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Municípios sergipanos banhados pelo São Francisco têm baixos percentuais de esgotamento sanitário. Grande parte dos esgotos é despejada no Velho Chico

Termina um ano, começa outro, e as agressões contra o Rio São Francisco seguem intactas. Captação irregular de suas águas, assoreamento das margens, despejo de toneladas de agrotóxicos, salinidade crescente, mortandade de peixes e, principalmente, o lançamento em suas águas de esgoto in natura proveniente das cidades e povoados banhados pelo Velho Chico.

A Mangue Jornalismo levantou dados junto ao Painel de Regionalização dos Serviços de Saneamento Básico do Ministério das Cidades, e descobriu que cinco dos 13 municípios sergipanos no Baixo São Francisco, banhados pelo rio, têm baixíssimos percentuais de esgotamento sanitário. O resultado disso é que parte dos esgotos é despejada diretamente no rio.

O painel é gerenciado pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, e os últimos dados são de 2022.

Os 13 municípios sergipanos banhados pelo Rio São Francisco informaram ao sistema os dados sobre atendimento, consumo e ligação de água potável. Entretanto, oito desses municípios não incluíram nada sobre coleta e tratamento de esgoto, o que pode indicar a completa ausência de um plano de esgotamento sanitário ou informações escassas.

Não têm informações oficiais sobre coleta e tratamento de esgoto os municípios sergipanos de Ilha das Flores, Neópolis, Telha, Amparo do São Francisco, Canhoba, Nossa Senhora de Lourdes, Gararu e Poço Redondo.

Os municípios que têm algum tipo de informação sobre coleta e tratamento de esgoto no sistema nacional são Brejo Grande, Santana do São Francisco, Propriá, Porto da Folha e Canindé do São Francisco. Em todos esses cinco o índice de esgotamento sanitário é muito baixo, indicando a possibilidade do despejo de esgoto no rio, segundo os dados,

A Lei Federal nº 11.445, de janeiro de 2007, prevê que todos as cidades devem ter um Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) com vistas a buscar melhorias em áreas como abastecimento de água potável, manejo de água pluvial e resíduos sólidos, coleta e tratamento de esgoto e limpeza urbana.


Baixos percentuais de esgotamento sanitário

Segundo os números, no município de Brejo Grande, localizado a 110 km de Aracaju e que fica na foz do Velho Chico, quase metade da população (45,07%) não tem acesso ao esgotamento sanitário. Segundo os dados, o Município informou que os 54,93% que já possuem saneamento têm tratamento de esgoto.

A importante cidade de Propriá, distante 98 km de Aracaju, só aparece com atendimento de esgoto em 11,33%. Ou seja, em mais de 88% do município não havia ações de esgotamento sanitário.

Em Porto da Folha, o atendimento total de esgoto chegou a 65,54%, ou seja, ainda faltam mais de 34,46% para chegar em todo o município. Entretanto, os dados revelam que Porto da Folha só trata 1,72% de todo o esgoto da água consumida. Qual o destino de 98,28% do esgoto produzido na cidade?

Em Canindé do São Francisco, um dos municípios de maior arrecadação de Sergipe em razão dos royalties da Usina de Xingó, somente oferece tratamento de esgoto em 34,97% de sua área, ou seja, mais de 65% do município não têm esgotamento sanitário e apenas 47,08% do esgoto é da água consumida. O município de Santana do São Francisco informou que tem 100% de atendimento de esgoto, porém só faz o tratamento da água consumida em 36,57% dos casos.

Rio São Francisco ameaçado pelo despejos de esgoto e agrotóxicos (Foto: Camila Farias)

Poluição pelo esgoto doméstico

O rio São Francisco é de suma importância. Está totalmente localizado em território brasileiro e é responsável pela vida em grande parte da região Nordeste. Entretanto, apesar de ser vital para a vida humana e vários ecossistemas, o Velho Chico sofre permanentemente com essas agressões, a exemplo do despejo de esgoto em suas água.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Maciel Oliveira, é categórico: “um dos principais problemas de contaminação das águas na bacia hidrográfica do Rio São Francisco é a poluição por esgoto doméstico. Isso ocasiona contaminação para o corpo hídrico e traz consequências drásticas para o meio biótico, assim como para a população ribeirinha”, explica.

Uma pesquisa do Panorama do Saneamento Básico no Brasil, em 2021, já havia mostrado que entre as regiões atendidas com redes coletoras de esgoto, o Norte e Nordeste tinham destaque negativo, variando entre 15,3% a 27,8% dos municípios atendidos.

Pesquisas realizadas por universidades e pelo Comitê da Bacia do São Francisco têm mostrado que o rio pode ser impactado com o despejo inadequado de esgoto, o que traz uma contradição, já que boa parte da água que abastece os municípios nessa região é oriunda do próprio rio São Francisco.

Além do esgoto in natura, a contaminação das águas do Velho Chico ocorrem também pelo despejo de agrotóxicos e outros venenos aplicados na agricultura e na piscicultura, além de operações industriais e das próprias atividades humanas. 

Maciel: poluição por esgoto é grave no São Francisco (Foto CBHSF/ Reprodução)

Em setembro do ano passado, a Mangue Jornalismo trouxe uma reportagem denunciando o avanço da água salgada sobre o rio São Francisco. Na matéria, destacamos que a “fome e sede são os efeitos mais perversos da crise climática vivida por pescadoras em Sergipe”. Leia AQUI.

Também no ano passado, no mês de outubro, a Mangue Jornalismo voltou a tratar sobre o Velho Chico, trazendo a seguinte reportagem: Agrotraficantes de veneno agem entre pequenos produtores de arroz no Baixo São Francisco, em Sergipe. Pescadores denunciam contaminação do rio e doenças. Leia AQUI.

Além do esgotamento, Maciel Oliveira informa que a falta de abastecimento de água tratada para a população do Baixo São Francisco ainda é uma triste realidade. “Isso estende-se por vários trechos do rio, onde a nossa população ribeirinha não tem acesso a água tratada em suas casas”, disse.

O presidente do CBHSF afirma que “o acesso a água é uma das principais reivindicações do nosso povo. Essa situação não impacta significativamente o rio, mas sim o povo do rio, e não podemos pensar apenas no rio e no meio ambiente sem olhar a qualidade de vida da nossa população”, disse Maciel.


Pesquisas comprovam ataques ao São Francisco

Pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) com a participação de vários parceiros resultou na divulgação em 2021 do e-book “O Baixo São Francisco: características ambientais e sociais”. Nele, aparecem inúmeros dados preocupantes de ataques ao Velho Chico no estado de Sergipe. Baixe e leia AQUI esse e-book.

A pesquisa utilizou também bases de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrando que, por exemplo, 11% das residências em Neópolis, na região do Baixo São Francisco, tinham o esgoto despejado diretamente no rio.

Além disso, um diagnóstico apresentado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), também em 2021, mostrou que 21,3% da população de Neópolis não tinha acesso à água tratada. Com uma população com mais de 16 mil habitantes, isso representa cerca de 3 mil moradores sem esse serviço. Além disso, o município não trouxe informações sobre esgotamento sanitário para atualização da rede de dados.

Os problemas com esgotamento sanitário no município de Neópolis são antigos. Em 2014, foi movida uma ação pelo Ministério Público Federal para condenar o Município, o Estado de Sergipe e a União em razão da alta concentração de substâncias oriundas do esgoto doméstico ser considerado 36 vezes maior do que o limite permitido.

Desde a aquele ano (2014), foi assinado um contrato com a Codevasf para a realização das obras de saneamento, mas o processo de elaboração foi passado para a Funasa, com o prazo de dois anos para a implantação do sistema de esgotamento sanitário.

Flagrante em Brejo Grande: uns usam o rio para o lazer, outros para matar a sede (Foto: Camila Farias

A Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) informou, através de sua assessoria, que os municípios de Neópolis e Ilha das Flores estavam em processo de implantação do esgotamento, sem informar previsão de conclusão.

Além disso, a Deso informou que já existem mais de 1000 ligações de esgoto em Brejo Grande. Porém, dados do IBGE mostram que o município de Brejo Grande sequer teria uma Política e um Plano Municipal de Saneamento Básico, muito menos um Conselho Municipal de Saneamento.

A assessoria da Deso esclareceu que existe abastecimento de água diário nesses locais, mas que em povoados que não são abastecidos pelo órgão pode ocorrer o abastecimento por meio municipal, pela Codevasf, Incra ou outra entidade.

A nota da companhia explicou que “há ainda uma questão cultural e financeira, em que alguns ribeirinhos, mesmo atendidos pela rede pública de abastecimento, preferem fazer uso da água bruta do rio, por tradição ou para reduzir o consumo e valor da conta”.

O órgão também informou que somente os municípios de Japaratuba e Brejo Grande tinham 100% do esgoto coletado tratado, e municípios como Ilha das Flores, Japoatã, Pacatuba, Neópolis e Santana de São Francisco estavam em fase de andamento.

Essa informação contrasta com o CBHSF, que em 2020 publicou dados apontando que dos 507 municípios que compõem a bacia do Rio São Francisco, apenas um – Lagoa da Prata (MG) – tinha 100% do seu esgoto tratado.

Para 2024, o Governo de Sergipe, na previsão de Despesa do Orçamento de Investimentos das Empresas Independentes da Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovou junto ao Legislativo R$ 88 milhões para trabalhos da Deso, porém essa empresa pública deve ser repassada para empresas privadas.


Codevasf diz que faz investimentos na região

A assessoria de comunicação da Codevasf apresentou uma relação de investimentos ligados ao esgotamento sanitário, com obras que foram concluídas e que estão em operação. Para Brejo Grande foram R$ 5,9 milhões, Ilha das Flores R$ 7,7 milhões e Pacatuba e São Francisco com R$ 7,6 milhões cada e com ambos tendo uma parceria feita com a Deso. Nada foi citado sobre o município de Neópolis.

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