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“No rio e no mar, pescadores em luta!” Sob ameaça constante, comunidades costeiras sergipanas enfrentam carcinicultores, Petrobras e descaso público

ANA PAULA ROCHA, da Mangue Jornalismo
@anapaula._.rocha

Em 1968, Sergipe entrava para a história da exploração de petróleo no Brasil por ser o local da primeira descoberta deste recurso natural no mar do país. O Campo de Guaricema, no litoral do estado, começou a operar em 1973 e deu início às extrações offshore (em alto-mar) na costa brasileira, um orgulho sempre mencionado pela Petrobras.

Pouco mais de quatro décadas depois, em 2010, povos costeiros sergipanos iniciaram luta para que a petroleira cumpra a lei e compense as comunidades tradicionais pela exploração de hidrocarbonetos (petróleo e gás).

Para além da luta pela compensação da Petrobras, membros das comunidades costeiras em Sergipe relatam à Mangue Jornalismo que enfrentam a poluição e destruição dos manguezais causada principalmente pela carcinicultura aliada ao abandono ambiental de governos municipais e do estadual, a especulação imobiliária e até mesmo ameaças de morte.

Ameaças a quilombolas em Brejão dos Negros

“Estamos vivendo vários ataques do governo do estado”, disse o professor Magno de Oliveira Barros dos Santos, da comunidade quilombola Brejão dos Negros, no município de Brejo Grande. “Depois do recebimento da portaria [que estabelece os limites das terras], houve ameaças inclusive de morte”.

O Mapa dos Conflitos, Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, elaborado pelo Neepes, ENSP e Fiocruz, enumera como “atividades geradoras de conflito” em Brejão dos Negros a “atuação de entidades governamentais, atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público [e] monoculturas”.

Magno informa que, devido ao perigo que correm, alguns membros da comunidade estão no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), oferecido pelo governo federal.

Magno Barros, do território quilombola de Brejão dos Negros, é professor da rede estadual de ensino de Sergipe e mestrando pela UFS. (Foto: Bruno Costa).

Segundo o professor, o território quilombola possui mais de 500 famílias, muitas delas mantidas pela mariscagem e pesca, atividades prejudicadas pela intensa carcinicultura na região. Os criadores de camarão destroem áreas de manguezal para instalar tanques. “No viveiro de camarão só vive o camarão. [Os carcinicultores] Jogam cloro e cal que acaba indo para o rio” e mata outras espécies pelo caminho, explica.

Os inúmeros problemas no litoral de Estância

Josineide Marques, integrante do Movimento das Marisqueiras de Sergipe, explica que trabalha de 15 em 15 dias, pois há muita “maré-morta”, que é quando a diferença entre as marés é pequena, o que dificulta o trabalho de mariscagem.

Uma alternativa para esses períodos de inatividade no mar seria o cultivo de hortas para consumo próprio e venda de excedente, mas ela explica que mora “numa comunidade que, até hoje, não tem água encanada.” Ouricuri, a comunidade em Estância onde Josineide reside, fica a cerca de 12km de distância do centro da cidade.

Por conta da dificuldade de conseguir renda, muitos moradores dependem do Bolsa Família, programa federal de distribuição de renda retomado em 2023 pelo governo Lula. “Na época do Bolsonaro, ficamos mais esquecidos do que hoje,” explica. As dificuldades para obter renda fizeram com que alguns moradores se mudassem para estados como Santa Catarina e Minas Gerais em busca de emprego. “Se tivesse água, a gente teria quintal produtivo.”

“Na época do Bolsonaro, ficamos mais esquecidos do que hoje”, relata Josineide Marques, do Movimento das Marisqueiras de Sergipe. (Foto: Bruno Costa)

Para além desses problemas, o vazamento de petróleo de 2019, que afetou severamente o litoral do Nordeste brasileiro, é outro motivo de preocupação para as comunidades costeiras de Estância.

Em sua dissertação, o geógrafo Fagner Santos de Oliveira estudou conflitos socioambientais em Áreas de Proteção Ambiental (PAA) no município sergipano e constatou que “todas as praias de Estância […] foram atingidas com vestígios esparsos do óleo, comprometendo a integridade natural dos ecossistemas e dos recursos naturais existentes.” A origem e causa do espalhamento do petróleo não foram definitivamente esclarecidas.

A compensação paga pela Petrobras aos residentes de Ouricuri pela exploração de hidrocarbonetos na área veio em forma de centro comunitário, “mas a área – que já era pequena – foi diminuída ainda mais”, afirma Josineide. Ela complementa dizendo que “a obra realizada foi inadequada”, assim limitando o uso do espaço pelos moradores. 

Não bastasse a lista de danos ambientais e descaso do poder público listados acima, a cooptação de moradores tem sido prática recorrente por parte de grupos interessados no território. Desconhecidos contatam pessoas da comunidade com ofertas de dinheiro em troca de informações sobre lideranças.

Tendo em mente evitar as tentativas de supressão dos meios subsistência das comunidades costeiras sergipanas, Josineide diz que, se pudesse conversar diretamente com o presidente Lula, “pediria mais políticas públicas para a gente, geração de emprego e renda.”

Garantias territoriais como direito

“Para enfrentar [esses problemas] é urgente que as políticas de direito territorial sejam asseguradas a essas populações”, disse à Mangue Jornalismo Eraldo Ramos Filho, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e coordenador geral do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras de Sergipe e Bahia (PEAC) desde 2017.

Doutor em Geografia com tese sobre a questão agrária em Sergipe, Eraldo Ramos Filho é professor da UFS e coordenador geral do PEAC em Sergipe e Bahia. (Foto: Bruno Costa.)

O programa é uma condicionante para o licenciamento ambiental no Brasil desde 2019 e “desenvolve alternativas pedagógicas de enfrentamento aos impactos socioeconômicos provocados, direta e indiretamente, pelas atividades marítimas de exploração e produção de petróleo e gás da Petrobras”, como informado no site oficial.

Entre os dias 14 e 17 de dezembro passado, ocorreu o XII Encontro do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (EPEAC), que reuniu em Aracaju representantes de Sergipe e Bahia, bem como de comunidades tradicionais e atingidos por grandes empreendimentos de outros estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais.

“As populações se encontram para discutir a agenda política e agir,” resume Eraldo Ramos, que enumera ações como a valorização das comunidades tradicionais por meio do incentivo a seus modos de produção como outra medida essencial para a superação dos vários problemas que elas ainda enfrentam hoje.

Desde 2010, várias comunidades tradicionais de Sergipe – dentre elas as populações costeiras – demandam que a Petrobras apresente as compensações previstas em lei   (Foto: Bruno Costa).

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