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Educação pública em Sergipe pode perder mais de R$ 84 milhões este ano do Fundeb. O motivo? Um grave erro no registro do Censo Escolar do ano passado

Seduc/SE não se atentou ao número de alunos matriculados e prejuízo supera os R$ 84 milhões (Foto Arquivo)

O Governo do Estado de Sergipe enfrenta um grave problema com impacto financeiro significativo devido a um erro na contabilização do número de alunos no Censo Escolar de 2023.

Discrepâncias nos dados submetidos pela Secretaria de Estado da Educação e Cultura (Seduc/SE) podem resultar na perda de mais de R$ 84 milhões em recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para o ano de 2024. O valor preciso desse prejuízo é R$ 84.820.842,22.

De acordo com as informações coletadas pela Mangue Jornalismo, a Seduc/SE reportou ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) a presença de 151.314 estudantes nas escolas estaduais no ano passado.

No entanto, dados publicados no próprio site da secretaria indicam que o número real foi de 163.113 de alunos atendidos. Essa diferença de 11.799 estudantes não contabilizados evidencia um erro que impacta diretamente o financiamento da educação básica no estado.

“A ausência de uma contabilização precisa é alarmante e pode levar à redução significativa dos recursos destinados à educação em nosso estado”, explica Roberto Silva, professor e presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Básica do Estado de Sergipe (Sintese) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT/SE).

De acordo com ele, outros recursos baseados no número de matrículas podem ser afetados ainda esse ano, caso uma solução para corrigir os dados não seja encontrada.

“Esse problema não só afeta o Fundeb, mas outras fontes de financiamento que dependem do número correto de matrículas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE), o Fomento às Escolas de Tempo Integral e o Salário Educação. Isso não dá sequer para mensurar ainda”, afirma Roberto.

Fonte: Tabela elaborada pela Mangue Jornalismo com dados oficiais da Seduc/SE e do Inep

Entenda como funcionam os repasses do Fundeb

O Fundeb é um fundo nacional que financia a educação básica pública no Brasil. Seu objetivo é promover uma distribuição equitativa de recursos para a educação infantil, ensino fundamental e médio, e a educação de jovens e adultos.

Todos os anos, após a contabilização das matrículas de cada estado e do Distrito Federal, os ministérios da Educação, da Fazenda e do Planejamento definem os valores anuais por aluno.

Conforme a Portaria Interministerial nº 1, de 23 de fevereiro de 2024, foram definidos os Valores Anuais por Aluno de 2023 que servem de referência para o repasse dos fundos. Considerando as diferentes etapas e modalidades de ensino dos alunos – séries iniciais, finais, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e ensino profissional -, esse valor anual por aluno em Sergipe varia entre R$ 6.305,47 e R$ 9.458,20.

Multiplicando esses números pela quantidade de matrículas a menos registrada pela Seduc/SE, chega-se à perda superior a R$ 84 milhões.

Sintese diz que tentou dialogar com a Seduc/SE sobre o erro

De acordo com Roberto, há uma negligência por parte do Estado, através da Seduc/SE, que gera essa perda do recurso. Ele afirma que o Sintese fez esse debate no Conselho Estadual do Fundeb. “Mesmo com as cobranças que fazemos, isso não tem avançado”, afirma o professor.

Roberto: “buscamos o diálogo através do Conselho do Fundeb, mas a Seduc/SE insiste em se omitir” (Foto: Arquivo/Sintese)

O presidente do Sintese destaca ainda que a possível causa para essa diferença no registro das matrículas é devido ao fato de a secretaria não atualizar seus procedimentos conforme novos parâmetros do Censo Escolar em vigência desde 2021.

“É uma interpretação equivocada da Seduc, a partir de uma portaria antiga do Fundeb, de 2007. Estamos com um Novo Fundeb, desde 2021. Em função da nova realidade, o Ministério da Educação (MEC) alterou o procedimento de atualização do Censo Escolar, mas o Governo de Sergipe continua fazendo a atualização conforme o Fundeb anterior”, afirma Roberto Silva.

Dessa forma, a atualização das novas matrículas ao longo do ano letivo é registrada no site da Secretaria, mas não no sistema do Inep. Segundo Roberto, por esse motivo, muitas crianças e adolescentes são matriculados no segundo semestre, mas não estão sendo registrados no Censo Escolar. “Os dados estatísticos ficam incompletos, porque para estatística esses alunos não existiram na escola, o que coloca uma falsa realidade nos dados educacionais”, denuncia o professor.

Muitas etapas e nenhuma correção por parte da Seduc/SE

O Censo Escolar é conduzido anualmente pelo Inep e conta com várias etapas de coleta e verificação de dados, oferecendo às escolas e secretarias de educação várias oportunidades para corrigir as informações submetidas.

Em 2023, o processo de coleta de dados da Matrícula Inicial para o Censo Escolar aconteceu durante os meses de junho e julho, sob a responsabilidade dos diretores das escolas e dos gestores municipais e estaduais.

Após a coleta, o Inep enviou os dados preliminares ao Ministério da Educação, para publicação no Diário Oficial da União em agosto. Esta publicação marca o início do período de conferência dos dados por parte dos gestores.

Após serem notificados, os gestores – entre eles a Seduc/SE – tiveram 30 dias para analisar e corrigir eventuais erros. Ainda foi dado um prazo de mais cinco dias para checagem dos dados já processados – ou seja, uma segunda chance de correção antes da finalização dos números.

Ao final, foram dados mais 10 dias para os gestores confirmarem a existência de matrículas duplicadas e realizarem ajustes finais para garantir a precisão dos dados reportados.

Todo este meticuloso processo visa assegurar a integridade dos dados do Censo Escolar, que são cruciais para o planejamento e financiamento da educação básica no Brasil.

Em dezembro, os números finais do Censo Escolar foram divulgados, com os devidos cálculos dos coeficientes de distribuição dos recursos do Fundeb. Apesar das diversas etapas de verificação e correção disponibilizadas pelo Inep, a falha nos dados persistiu até a homologação final das matrículas.

“A Seduc/SE tem o entendimento que não deve fazer esse procedimento. No nosso entendimento, isso é gravíssimo porque os municípios estão fazendo as correções, fizeram essas atualizações com as novas matrículas do segundo semestre e foram consideradas pelo Inep para efeito de transferência dos recursos”, revela Roberto.

Dados de matrículas são atualizados diariamente, mas a Secretaria de Educação não fez o mesmo no Censo Escolar. Fonte: Seduc/SE

Sindicato notificou ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas

Essa grave situação levou o Sintese a notificar o Ministério Público de Sergipe (MPSE) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) para investigar as discrepâncias e tomar as medidas cabíveis.

Contatada pela Mangue Jornalismo, a Assessoria de Comunicação do MPSE afirma que a Promotoria da Educação aguarda encaminhamento interno do protocolo dessa denúncia feita pelo Sintese.

A nota do MPSE afirma que, quando uma demanda nesse sentido chega ao MP, a Promotoria de Justiça abre uma Notícia de Fato para apurar as informações. A depender dessa apuração, depois da Notícia de Fato, a promotoria pode partir para um Inquérito Civil, para uma Ação Civil Pública ou até mesmo arquivar a Notícia de Fato.

“A cada aluno que deixamos de contar, perdemos recursos que poderiam transformar a educação em nosso estado”, lamenta Roberto. Para ele, é fundamental que a Seduc/SE revise seus processos internos para garantir a precisão futura no Censo Escolar. “Precisamos de ações imediatas para corrigir esses erros e evitar futuras perdas que comprometam a qualidade da educação oferecida às nossas crianças e jovens”, defende o presidente do Sintese.

O que (não) diz a Secretaria de Estado da Educação

A Mangue Jornalismo questionou a Seduc/SE sobre a discrepância dos dados. A reportagem buscou respostas sobre quais medidas corretivas foram tomadas, sobre a apuração das responsabilidades internas e sobre o planejamento do impacto financeiro da perda dessa verba.

Até o fechamento desta reportagem, a Seduc/SE ainda não havia se manifestado. Caso isso ocorra no decorrer deste quinta, dia 25, a Mangue Jornalismo atualizará a reportagem.

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