JOSÉ FIRMO, especial para a Mangue Jornalismo
Como deve acontecer nos demais 5.568 municípios brasileiros, em Aracaju, a cada gestão municipal, a cidade é presenteada com um lema ou “slogan”. “Cidade humana, inteligente e criativa”, “cidade da qualidade de vida”, “proteger a vida e cuidar da cidade”, “o futuro se constrói com amor e trabalho”, “reconstruindo a qualidade de vida”, “uma cidade para todos”, “cidade de todos”, só para ficarmos nos mais recentes.
Ainda tem os projetos e programas, como este anunciado nos últimos dias pela prefeitura municipal: “Aracaju cidade do futuro”.
Contrair vultosos empréstimos, endividando o Município, consequentemente endividando o seu contribuinte, pode valer à pena quando o empréstimo é bem empregado. E ao que parece a intenção e a causa são as melhores possíveis. Ocorre que, via de regra, o povo mais pobre e mais necessitado é quem menos usufrui das tais obras.
Do pouco que se anunciou até aqui, as obras nos loteamentos da periferia parecem ser as mais justas. O único “senão” está relacionado ao fato de que alguns loteadores parcelam o solo de forma clandestina, colocam o comprador pobre dentro da lama, do mato e no escuro, deixam o prejuízo para o Poder Público e saem com o lucro. Tomara que os loteamentos beneficiados não tenham surgido desta forma!
No caso da obra nos bairros da antiga Zona de Expansão (que ainda não sabemos ao certo o que será: se avenida e canal, se somente canal, se somente avenida, se canal e rede de drenagem. E muito menos se sabe sobre traçado ou localização da obra), parece ser uma obra bastante preocupante.
Se a obra será somente entre a Rodovia dos Náufragos e o Rio Santa Maria, está claro que todas as áreas entre a Rodovia dos Náufragos e a Rodovia José Sarney não serão contempladas.
Se a obra começa no meio do caminho (no meio do Robalo) e vai até o meio do Matapoã, outras áreas expressivas naquele mesmo lado devem ficar de fora. Mas, isto são apenas dúvidas causadas pela insistência da prefeitura em não prestar as informações com clareza.
Existem problemas maiores
Há problemas muito maiores neste cenário. Por exemplo, nos seis bairros da antiga Zona de Expansão (Robalo, São José dos Náufragos, Gameleira, Areia Branca, Matapoã e Mosqueiro), há carência ou ausência de todos os serviços e equipamentos públicos de obrigação da prefeitura: unidades de saúde, escolas do ensino infantil (creche) e do ensino fundamental, CRAS, espaços de lazer e cultura (praças, quadras, barracões, campos de futebol…), linhas de ônibus com horários e com cobertura suficiente, abrigos suficientes e adequados nos pontos de ônibus, etc.
Um canal para águas pluviais é bom para nós moradores pobres? Claro que é! Mas, para quem não tem acesso ou tem acesso limitado a todos esses itens essenciais, citados no parágrafo anterior, está na cara que a prefeitura não está trazendo um canal para receber águas da chuva pensando em nós, os pobres.
Muito pelo contrário: esse tipo de obra vem solucionar os problemas já existentes e acumulados causados, principalmente por uma parte do mercado imobiliário, bem como essas obras vêm preparar e valorizar a região para os futuros moradores, que não seremos nós, pobres e nativos.
E, a partir daí, podemos puxar outro fio desse novelo. O fio da pior opção de drenagem pluvial para a região. Dez entre dez entendedores do assunto, sejam da área de engenharia, sejam da arquitetura e urbanismo, sejam da área da geografia, afirmam que canalizar as lagoas ainda existentes é a pior opção que Aracaju pode adotar.
O que se questiona é o fato da prefeitura de Aracaju trocar o aproveitamento das lagoas existentes, pela canalização das próprias áreas, quase todas, alagáveis.
E o Plano Diretor de Aracaju?
A própria proposta de Plano Diretor, deixada praticamente concluída na gestão João Alves, em 2015, diga-se de passagem, com diagnóstico construído a quatro mãos, com dezenas de audiências públicas, por equipe técnica toda daqui, tendo a professora Sarah França, da UFS como responsável pela região e sob a coordenação do então secretário Igor Albuquerque, já previa todo o ordenamento, onde se aproveitavam as lagoas e preservavam a restinga, o manguezal e as dunas.
Dessa forma, além de se utilizar alternativa mais barata e mais viável, para a drenagem local, a cidade de Aracaju teria um ganho expressivo na preservação de parte da sua flora e da sua fauna, o que poderia trazer receitas sem precedentes na área do turismo, por exemplo, assim como, aumentar – aí sim -a qualidade de vida dos moradores.
E quem pode perder ou pode ganhar com uma ou com outra alternativa? Sabe-se que os proprietários das grandes glebas de terra nesses bairros poderiam, aparentemente, perder mais, pois ficariam impossibilitados de aterrar ou canalizar as lagoas para aumentar as suas áreas comercializáveis.
E, pelo ritmo que estamos vendo os licenciamentos sendo concedidos, se permitindo, inclusive, edificar nas margens dos rios, não sei se existirão lagoas, dunas e manguezais até que apareça um Plano Diretor novo em Aracaju.
Daí a pergunta do título deste texto: a quem interessa canalizar mais lagoas naturais em Aracaju? Será que os maus exemplos desde a “implantação” da cidade já não são suficientes, com os problemas causados nos bairros centrais da cidade?
José Firmo é especialista em gestão urbana e planejamento municipal, coordenador do Fórum em Defesa da Grande Aracaju e morador do bairro Robalo.
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