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“Se ele fosse branco e estivesse bem vestido, a polícia atirava?”, pergunta parente do garçom executado pela PM

Ithalo é executado pela polícia com tiro na cabeça. SSP alegou “legítima defesa” (Foto: Arquivo pessoal)

“Se ele fosse branco e estivesse bem vestido, tênis de marca, o policial tinha atirado na cabeça? Se fosse um cara branco, de terno e puxasse o celular do bolso, o policial tinha confundido o celular com uma arma? Responda?”. As perguntas e suas óbvias respostas são de um parente de Ithalo dos Santos Nascimento, de 25 anos, que foi executado por um policial militar na segunda-feira, 28, em Aracaju. Esse crime não é um fato isolado.

Por questões de segurança da fonte, apesar dela não pedir, a Mangue Jornalismo fez a opção de não divulgar seu nome e nem o grau de parentesco e que apresentou essas questões acima. Ela falou com a reportagem durante o enterro de Ithalo, ocorrido em clima de grande comoção ontem, 29, no município de Nossa Senhora do Socorro.

O fato é que Ithalo Nascimento era um jovem negro, que morava na periferia da Grande Aracaju. Era casado e tinha um filho de apenas um ano de vida. O rapaz trabalhava como garçom no bar Pé Sujo, no bairro São José, em Aracaju. O estabelecimento fechou um por dia e emitiu nota de pesar: “Ithalo não era apenas um colega; ele era um amigo, alguém com quem compartilhávamos momentos e que sempre nos oferecia seu sorriso generoso e dedicação”, disse a gerência do bar.

Na noite da segunda-feira passada, Ithalo estava de folga e foi até uma loja de conveniência em um posto de combustíveis do Bairro Coroa do Meio. Assim que ele deixa a loja, percebe alguns policiais militares do Grupamento Especial Tático de Motos (Getam) que estavam abastecendo os veículos oficiais. O rapaz atravessa o posto olhando para os policiais e as motos e rapidamente é abordado pelos PMs armados. Imagens de segurança mostram o rapaz tirando um objeto do bolso e seguindo em direção aos policiais, quando recebe um tiro na cabeça e morre no local. A Mangue Jornalismo não divulga imagens/vídeos de violência explícita.

Ithalo Nascimento não estava armado. Em seu bolso, um aparelho celular e sacos plásticos. No registro de ocorrência feito pelos policiais, consta que os agentes públicos de segurança suspeitaram o comportamento de Ithalo porque o jovem vestia “roupas volumosas” e os encarava de “forma incisiva”. “Isso é motivo para tirar a vida de um pai de família, de um trabalhador? Penso que ao ser abordado ele ia mostrar o celular. É muita injustiça. Será que isso vai ficar por isso mesmo?”, desabafou o parente da vítima. O padrasto Ithalo também desabafou: “meu filho não era vagabundo, meu filho não andava armado”, disse José Santana Neto. No enterro, familiares não escondiam a revolta e pediam justiça, especialmente porque agentes do Estado de Sergipe tiraram a vida de um trabalhador que deixa mulher e um filho.

Caso de Ithalo não é fato isolado (Foto: Arquivo pessoal)

A execução de Ithalo Nascimento não é um caso isolado

A cada ano, a polícia de Sergipe se destaca entre as mais letais do Brasil. O estado vem se consolidando no ranking das unidades da federação com a maior letalidade policial, com 10,4 óbitos por 100 mil habitantes, mais do que o triplo da taxa nacional. O menor estado brasileiro é o 3º no país onde a polícia mais mata.

Quase que diariamente, os veículos de imprensa de Sergipe divulgam informações repassadas pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) dando conta que policiais entraram com conforto com “bandidos” foram mortos revidando a ação dos agentes. Raramente estes noticiários contestam ou duvidam dessas ações.

O ano passado, o primeiro do Governo Mitidieri, foi o mais letal, com 229 pessoas alvejadas e mortas por armas de fogo em ações dos agentes públicos do Estado, segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Trata-se de um aumento de 30% em relação ao total de mortes registradas em 2022, quando policiais civis ou militares executaram 176 sergipanos em supostos “confrontos”.

Juntando-se a letalidade policial em Sergipe desde o ano de 2020, são 810 vidas perdidas em “confronto”, sendo que mais de 85% das vítimas eram negros e jovens entre 12 e 29 anos de idade. Leia a reportagem completa aqui.

“Jovens negros, majoritariamente pobres e residentes das periferias, seguem sendo alvos preferenciais da letalidade policial”, constataram os pesquisadores do FBSP. Além disso, mais de 68% das mortes em “confronto” ocorreram em espaços públicos, como ruas e praças, mas as “residências das vítimas e outros tipos de local somam juntos um terço das ocorrências, ou seja, 1/6 das vítimas de letalidade policial foi morta dentro de casa”.

Em abril deste ano, a Mangue Jornalismo publicou a reportagem As dores de Sandra e Adalto não saem no jornal. A história de mais um jovem da periferia de Aracaju morto pela polícia sob alegação de confronto. Esse caso é um exemplo de como tem ocorrido essas abordagens.

Em agosto deste ano, a Mangue também entrevistou o promotor de Justiça da 6ª Promotoria de Justiça Criminal de Aracaju e diretor da Coordenadoria de Apoio às Vítimas, Rogério Ferreira da Silva. Ele disse que o Ministério Público vai cobrar da polícia todas as informações sobre mortes em confronto. Até agora não se tem conhecimento de uma ação para reduzir essas execuções. Leia aqui a entrevista.

SSP: “as imagens indicam que os policiais agiram em legítima defesa”

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que “lamenta a morte do jovem Ithalo dos Santos Nascimento, de 25 anos, em uma ocorrência registrada no final da noite desta segunda-feira, dia 28, em um posto de combustíveis na Avenida Mário Jorge Vieira, em Aracaju”.

A SSP disse que “compreende a complexidade do ocorrido e reafirma seu compromisso com a apuração transparente dos fatos. A investigação já está em andamento e é conduzida pela Polícia Civil, que busca esclarecer todas as circunstâncias envolvidas no caso. No entanto, as imagens indicam que os policiais agiram em legítima defesa putativa, ou seja, acreditaram de boa-fé que estavam diante de uma situação de risco iminente, levando-os a agir conforme as diretrizes legais”.

A nota do Estado diz: “Segundo informações relatadas, a guarnição Escorpião Extra 01, da Polícia Militar, estava abastecendo em um posto de combustível na Coroa do Meio quando observou um homem em comportamento considerado suspeito, trajando roupas volumosas. Conforme mostram as imagens divulgadas, ele foi solicitado a parar para uma abordagem, mas correu em direção aos policiais, segurando algo na cintura, o que exigiu uma reação dos agentes dentro do que a lei prevê”.

A SSP também informa que “a área foi isolada para os procedimentos de perícia, e o óbito foi confirmado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). A perícia identificou que o volume na cintura do indivíduo era um celular, acompanhado de pedaços de plástico”.

A secretaria “manifesta sua preocupação e repudia o uso político de situações como esta, como ocorreu ao longo do dia, destacando que críticas prematuras e infundadas podem desqualificar o trabalho dos profissionais da segurança pública, que têm contribuído significativamente para a redução da criminalidade violenta em Sergipe. Em momentos de grande impacto social, a Secretaria reforça a importância de uma oposição responsável e construtiva, sempre em prol do bem coletivo”. Por fim, diz a nota, “a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) e o Comando da Polícia Militar determinaram o início de investigação imediata, conduzida pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), para a apuração dos fatos. O caso foi registrado como homicídio decorrente de intervenção policial”.

*Excepcionalmente esta reportagem não é assinada pelo repórter em razão do acionamento de protocolos de segurança e que atendem aos compromissos, princípios e métodos adotados pela Mangue Jornalismo.

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