão Estadual da Verdade, através de sua integral digitalização, armazenando-o em mais de um local, com as respectivas cópias de segurança, assim como para que seja disponibilizado para consulta pública, além de sua ampla divulgação, através de meio impresso e audiovisual, e distribuição nas escolas das redes estadual e municipais de ensino, nas bibliotecas e arquivos públicos e privados do Estado de Sergipe.
FORAM ALVOS DA OPERAÇÃO CAJUEIRO, SEGUNDO A CEV/SE














