WENDAL CARMO, da Mangue Jornalismo
@euwen.dal
A catástrofe climática que castiga o Rio Grande do Sul, potencializada pelo desmonte de leis ambientais promovido pelo governador Eduardo Leite (PSDB), parece não ter servido de alerta para os políticos sergipanos. Em Aracaju, o prefeito Edvaldo Nogueira (PDT) pode estar seguindo o exemplo do tucano enviando à Câmara de Vereadores um Projeto de Lei que flexibiliza a legislação ambiental da capital sergipana sob a alegação de “prevenir desastres naturais” e preparar a cidade para “superar adversidades climáticas”.
Na prática, o PL 124/2024 autoriza a devastação de árvores e vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanentes (APPs) em caso de atividades de “utilidade pública e interesse social”. Além disso, retira da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMA) a atribuição de autorizar intervenções humanas nesses locais em caso de “atividades de segurança pública e obras de interesse da Defesa Civil”.
Entre as atividades consideradas de utilidade pública está a abertura de estradas em APPs para acesso a propriedades privadas, a supressão de nascentes, a construção de reservatórios de águas nas áreas protegidas, além da permissão para exploração de areia, argila e cascalho. Os responsáveis pelo desmate terão de promover uma compensação ambiental, com o replantio da vegetação no mesmo tamanho da que foi removida para a obra e até multa, segundo o projeto.
O PL 124/2024, chamado pela prefeitura de Plano Municipal Arbóreo, foi protocolado na Câmara de Vereadores no dia 15 de maio. Pela sua importância, a proposta precisaria passar pela análise das comissões temáticas e ser discutida com diferentes setores da sociedade. Ocorre que, em uma manobra liderada pelo vereador Professor Bittencourt (PDT), líder do governo na Casa, esse projeto pode ser votado já na semana que vem. A estratégia utilizada pelo parlamentar foi apresentar um requerimento de urgência, que acelera a tramitação e leva a matéria direto ao plenário.
A apreciação desse documento estava na pauta da sessão realizada na última terça-feira (21), mas foi adiada após protesto dos vereadores Elber Batalha (PSB), Breno Garibaldi (Rede), Camilo Daniel (PT) e Ricardo Marques (Cidadania). Segundo Batalha, a elaboração da proposta aconteceu sem ouvir os técnicos da SEMA. “A cúpula da Secretaria construiu esse projeto, para beneficiar quem eu não sei. Qual foi o órgão ambiental consultado? Não sabemos. Não contem comigo para votar nesse projeto como ele está”, pontuou o vereador, criticando a pressa na discussão.
“Pedimos a retirada da urgência porque queremos discutir melhor o projeto. Ouvir o Ministério Público, ambientalistas e especialistas da Universidade Federal de Sergipe. É um tema muito delicado”, acrescentou Ricardo Marques. A tentativa de acelerar a tramitação do PL voltou a ser incluída na pauta da sessão desta quinta-feira (22), mas foi novamente adiada . A expectativa é que o secretário municipal de Meio Ambiente, Alan Lemos, vá à Câmara na próxima terça-feira (28) prestar informações sobre a proposta.
Na mensagem enviada aos parlamentares, o prefeito argumentou que o projeto tem o objetivo de “adequar a legislação municipal ao Código Florestal”. A justificativa do PL não faz nenhuma menção à possibilidade de derrubar árvores em áreas preservadas e fala apenas da autorização à Defesa Civil para remover, em caráter de urgência e sem aval da SEMA, “indivíduos arbóreos como forma de prevenção e mitigação de acidentes”. O executivo municipal argumenta ainda que o Projeto de Lei contribuirá para uma cidade harmônica, inovadora e com uma política mais transparente, auxiliando no desenvolvimento sustentável de Aracaju.
Líder do governo na Câmara, Bittencourt afirmou ser “praxe” que os projetos apresentados pelo Poder Executivo “sejam acompanhados por um requerimento de urgência e esse foi mais um desses”. A estratégia à qual o parlamentar se refere, contudo, não está prevista no regimento interno da Casa. Segundo o vereador, a urgência não está relacionada a “interesses ocultos”, não obriga que o projeto siga para votação imediatamente e garante apenas a “quebra de interstícios” (o termo é utilizado para se referir ao intervalo de tempo necessário entre as etapas do processo legislativo).
“Muitas vezes o debate faz com que a solicitação de urgências seja retirada ou suspenda em favor da ampliação do debate, como foi o caso em questão”, emendou.
Debate nacional
As Áreas de Preservação Permanentes compreendem florestas e outras formas de vegetação natural, além de áreas situadas ao longo de rios, lagoas e reservatórios naturais. Esses espaços são protegidos pelo Código Florestal Brasileiro, instituído pela Lei 12.651/2012, e possuem regras de exploração mais rígidas que as Unidades de Conservação (UCs), por exemplo.
Ou seja, enquanto as UCs estabelecem o uso sustentável ou indireto de áreas preservadas, as APPs não permitem qualquer atividade econômica, ainda que seja para assentar famílias beneficiadas por programas de colonização e reforma agrária. Somente órgãos ambientais podem abrir exceção e autorizar o uso. Mas, para fazê-lo, devem comprovar as hipóteses de utilidade pública, interesse social do empreendimento ou baixo impacto ambiental.
As APPs se destinam a proteger solos e, principalmente, as matas ciliares. Este tipo de vegetação cumpre a função de resguardar os rios e reservatórios de assoreamentos, evitar transformações negativas nos leitos, garantir o abastecimento dos lençóis freáticos e preservar a vida aquática.
Na Câmara, o projeto enviado por Edvaldo à Câmara de Aracaju foi comparado pelos vereadores ao texto aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e sancionado pelo governador Eduardo Leite em abril. Lá, a mudança na legislação ambiental foi articulada por lideranças ruralistas sob o argumento de que a permissão ao desmatamento nas APPs seria importante para o desenvolvimento do agronegócio e para que os produtores rurais não tivessem tantas perdas em períodos de estiagem.
Com as fortes chuvas que castigaram o estado, vitimaram mais de 160 pessoas e deixaram um rastro de destruição em várias cidades gaúchas, a alteração passou a ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). O caso chegou à Corte através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada pelo Partido Verde (PV). A sigla alega que o estado ultrapassou seus limites constitucionais ao flexibilizar as normas de exploração das APPs e pede a suspensão da lei.
Em Brasília, parlamentares ligados à chamada “Bancada Ruralista” se movimentam para flexibilizar restrições a intervenções em áreas protegidas e construir barragens para projetos de irrigação à beira de rios. No final do ano passado, o Senado deu aval a um projeto que trata do tema, proposto pelo senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS). A proposta seguiu para análise na Câmara e ainda não foi apreciada.
A Mangue Jornalismo não conseguiu retorno da SEMA até o fechamento da reportagem, mas mantém espaço aberto para manifestação da pasta e se compromete com a atualização imediata caso receba resposta.
ATUALIZAÇÃO:
23/05/24 às 20h03. A reportagem foi atualizada com respostas enviadas pelo Líder do governo na Câmara, Bittencourt.
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