Mesmo sem concurso público há cinco anos, folha de pagamento de pessoal de Aracaju inchou. Crescimento é explicado pelo aumento de cargos em comissão, contratos temporários e processos seletivos simplificados. Sindicatos denunciam enfraquecimento do serviço público e prioridade de indicações políticas.
Dados oficiais da Prefeitura de Aracaju sobre o quadro de pessoal e a folha salarial do funcionalismo revelam que, nos últimos anos, houve um aumento significativo no número de cargos comissionados (CCs) e de contratação temporária. Sem concurso público desde 2019, essa forma de contratação vem aumentando ano a ano.
Levantamento feito pela Mangue Jornalismo na folha de pagamento mais recente disponível no Portal da Transparência, de julho de 2024, mostra que nos últimos cinco anos ocorreu uma queda de 18,23% no número de servidores concursados, que caiu de 6.185 para 5.057. Já o número de cargos comissionados aumentou 22,34%, passando de 1.955 para 2.392, enquanto o de contratações temporárias – modalidade que começa a ser contabilizada a partir de 2021 e já começa em 1.192 trabalhadores -, chega a 2.082 em 2024, representando um aumento de 74,75%.
Os dados mostram um aumento de 9,05% no total de trabalhadores da Prefeitura de Aracaju ativos e inativos no quadro de pessoal em relação a dezembro de 2019. Nestes cinco anos, o número de servidores com diversos vínculos passou de 15.961 para 17.405, mesmo sem a realização de concursos públicos.
Outro salto considerável se dá no impacto que isso representa na folha de pagamento a partir de 2021 – ano a partir do qual a atual metodologia de apresentação dos dados está disponível. Naquele ano, R$ 78,2 milhões da folha de pagamento foi destinada aos CCs e R$ 35,9 milhões aos temporários. Este ano, considerando a média de janeiro a julho, esses números podem chegar a R$ 118,8 milhões para os CCs e R$ 98,1 milhões para os temporários.
No ano de 2021, a folha de pagamento da Prefeitura de Aracaju destinou R$ 78,3 milhões para cargos comissionados, representando 16,38% do total. Os servidores concursados receberam R$ 331,7 milhões, equivalentes a 69,38% da folha. Já os temporários foram responsáveis por R$ 35,9 milhões, ou 7,51%. Outros pagamentos somaram R$ 32,2 milhões, cerca de 6,73%.
Em 2024, o valor destinado aos comissionados subiu para R$ 118,8 milhões, 16,30% do total. A remuneração dos concursados alcançou R$ 449,3 milhões, correspondendo a um percentual menor: 61,62%. Os temporários passaram a receber R$ 98,2 milhões, 13,47% do total, enquanto pagamentos para outros vínculos aumentaram para R$ 62,8 milhões, representando 8,61%.
Na folha ativa do Executivo da capital em julho de 2024, que exclui os inativos, pensionistas e pensões por falecimento, o quadro é composto por 9.960 servidores. Desse total, 23,98% são CCs, representando 2.392 trabalhadores. Já os servidores concursados somam apenas 5.057 pessoas, correspondendo a 50,76% do total. Por fim, as contratações temporárias representam 20,90% da força de trabalho ativa, com 2.082 trabalhadores.
Sindicatos denunciam “Trem da Alegria”
Em meio aos números de pessoal e da folha de pagamento, sindicatos de servidores municipais levantam suspeitas de que a administração atual esteja recorrendo a práticas que remontam ao conhecido “trem da alegria”, uma estratégia histórica utilizada por políticos para favorecer aliados e garantir apoio eleitoral.
Eles apontam que a ausência de concursos públicos e o aumento de cargos comissionados, especialmente em anos eleitorais, poderiam configurar uma estratégia para beneficiar o candidato apoiado pelo prefeito, comprometendo a valorização dos servidores efetivos. Obanshe Severo, presidente do Sindicato dos Profissionais do Ensino do Município de Aracaju (Sindipema) destaca que o aumento expressivo na folha de pagamento não se justifica apenas pelo crescimento vegetativo dos servidores.
De acordo com ele, enquanto a folha da Prefeitura de Aracaju cresce com o aumento do número de CCs, apenas 4% de reajuste foi concedido aos servidores efetivos – percentual abaixo da inflação de 2023, que foi de 4,65%.
“Nunca é demais lembrar que de 2017 a 2021 foram cinco anos de reajuste zero para os servidores. Em 2022 foi de 5%, 2023, 7,5% e agora, em 2024, 4%. Como se vê, esses reajustes estão longe de recompor as perdas salariais dos servidores. Algumas categorias têm defasagem salarial de 35% e o desrespeito aos pisos das categorias, com a do Magistério, é total”, aponta o presidente do Sindipema.
De acordo com ele, a porteira segue aberta para os cargos comissionados na administração, o que prejudica a justa valorização dos trabalhadores e trabalhadoras efetivos dos serviços públicos de Aracaju, em especial, professoras e professores aposentadas/os.
Os sindicatos já formalizaram denúncias no Tribunal de Contas do Estado (TCE) e no Ministério Público de Sergipe (MPSE), buscando reverter essa situação e garantir que o ingresso no serviço público seja feito exclusivamente por meio de concursos públicos, conforme prevê a Constituição.
Contratação temporária impacta principalmente na Saúde
Uma grande parcela das contratações temporárias se dá no quadro da Secretaria Municipal da Saúde. Lá, são 2319 servidores concursados e 254 CCs. Os temporários chegam a 1089 trabalhadores, quase a metade de todo o município de Aracaju.
Shirley Morales, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Sergipe, explica que o grande aumento do número de contratações desse tipo vem sendo observado por vários sindicatos. Ela afirma que tramita uma ação judicial, a partir de denúncias, para que a prefeitura faça concursos públicos. Entretanto, ainda de acordo com ela, desde que o prefeito Edvaldo Nogueira assumiu, os recursos levaram o processo para o Supremo Tribunal Federal (STF).
“Os sindicatos, em conjunto, fizeram uma denúncia ao Ministério Público do Estado de Sergipe (MPSE) sobre a situação. Estamos aguardando o resultado dessa solicitação para abertura de investigação e acompanhamento do processo,” explica a presidente do sindicato. A expectativa é que as irregularidades sejam corrigidas e que a porta de entrada para o serviço público volte a ser o concurso público.
Além de enfermeiros e médicos, categorias mais associadas à área da saúde, boa parte do quadro de profissionais também é composto por assistentes sociais. Ygor Machado, coordenador geral do Sindicato dos Assistentes Sociais de Sergipe (SINDASSE), exemplifica o quadro de sua categoria ao revelar que há cerca de 39 cargos efetivos na Secretaria de Saúde ocupados com profissionais através de processos seletivos simplificados, sem vínculo efetivo.
Isso traz impactos negativos não apenas para os servidores, mas também para o atendimento à população. “Estamos testemunhando uma diminuição gritante dos servidores efetivos concursados e um aumento nos cargos comissionados, contratos temporários, processos seletivos simplificados e terceirizações, inclusive em atividades-fim,” destaca Ygor.
Prejuízos na Assistência Social
Além da Secretaria da Saúde, Ygor Machado cita o exemplo da Secretaria de Assistência Social, onde um levantamento recente do sindicato identificou mais de 120 pessoas contratadas em cargos comissionados para assessoria e consultoria, mas que foram colocadas para atuar diretamente nas unidades de atendimento aos usuários. “Isso é prejudicial porque traz descontinuidade no serviço à população. Nós, assistentes sociais, trabalhamos com vinculação ao território e aos usuários dos serviços e quando há uma quebra de contrato, ocorre uma ruptura no ciclo de acompanhamento,” aponta.
Ele diz ainda que o Sindasse incorporou novas informações a um processo antigo do Sindipema junto ao MPSE desse número exorbitante de CCs e processos seletivos simplificados. “Encaminhamos essa denúncia coletivamente, junto a diversas categorias”, disse.
Outro ponto de preocupação destacado pelo coordenador é a previdência do Município de Aracaju. “Quando não substituímos os servidores concursados que se aposentam, trazemos sérios problemas para a previdência. Nós, que estamos na ativa, nos preocupamos porque a realidade de nossa aposentadoria fica difícil ao vermos o esvaziamento do servidor público concursado de Aracaju,” afirma Ygor, que reforça o compromisso do movimento dos sindicatos unificados em denunciar essa prática sempre que possível.
Silêncio na Prefeitura de Aracaju
A Mangue buscou a Prefeitura de Aracaju para se manifestar sobre os dados. Foram contatadas três pessoas da administração, mas até o fechamento da reportagem não houve nenhum retorno. Caso a prefeitura se manifeste durante o dia de hoje, a Mangue atualiza a reportagem.