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Um levantamento realizado através da plataforma Monitor do Fogo do MapBiomas, e organizado pela Agência Tatu, revela que Sergipe foi o segundo estado no Nordeste com o maior crescimento de áreas devastadas por queimadas nos últimos seis anos.
Em 2019, segundo o MapBiomas, Sergipe teve uma área de 1698 hectares queimada. No ano de 2024, esse volume aumentou para 3840 hectares, o que equivale a mais ou menos 5 mil campos de futebol. Trata-se de um crescimento de 126%. Apenas do ano de 2023 para 2024, a área devastada por queimadas no estado cresceu em 1611 hectares.
No Nordeste, Sergipe ficou atrás apenas de Alagoas que, nesse período, registrou crescimento de 178% de áreas queimadas. Entretanto, na região, também se verificou uma redução de áreas queimadas, como no Rio Grande do Norte, que teve queda de 70%; Ceará, com decréscimo de 67,5% e o Piauí com redução nas áreas queimadas em 12,6%.
Vale registrar que as informações sobre essas áreas devastadas pelo fogo são obtidas pelo Satélite Sentinel 2. Nelas constam queimadas em matas, florestas e em áreas que viram pastagens para o gado e de plantações para agricultura, especialmente cana-de-açúcar.
Em 2018, por exemplo, foi registrado um incêndio de grandes proporções na Serra Comprida, que faz parte do complexo do Parque Nacional Serra de Itabaiana. O fogo consumiu boa parte da vegetação e vários animais foram encontrados mortos. No ano seguinte, outra grande queimada voltou a atingir a Serra de Itabaiana. O incêndio foi tão amplo que 16 brigadistas de Alagoas, Bahia e Pernambuco foram convocados e trabalharam no combate às chamas.
Grave situação ambiental em Sergipe vem sendo denunciada pela Mangue
Para a Mangue Jornalismo, a grave situação ambiental em Sergipe não é novidade. Em novembro de 2023, foi publicada a reportagem: Sergipe está entre os estados com maior desmatamento proporcional do Brasil. Os municípios de Nossa Senhora da Glória e Poço Redondo lideram o ranking. Os dados são Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD), do MapBiomas.
Em maio do ano passado, a Mangue publicou que entre alagamentos e secas, dados mostram que Sergipe tem investido pouco em resposta à crise provocada pelas mudanças climáticas.
Em setembro do ano passado, a Mangue publicou uma reportagem revelando que Sergipe só tem 20% da vegetação nativa, o estado de pior proporção de preservação ambiental do país. O texto mostra que a situação é ainda mais alarmante ao considerar que o estado abriga biomas como a Mata Atlântica e a Caatinga, cujas áreas têm sido severamente impactadas pela expansão agropecuária e pela degradação ambiental.
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Segundo o Monitor do Fogo de 2024, o Brasil teve mais de 30,8 milhões de hectares queimados entre janeiro e dezembro de 2024, uma área maior que todo o território da Itália. Esse total representa um aumento de 79% em relação ao ano de 2023.
“O ano de 2024 destacou-se como um período atípico e alarmante do fogo no Brasil, com um aumento expressivo na área queimada em quase todos os biomas, afetando especialmente as áreas florestais, que normalmente não são tão atingidas”, informou Ane Alencar, diretora de Ciências do IPAM e coordenadora do MapBiomas Fogo.
Segundo ela, “os impactos dessa devastação expõem a urgência de ações coordenadas e engajamento em todos os níveis para conter uma crise ambiental exacerbada por condições climáticas extremas, mas desencadeada pela ação humana como foi a do ano passado”, explica.
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Nordeste tem redução de queimadas de 2023 para 2024. Em Sergipe, aumentou
Os dados sobre queimadas em Sergipe apresentam algumas curiosidades. Nos últimos seis anos foram mais de 13,7 mil hectares de área queimada no estado. Entre 2019 e 2020, foi registrada uma queda nesse volume de 1698 para 1.343 hectares. Entretanto, do ano de 2020 para 2021, há um crescimento de 192%. Em razão da pandemia, no ano seguinte há um decréscimo forte.
Em 2023, primeiro ano do Governo Mitidieri, a área devastada por queimadas em Sergipe foi de 2229 hectares. No ano seguinte, esse volume passou para 3840 hectares, um crescimento de um ano para o outro de 73%. Esse crescimento vai na contramão do Nordeste que, de 2023 para 2024 registrou uma redução no avanço das queimadas da ordem de 20%.
“O aumento das áreas queimadas em Sergipe nos últimos anos pode ser explicado por uma combinação de fatores. Um dos principais é a intensificação dos períodos de estiagem, que tornam a vegetação mais seca e, portanto, mais propensa a queimada. Além disso, práticas agrícolas inadequadas, como o uso do fogo para limpeza de áreas, e a falta de manejo adequado contribuem para a propagação dos incêndios”, analisa a doutora Crislaine Costa Calazans, professora da disciplina Prevenção e Controle de Incêndios Florestais do Curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Sergipe.
Para ela, “a ausência de educação ambiental e o fato de o fogo ser uma alternativa de baixo custo para desmatamento também são fatores relevantes. Quando há uma fonte de ignição – seja por ação humana ou causas naturais –, o cenário de seca favorece a ocorrência e a rápida disseminação dos incêndios florestais”.
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Justiça Federal em Sergipe proíbe queima da cana sem estudo de impacto ambiental
Desde maio de 2017, a Justiça Federal em Sergipe, atendendo a uma ação do Ministério Público Federal (MPF/SE), decidiu proibir a queima da palha da cana-de-açúcar sem estudos de impacto ambiental no Estado de Sergipe. A sentença foi da juíza Telma Maria Santos Machado.
A queimada da plantação de cana ocorre antes da colheita da safra, para limpar as folhas e facilitar o corte do produto. O MPF/SE agiu nesse caso em razão das denúncias de moradores de Capela e de Nossa Senhora das Dores, que reclamavam da fuligem que cobria os dois municípios no período de colheita da cana e causava doenças respiratórias.
Na época, tanto a Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) quanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foram responsabilizados pelas queimadas irregulares, pois a fiscalização era ineficiente e a regulamentação aplicada pela Adema não estava de acordo com a legislação ambiental.
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A juíza, na decisão, determinou que a Adema e o Ibama não concedessem novas autorizações para queimadas nem renovassem as já existentes sem a realização de estudos de impacto ambiental amplo por cada empresa solicitante. Além disso, obrigou que os dois órgãos realizassem o cadastramento de todas as propriedades rurais que possuem plantio de cana-de-açúcar no Estado e a regularidade da atividade.
Em março de 2018, o Ibama conseguiu junto ao Tribunal Regional da 5º Região reverter parte da sentença, retirando o instituto da obrigação fiscalizatória, considerando a responsabilidade da ação do órgão estadual.
A Mangue Jornalismo entrou em contato com a Adema, órgão do governo do estado responsável pela fiscalização ambiental, mas até o fechamento desta reportagem não houve retorno. Também contactou com o Ministério Público Federal em Sergipe para saber sobre o cumprimento da sentença da Justiça Federal quanto à decisão sobre a queima da cana, mas também não recebeu retorno até o fechamento da reportagem. A Mangue contactou com o Ibama apresentando as mesmas questões encaminhadas para Adema. Nesse caso, o Ibama, através do seu superintendente em Sergipe, Cássio Murilo, atendeu e concedeu a seguinte entrevista:
“Estamos em campo todas as semanas do ano, atuando no combate aos crimes ambientais”, afirma Cássio Murilo, Superintendente do Ibama em Sergipe
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Mangue Jornalismo (MJ) – Quais as ações do Ibama em Sergipe nessa questão das queimadas?
Cássio Murilo (CM) – O Ibama através de sua Superintendência em Sergipe tem realizado conforme o plano nacional anual de proteção ambiental (PNAPA) cerca de 25 operações de fiscalização ao longo do ano em Sergipe. Acrescentaria que, em virtude das crises climáticas e das metas de redução dos desmatamentos e de outros crimes ambientais ocorridos nos estados da chamada Amazônia legal temos enviado fiscais sergipanos nas ações de combate ao desmatamento da Amazônia e crimes correlatos, em síntese, podemos afirmar que o Ibama está em campo todas as semanas do ano, atuando no combate aos crimes ambientais.
MJ – O que explica esse crescimento da área queimada no estado? Seriam “práticas agrícolas inadequadas”?
CM – As queimadas tem sua origem de forma natural, em razão das alterações e condições do clima, principalmente nas áreas semiáridas (nos referimos aqui especialmente ao bioma Caatinga) com tempo seco e ventos fortes, bem como por razões antrópicas, ou seja, causadas pelo homem. De fato, existe um avanço em fronteira agrícola em curso no estado de Sergipe, entretanto o plantio, como também o uso do fogo, não são atividades autorizadas pelo Ibama, não havendo dados suficientes na Autarquia Federal para afirmar a existência de práticas agrícolas inadequadas. Uma resposta mais completa demandaria uma análise de descumprimento das autorizações emitidas pelo estado, fora da alçada de competência e de escopo de atividades definida por Lei, refiro-me à Lei Complementar 140, que define as competências do Ibama e dos outros entes da Federação.
MJ – O que tem sido feito pela fiscalização para reduzir esse manejo de destruir áreas pelo fogo para pecuária e agricultura?
CM – Situações de flagrante de execução de crimes ambientais, em especial atividades sem autorização dos órgãos competentes, são objeto das ações fiscalizatórias do Ibama/SE. Essas ações resultaram em 126 autos de infração emitidos ao longo de 2024, representando aproximadamente 1 auto de infração emitido a cada 3 dias (https://dadosabertos.ibama.gov.br/organization/ibama) Além disso, através do licenciamento ambiental de linhas de transmissão o Ibama realiza monitoramento constante das áreas de interface da cana de açúcar com as linhas de transmissão, realizando vistorias periódicas e determinando o envio à Adema, por parte dos empreendedores, de boletins de ocorrência e relatórios de incidente, Cabendo aquele órgão a apuração dos fatos relativos as autorizações de queima e plantio emitidas.
MJ – O número de fiscais é suficiente?
CM – Apesar de toda a dedicação da equipe de fiscalização do Ibama, o diagnóstico acerca do número de fiscais não só em Sergipe, mas em todo o país, já foi estabelecido. Precisamos sim, aumentar e qualificar a carreira ambiental do Órgão, essa é uma assertiva pública e notória, por essa razão está em andamento mais um concurso público com previsão de vagas para o estado de Sergipe. Cabe ressaltar que esse fato não diminui a eficácia e eficiência da equipe conforme os números demonstrados.