HENRIQUE MAYNART, especial para Mangue Jornalismo
(@maynarthenrique)
Inaugurada em maio de 1968, fruto de demandas e pressões da sociedade sergipana pelo curso das décadas, a Universidade Federal de Sergipe é atravessada pelos dilemas e crises de nosso tempo.
A maior instituição de ensino superior de Sergipe, única de caráter público, com o terceiro maior orçamento do estado de Sergipe – perdendo apenas para o Governo do Estado e Município de Aracaju – a UFS sente, sofre e regurgita os conflitos e configurações do segundo ano da gestão Lula, dos perigos do negacionismo cultural, da base social do bolsonarismo ainda em cena e das ações frente aos limites da colaboração de classes do Executivo Federal.
Apresentamos um breve quadro da instituição e suas questões mais relevantes nos últimos meses. Este texto não pretende esgotar o debate sobre complexidade e as especificidades de uma instituição de ensino superior, apenas uma reflexão sobre os principais fatos que consideramos pertinentes ao debate público.
CONSULTA PÚBLICA PARA REITORIA E VICE: RETRATO DA CRISE
Há uma chaga que precisa ser reparada na democracia interna da instituição. O órgão máximo da administração acadêmica, Reitoria e Vice, sofre uma forte crise de representação. No coração da pandemia de Covid 19 o então reitor Ângelo Antoniolli, eleito duas vezes para vice-reitor(2004-2012) e mais duas para reitor (2012-2020) em consultas públicas à comunidade, elege seu então vice-reitor, Valter Santana, em Colégio Eleitoral Especial.
Utilizando o pretexto da pandemia, Ângelo dá as costas para a Consulta Pública, uma tradição que completa 40 anos em 2024 e construída no seio da campanha DIRETAS JÁ!, em 1984.
“Diretas, urgente. De reitor a presidente!” O processo da consulta é organizado pelas entidades da comunidade acadêmica (ADUFS, SINTUFS, DCE UFS E ASAP) de forma paritária, ou seja, todos os setores tem o mesmo peso, garantindo também o voto das aposentadas e aposentados.
Utilizando o argumento da pandemia e recusando a disponibilização do Sistema SIGEleição da instituição, que poderia garantir a votação de forma virtual mesmo com todos os seus percalços – ausência de auditoria, a exemplo- o Colégio Eleitoral Especial, órgão onde o reitor de ocasião indica a maioria das cadeiras, orquestrou a votação virtual em 15 de julho de 2020, um processo marcado por muitos tumultos e agressividade.
Mesmo em meio a um golpe, as entidades da comunidade acadêmica organizam o processo de forma virtual e escolhem o professor André Maurício, em 26 de agosto do mesmo ano. O Ministério da Educação do governo Bolsonaro aproveitou o imbróglio e nomeou uma interventora, Liliádia Barreto, em novembro de 2020.
Desta forma a UFS entrou na lista de interventores e interventoras apontadas por Bolsonaro em 20 instituições federais de ensino. Liliádia permanece no posto até abril de 2021, quando o retorno do professor Valter Santana é diretamente negociado junto aos gabinetes do Executivo.
CRISE DE REPRESENTAÇAO: PARTE 2
Em meio ao segundo turno de 2022, na iminência de uma segunda eleição de Jair Bolsonaro e a fragilização das instituições públicas de ensino, o Conselho Superior da UFS (CONSU) aprova por unanimidade a Resolução 44/2022, que visa disciplinar a consulta pública de forma vertical e autoritária. O texto prevê que todo o processo seria organizado pelo CONSU e não pelas entidades representativas, não respeita a igualdade de voto entre setores e exclui aposentadas e aposentados do pleito.
Mesmo com toda a movimentação para conferir vias de legalidade a um processo de escolha autoritário e vertical, as entidades da comunidade acadêmica seguiram todo o rito que lhe cabem em Assembleia Geral Universitária nos dias 13 e 26 de março. O calendário e o regimento foram aprovados e a votação para Reitoria e Vice acontece em julho deste ano. Espera-se que o desfecho deste ano seja diferente de 2020.
GREVE DOS TAE´S
De braços cruzados desde 14 de março, a categoria técnico-administrativa segue em paralisação nacional organizada pela FASUBRA, federação que organiza a categoria em escala nacional. A pauta é reajuste salarial, melhorias da carreira e restruturação do orçamento da instituição, destroçado pela Emenda Constitucional 95 e aprofundado no “Arcabouço Fiscal” do governo Lula. Apesar da recomposição em R$ 18 milhões ocorrida em abril de 2023, o déficit orçamentário da instituição é uma realidade.
Os setores essenciais funcionam com o mínimo previsto na Constituição, e a comunidade acadêmica já começa a sentir os impactos do movimento paredista. O avanço da terceirização em setores estratégicos, como Restaurante Universitário e Biblioteca Central, fragiliza o movimento a partir do momento em que nos referimos a trabalhadores de outros vínculos, muito mais suscetíveis e frágeis em suas relações de trabalho.
O déficit de concurso para trabalhadoras e trabalhadores técnico-administrativos é visível em amplos setores da instituição. Ganha destaque o desrespeito por parte do SINTSEP, sindicato que representa a priori as trabalhadoras e trabalhadores da EBSERH – empresa que gere os serviços do Hospital Universitário – que pediu o redimensionamento das servidoras e servidores RJU.
A paralisação vem contando com o apoio de setores importantes, como parte das categorias discente e docente, além de organizar ações de seu Comando Local de Greve, como palestras, atividades nos setores, paralisações nas entradas de pedestres e de veículos, doações de sangue e por aí vai. O trabalho técnico-administrativo na instituição é fundamental para que a UFS funcione, toda medida que aprofunda a terceirização e modalidades de trabalho que afastam determinados setores estratégicos – como o setor de Tecnologia da Informação – deve ser prontamente denunciado.
MOBILIZAÇAO DOCENTE
Aprovado no 42º Congresso do ANDES –SN, que ocorreu em fevereiro em Fortaleza (CE), o indicativo de greve da categoria docente para o primeiro semestre suscitou uma série de polemicas em meio à comunidade acadêmica da UFS. É o momento de entrar em greve? Justamente num governo mais democrático? Há correlação de força para isso? Questionamento legítimos que são respondidos coletivamente no decorrer do processo, para além de setores tradicionalmente refratários a qualquer paralisação que exercem pressão em toda ação paredista, independente de situação ou governo.
O último reajuste da categoria ocorrera em 2016, fruto da paralisação de 2015, e o déficit nos salários e carreira docente segue a passos largos. Infelizmente, como temos um formato autoritário e centralizador de instituição de educação federal, a iminência de paralisação dos docentes gera mais impacto que a da categoria técnico-administrativa – alvo de um processo sistemático de invisibilidade – uma vez que os trabalhos em sala de aula dão o tom da atividade institucional à revelia de outros setores também estratégicos, como os laboratórios de Pesquisa, equipamentos de Assistência Estudantil e ações de Extensão.
A categoria passou todo o ano de 2023 tentando negociar uma proposta de 21% de reajuste salarial, dividido nos anos de 2024, 2025 e 2026. Após seis reuniões da Mesa Nacional de Negociação Permanente em 2023 e 2024, o Executivo Federal não apresentou qualquer proposta de reajuste ainda para 2024, apesar da recomposição emergencial de 9% e reajuste no auxílio alimentação, previstos ainda no orçamento do Governo Bolsonaro.
Em assembleia no dia 20 de março a categoria docente aprovou, por 72 a 34 votos, a paralisação no início de maio, tendo em vista o final do período letivo e as férias previstas no novo calendário acadêmico. A assembleia e o processo de mobilização mexeu com muitas camadas, e provocou uma triste cena de violência política de gênero. Em meio ao calor das decisões, um professor da instituição tentou tirar o microfone da mão da presidenta da ADUFS, Josefa Lisboa, o que gerou uma série de manifestações de repúdio ao professor e solidariedade a Diretoria da ADUFS, composta majoritariamente por mulheres.
Um novo indicativo do ANDES-SN, aponta o início da paralisação de 37 universidades federais para abril, mas caberá à base docente da UFS rediscutir o calendário para aderir ou não ao chamado.
60 ANOS DO GOLPE
Aturdidos com a escolha do Governo Federal de não rememorar os 60 anos do golpe civil-empresarial-militar de 1964, amplos setores da UFS dão uma demonstração de vitalidade e organizam o seminário sobre o tema, nos dias 1 e 2 de abril. O seminário é antecedido por um ato público puxado pela Central Única dos Trabalhadores de Sergipe (CUT) que ocorreu no dia 1 de abril – que não é mentira – na Praça General Valadão, no centro de Aracaju.
Encabeçada pela ADUFS, a atividade conta com uma série de atividade, debates, seminários, atos públicos e oficinas. O seminário conta com a presença de professores estudiosos do tema, do coordenador do Comitê Sergipano pela Memória, Verdade e Justiça, Marcélio Bomfim, além do youtuber Jones Manoel.
O espaço é fundamental para discutir os escombros deste período autoritário em Sergipe, no Brasil e também na Universidade Federal de Sergipe. O papel dos Gabinetes de Inteligência, o Decreto nº477 que caçava direitos políticos e acadêmicos de militantes do movimento estudantil, driblados com maestria pelo primeiro reitor, Joao Cardoso Nascimento Junior. Memoriar para resistir e não vacilar na disputa do tempo presente.
Apesar da constituição da Praça da Democracia no Campus São Cristóvão, em 12 de setembro de 2017 pelo mesmo reitor que três anos depois abatera a democracia universitária sobre os dilemas da pandemia de Covid 19, cabe às organizações e movimentos sociais construírem os seus espaços de memória e disputa em pari passo à luta pela construção destes espaços pelos entes públicos. Caso contrário, uma Praça que deveria rememorar a luta pela democracia se transforma em um mero Central Park, como é costumeiramente citado pela comunidade acadêmica.
Henrique Maynart é jornalista, assessor de Comunicação da Associação dos Docentes da UFS (ADUFS)