Desde a redemocratização do Brasil, a escolha de reitor é feita por consulta pública conduzida pelas entidades representativas junto à comunidade acadêmica. Não é o que deve acontecer este ano, já que a Reitoria resolveu tomar as rédeas do processo.
Nesta terça, dia 27, começa a consulta pública que é realizada pelas entidades representativas da Universidade Federal de Sergipe (UFS) para escolha do novo reitor da instituição pelos próximos quatro anos. Este processo é conduzido em conjunto entre Associação dos Docentes (ADUFS) e Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativo em Educação (SINTUFS) e, pela segunda vez consecutiva, é envolto em polêmica.
Tradicionalmente, desde 1984, a escolha para reitor das Instituições Públicas de Ensino é feita através de consulta pública com a comunidade acadêmica. Os nomes mais votados são remetidos ao Governo Federal numa lista tríplice. Cabe ao presidente da República nomear quem senta na cadeira do reitor e a tradição manda que a decisão da comunidade seja respeitada.
Há 40 anos este tem sido o método pelo qual a UFS elege seu reitor. Entretanto, em 2020, em plena pandemia da Covid-19, houve a primeira ruptura quando Valter Santana foi elevado ao cargo apenas pelos Conselhos Superiores da UFS, sem se submeter à consulta pública. Este ano, o próprio reitor está conduzindo outro processo de escolha pública, assegurando ser este modelo o único e o oficial, isto é, sem considerar a consulta pública conduzida pelas entidades representativas da universidade.
Amparado pela Resolução nº 44/2022/CONSU, que estabelece as diretrizes para o processo eleitoral na UFS, o atual reitor, que é candidato à reeleição, e os membros de sua administração entendem e tratam a consulta pública das entidades como uma mera pesquisa, sem validade e sem legitimidade. As entidades protestam.
Para a professora Josefa Lisboa, presidente da ADUFS, a consulta conduzida pelas entidades é histórica e válida. Ela criticou a consulta da Reitoria baseada na Resolução 44/2022, por não ser paritária, dando 70% de peso aos votos dos professores, enquanto estudantes e técnicos têm, juntos, apenas 30% do peso. “Defendemos que cada segmento tenha peso igual na votação, incluindo os aposentados, que ainda contribuem para a universidade”, diz a professora
Josefa também destacou a diferença fundamental entre as consultas no que diz respeito à lisura e transparência. “Nossa consulta é realizada sob controle de uma comissão eleitoral escolhida pelo conjunto das entidades e definida em assembleia geral dos três segmentos da universidade”, explica.
Segundo ela, isso garante maior representatividade e transparência no processo, ao contrário da consulta considerada oficial pela Reitoria, que é feita pelo sistema eletrônico Sigeleição, controlado pela administração, o que levanta preocupações sobre a integridade e a imparcialidade do processo.
Sindicato dos técnicos também se opõe à consulta da Reitoria
Wagner Vieira, presidente do SINTUFS, destacou que a consulta das entidades valoriza toda a comunidade acadêmica e os aposentados. Ele apontou que o processo de 2020, no qual o atual reitor Valter Santana foi nomeado, já apresentou problemas e foi classificado pelas entidades como um golpe na democracia na UFS.
“A Reitoria se aproveitou da pandemia em 2020 para evitar uma eleição paritária e ir direto para o Conselho Eleitoral e dessa vez foge do debate público com a comunidade”, afirma. Segundo ele, o peso de 70% para os votos dos professores não é democrático e ignora a paridade, essencial para a democracia. “Eles sabem que perderiam na consulta aberta e paritária com a comunidade. Por isso chamo essa eleição proposta pela reitoria de consulta 70/15/15”, diz.
Wagner criticou ainda a formação da Comissão Eleitoral, alegando que a escolha do representante do SINTUFS foi desrespeitada. “A Reitoria votou em peso em um servidor afastado, que nem está registrado no sistema de Recursos Humanos e, portanto, sequer pode votar. Como um servidor não apto a votar pode fazer parte da coordenação da eleição? Querem controlar o processo eleitoral sem dar espaço para a participação democrática”, afirma.
Sobre a resolução eleitoral, Wagner enfatizou que, embora os técnicos tenham tentado torná-la minimamente democrática, o resultado ficou longe disso devido ao empenho da atual administração da UFS. “Vamos disputar voto a voto, lutar pela democracia dentro da universidade e continuar criticando essa eleição desrespeitosa que ignora os aposentados e a paridade. Não era necessário chegar a esse ponto, mas vamos seguir na defesa de um processo mais justo e inclusivo”, defende.
Chapas tiveram debates junto à comunidade acadêmica
Nos dias 27 e 29, a votação estará aberta no campus de Itabaiana. Já nos dias 28 e 29, é a vez da comunidade acadêmica dos campi Lagarto, Laranjeiras, Nossa Senhora da Glória – campus do Sertão -, Aracaju – onde fica o Hospital Universitário – e São Cristóvão – o maior da instituição.
A chapa 1 para a Reitoria é intitulada “Ensino e Liberdade” e é composta pelo professor titular David Soares Pinto Júnior, candidato a reitor, e o professor titular Alan Almeida Santos, candidato a vice. A chapa 2 leva o nome “UFS da Gente” e é encabeçada pelo professor titular André Maurício Conceição, candidato a reitor, e a professora associada VI Silvana Aparecida Bretas, como vice.
Durante todo mês de agosto, ADUFS e SINTUFS promoveram debates públicos com as duas chapas inscritas em seu processo eleitoral. As atividades foram realizadas em todos os campi da UFS. Por não ter inscrito chapa na consulta das entidades, Valter não esteve presente.
O último desses debates aconteceu no campus de São Cristóvão, na noite de segunda, dia 26. Foi um debate intenso, uma vez que foi publicada nas redes sociais da universidade uma publicação sobre o processo que conduzirá mas que, segundo as entidades, teve como objetivo enfraquecer a consulta. “A Reitoria tem feito ações recorrentes para desmobilizar e esvaziar nossa consulta pública, que é legítima, legal, democrática e paritária”, repete Josefa.
Aluno do curso de Economia e atualmente 2° secretário geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE/UFS), Luiz Felipe, enfatiza que, para o DCE, a única eleição legítima é a consulta pública organizada pelas entidades representativas de classe. Segundo ele, essa é a consulta que garante a isonomia do processo, a independência da comissão eleitoral, o amplo debate em todos os campi e, principalmente, o voto paritário entre estudantes, professores e técnicos.
Felipe critica duramente a atual gestão da Reitoria, que, segundo ele, criou um processo eleitoral paralelo por não reconhecer as entidades representativas e temer a voz dos estudantes. “Somos cerca de 30 mil discentes e nosso voto precisou ter um peso de apenas 15% para eles. Isso é um absurdo e mostra como eles têm medo da nossa organização”, afirmou.
Ele finaliza dizendo que o DCE lutará até o fim para que o resultado da consulta pública seja respeitado e legitimado pelos conselhos superiores, culminando na posse do candidato mais votado. “Essa consulta é apenas a primeira batalha em uma guerra de narrativas e de poder que se estabeleceu na UFS desde 2020, quando esse grupo ocupou a reitoria sem ser eleito. O DCE da UFS enfrentou a ditadura militar e participou da reconstrução da democracia no país. Não será um ditador autodeclarado que, em 2024, nos tirará o direito de decidir os rumos da UFS”, garante Felipe.
Lei é da ditadura militar
A escolha dos reitores das universidades brasileiras segue legislação antiga e antidemocrática, a Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, com alterações em 1977, 1983 e 1995. Por ela, o reitor e o vice-reitor de universidades federais serão nomeados pelo presidente da República, escolhidos entre professores de níveis elevados na carreira ou com título de doutor, a partir de listas tríplices elaboradas pelo colegiado máximo da instituição.
Esses colegiados, compostos por representantes da comunidade universitária e da sociedade, devem incluir no mínimo 70% de membros do corpo docente. Caso ocorra uma consulta prévia à comunidade universitária, o peso do voto dos docentes representa 70% do total.
É fundamentada nessa legislação antiga e reformada, mas nunca convertida completamente para se alinhar aos tempos democráticos, que a UFS construiu sua normativa para a escolha do Reitor este ano. Aprovada nos conselhos deliberativos da instituição, a norma é usada para validar consulta considerada oficial.
Um reitor questionado pelas entidades
Valter assumiu a Reitoria da UFS em 2021 após processo de escolha que até hoje reverbera entre a comunidade acadêmica. Ele não participou de debates públicos conduzidos pelas entidades representativas, submetendo apenas seu nome ao Conselho Universitário na época em que era vice-reitor da UFS.
Mais votado no Consu, seu nome constou na lista tríplice e ele foi então nomeado pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, durante o Governo Bolsonaro mesmo sem ter sido votado na consulta pública.
Com mestrado e doutorado em Fisiologia pela Universidade de São Paulo, ele é professor efetivo do Departamento de Fisioterapia da UFS desde 2009. De 2010 a 2013, fez parte da equipe diretiva do Campus de Lagarto e, no final desse mesmo ano, assumiu a chefia do gabinete do Reitor da UFS – na época, Ângelo Antoniolli -, cargo que ocupou até 2015, quando foi nomeado Superintendente do Hospital Universitário de Lagarto. Em 2019, foi nomeado vice-reitor da UFS após a aposentadoria da professora Iara Campelo, então vice-reitora.
A Mangue Jornalismo tentou contato com o reitor Valter Santana durante toda a segunda-feira, dia 26. Até o fechamento desta reportagem, não houve resposta aos questionamentos. Caso a resposta chegue nas primeiras horas da manhã de terça, dia 27, emitiremos o texto para incluir as informações.
Entidades prometem lutar
Unânimes nas críticas, a presidente da ADUFS e o presidente do SINTUFS reforçam a importância de garantir que o processo eleitoral seja democrático e que os interesses de todos os segmentos da comunidade universitária sejam respeitados.
A presidenta da ADUFS afirmou que, apesar das críticas à legislação que regulamenta a eleição, a entidade continuará acompanhando e fiscalizando o processo eleitoral. “Essa é uma luta histórica das federações de sindicatos de professores e técnicos contra a lei federal que impõe a lista tríplice e o voto desproporcional. Reitor eleito pela comunidade universitária deve ser empossado, e qualquer regulamentação que se submeta a essa legislação é antidemocrática”, conclui.
Wagner concorda que os princípios democráticos que, segundo ele, foram perdidos na UFS, sejam retomados. Ele destaca que o objetivo das entidades representativas é eleger um reitor comprometido também com as pautas dos Técnico-administrativos e, principalmente, com a democracia na UFS. Isso para que, nos próximos anos, essa resolução seja derrubada e que uma nova forma de escolha do reitor, verdadeiramente democrática, seja posta em seu lugar.
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