CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo
@josecristiangoes
Diante do avanço sem nenhum controle do uso e do abuso das Inteligências Artificiais (IAs) no cotidiano, os países buscam criar internamente o mínimo de regulamentação. Essas IAs são um conjunto de tecnologias que permite computadores reproduzirem instantaneamente o comportamento humano na realização de inúmeras tarefas, a exemplo de escrever texto, produzir imagens, interpretar exames médicos entre tantas outras ações.
Grande parte do que se conhece como IA no mundo está concentrado nas mãos das poderosas empresas de tecnologia, conhecidas como big techs: Amazon, Apple, Google (Alphabet), Meta (Facebook) e Microsoft. Basicamente sediadas nos Estados Unidos, elas não enxergam fronteiras para atuar e utilizam a máxima do modo capitalista: total liberdade de ação e nenhuma regulação.
Em agosto de 2023, o Senado Federal criou uma Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA) que analisa o Projeto de Lei 2.338/2023. LEIA AQUI. A tentativa de alguma regulamentação desse sistema enfrenta o dominante lobby das big techs seja para não se ter regra nesse campo, seja para que, caso se tenha alguma regulamentação aprovada, ela não interfira nas ações das empresas.
Um dos senadores que têm se destacado ao lado dessas grandes empresas de tecnologia é o sergipano Laércio Oliveira (PP). Ele é apontado por especialistas no assunto como um simpatizante do lobby das big techs que atua no Senado.
Laércio é membro da CTIA, mas, até uma viagem que fez em março passado aos Estados Unidos, o senador sergipano era pouco visto nessa comissão, segundo apurou Ethel Rudnitzki e Gisele Lobato, que trabalham em Aos Fatos (www.aosfatos.org), uma organização jornalística dedicada à investigação de campanhas de desinformação e à checagem de fatos.
Segundo a notícia de Aos Fatos, o senador Laércio Oliveira esteve em Washington com outros oito parlamentares para ouvir o que as grandes empresas de tecnologia e o próprio Governo dos Estados Unidos pensam sobre a IA. Mais AQUI.
Existem muitas críticas apontadas por especialistas na adoção desregulamentada do uso da Inteligência Artificial, a exemplo da produção do chamado desemprego estrutural e o reforço na desigualdade no mundo digital. Há problemas graves que podem ampliar a discriminação e o racismo com o reconhecimento facial, a inexistência de controle da privacidade e da segurança de dados e problemas graves de direito autoral, além de muitos outros.
Excursão aos EUA e logo depois as emendas. Será coincidência?
Além do senador sergipano, também estiveram na excursão aos Estados Unidos o senador Marcos Pontes (PL-SP) e outros sete deputados federais. A missão foi organizada pela Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo, da qual Marcos Pontes é vice-presidente, e pelo Movimento Brasil Competitivo.
“A viagem, que ocorreu entre 18 e 22 de março, contou também com a presença de empresários do ramo da tecnologia e representantes das big techs no Brasil. Uma executiva de relações governamentais do Google em Brasília pode ser vista em fotos da viagem, além de executivos brasileiros de outras multinacionais com interesses diretos na regulação da IA, como a Microsoft e a Amazon”, revelam na reportagem Ethel Rudnitzki e Gisele Lobato.
Segundo apurou Aos Fatos, reuniões com Google, Microsoft e a Amazon fizeram parte da agenda dos parlamentares brasileiros em Washington, nas quais as companhias procuraram mostrar como está o desenvolvimento e a aplicação da IA e as medidas que adotam para mitigar os riscos da tecnologia. “O último dia da programação foi encerrado com uma visita à Starlink, empresa de conexão à internet via satélite fundada por Elon Musk. A comitiva também esteve com representantes da Casa Branca, do Departamento de Comércio e do Departamento de Estado, além de membros do Congresso, associações e universidades dos Estados Unidos. Em parte desses encontros, a discussão abordou a regulação da tecnologia que está em tramitação no Brasil”, trouxe Aos Fatos.
Assim que retornou ao Brasil, o senador sergipano apresentou em poucos dias 30 emendas ao Projeto de Lei 2.338/2023, sendo o campeão de propostas. “As principais empresas interessadas no tema defenderam, por meio de associações de lobby, que o PL 2.338/2023 necessita de mais ajustes”, contaram Ethel Rudnitzki e Gisele Lobato.
O relator do projeto, senador Eduardo Gomes (PL-TO), interpretou a apresentação em massa de emendas logo após a ida aos EUA é uma parte de uma estratégia defensiva, para atrasar a votação: “Eu não faço crítica à apresentação das emendas e à contribuição de última hora. Agora, é estranho que elas tenham vindo de quem participou de todas essas audiências públicas”.
Segundo Alexandre Aragão, diretor executivo de Aos Fatos, não foi coincidência, por exemplo, que as emendas nº 62 e nº 93 ao PL 2.338/2023, para regular o uso de IA, tenham textos idênticos — apesar de terem sido apresentadas por senadores diferentes, Laércio Oliveira (PP-SE) e Marcos Pontes (PL-SP).
Os textos dessas sugestões propõem uma mudança no primeiro artigo do projeto, para que a lei seja aplicada apenas para a “implementação, utilização, adoção e governança responsável de sistemas de inteligência artificial no Brasil”, tirando da regulação o “desenvolvimento e concepção” da tecnologia. Mais AQUI.
Ainda que distintas, outras alterações propostas pelos senadores afetam os mesmos trechos do relatório. “As emendas nº 70, de Marcos Pontes, e nº 100, de Laércio Oliveira, pretendem limitar a possibilidade de regulação de sistemas de recomendação algorítmica, como os presentes em redes sociais”.
A emenda 24, do senador Laércio Oliveira pede a supressão do artigo 59 e de trecho do 60, sobre direitos autorais. O 59 exige que se informe quais conteúdos protegidos por direitos autorais foram utilizados e o inciso II do artigo 60 trata da restrição de uso comercial. O senador Laércio justifica que os trechos “impõem barreiras significativas para desenvolvedores, dificultando o acesso a dados essenciais”. Na prática, segundo os analistas, a emenda permite que a IA seja treinada com dados sem que o desenvolvedor peça o consentimento para tal uso.
As justificativas das emendas dos senadores também repetem argumentos usados por uma entidade chamada de Camara-e.net (Câmara Brasileira da Economia Digital), que defende os interesses das big techs. Em um comunicado para seus associados, essa organização alegou que o PL 2.338/2023 trazia insegurança jurídica a empresas do setor e faria o Brasil ter “a regulação de IA mais restritiva do mundo”.
Senador confirma 30 emendas “de última hora”
Durante todo o dia de ontem, 01, a Mangue Jornalismo tentou falar com o senador Laércio Oliveira, principalmente sobre a emenda cópia com a do senador Marcos Pontes, e as emendas que fragilizam a regulamentação da IA no Brasil. Até o fechamento desta reportagem ele não retornou os contatos.
No rede social X (ex-Twitter), o senador já havia informado que apresentou 30 emendas, “de última hora”, ao Projeto de Lei que regulamenta a IA. Também lá apresentou algumas argumentações.
Em seu site oficial, Laércio confirma que esteve nos Estados Unidos numa missão oficial do Senado Federal, numa viagem organizada pela Frente Parlamentar do Brasil Competitivo.
Ele informa que ouviu parlamentares sobre os debates para a regulação da IA nos Estados Unidos e também à empresa Microsoft. O senador argumenta que procurou saber o que a “empresa pensa da regulação, que tecnologias estão em desenvolvimento e quais mecanismos garantem o uso seguro para a população”, diz a assessoria do senador.
Segundo o texto no site, “esse encontro do parlamento brasileiro com o governo e parlamentares norte-americanos, institutos de pesquisas e do setor privado, tem o objetivo de contribuir para ampliar a compreensão e alinhamento internacional sobre o tema”.
“Essa é uma área que está em constante evolução e que vai impactar no desenvolvimento socioeconômico do Brasil. A soma de todas as reuniões nos ajudará na regulamentação da IA no Brasil”, afirmou o senador sergipano.
O texto da assessoria de Laércio Oliveira fala em contatos com “representantes das mais importantes empresas de tecnologia do mundo, como Microsoft, Google e a Starlink, maior empresa de satélite e subsidiária da SpaceX”. E também visitas a Universidade Georgetown, a American Telemedicine Association, a Casa Branca e a Amazon, a ITI e o Google.
Uma resposta