THIAGO LEÃO, da Mangue Jornalismo
Enquanto a maioria dos trabalhadores se esforça para pagar suas despesas cotidianas, uma discrepância abismal entre os salários do alto escalão do Poder Judiciário do Estado de Sergipe e o do cidadão comum se torna cada vez mais evidente: apenas no mês passado, alguns juízes e desembargadores receberam mais de R$ 100 mil em suas contas bancárias à título de remuneração.
No geral, 83 magistrados receberam mais de R$ 70 mil em suas contas bancárias a título de remuneração. No pódio, aparece um juiz que recebeu exatos R$ 109.394,35. Em seguida, empatados, um desembargador, uma desembargadora e um juiz tiveram R$ 105.700,93 creditados em suas contas bancárias. Mais quatro magistrados tiveram valores no mesmo patamar, totalizando sete juízes e desembargadores recebendo acima de R$ 100 mil em julho.
Todos os dados são públicos e estão disponíveis no Portal da Transparência do Tribunal de Justiça de Sergipe. Acesse AQUI.
Na outra ponta, estão os servidores efetivos do mesmo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE) que, segundo Jones Ribeiro, coordenador geral do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário em Sergipe (Sindijus/SE), recebem um dos piores salários do Judiciário brasileiro.
Vale destacar que o “subsídio” – como é chamado o salário dos magistrados – já começa num valor elevado para a média da população brasileira. Um juiz de primeira entrância (início de carreira) tem subsídio de R$ 33.924,93, enquanto um juiz de entrância final, após progressão, recebe R$ 35.710,46. Um desembargador, por sua vez, tem R$ 37,589,95 como subsídio.
E o Teto Constitucional?
Sobre esses valores incidem ainda os vários “auxílios’, mas também os descontos do Imposto de Renda e ainda uma trava, que é o Teto Constitucional. Ou seja, seguindo o Teto, ninguém poderia ter subsídio maior que R$ 37.589,95, que é o valor referente a 90,25% do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
A questão é que alguns pagamentos foram criados e chamados de “vantagens eventuais”. Elas foram aparecendo ao longo dos anos sobre os quais não incide essa limitação do Teto Constitucional. Por isso, não é raro encontrar valores astronômicos sendo pagos para muitos juízes e desembargadores, tanto da ativa quanto aposentados.
Essas bonificações são as responsáveis pelos ganhos elevados. Por exemplo, quatro magistrados receberam vantagens eventuais acima de R$ 80 mil. Se considerarmos os que receberam vantagens eventuais acima de R$ 40 mil, são 84 magistrados. Isso fez com que, somadas as indenizações aos subsídios e após os demais acréscimos e descontos, um total de 83 magistrados recebessem, só em julho, mais de R$ 70 mil em suas contas bancárias.
Licença-prêmio se transforma em pagamento
Para o Sindijus, o principal responsável por essa discrepância é a possibilidade de converter a licença-prêmio – um incentivo a servidores que não faltam ao serviço – em pagamento. A cada três anos sem faltar ao trabalho, conquista-se o direito de 90 dias de licença remunerada, que podem ser convertidos em dinheiro.
“Desde que a indenização de licença-prêmio foi criada, que é a conversão em pecúnia dos períodos de licença, a categoria já antevia os problemas da política, que possibilita a ocorrência de supersalários que desafiam a moralidade administrativa”, avalia Jones Ribeiro, coordenador geral da entidade.
Segundo ele, o Sindijus tem o entendimento de que, segundo o STF, apenas a Lei Orgânica da Magistratura tem competência para instituir vantagens remuneratórias para juízes e desembargadores e a indenização de licença-prêmio não é uma das verbas previstas no art. 65 da referida lei. “Isso porque, apesar de a lei que instituiu a indenização tratar o benefício como indenizatório, ele tem natureza salarial, conforme indica o Manual de Contabilidade Pública do Tesouro Nacional”, explica.
Jones destaca ainda que, além dos magistrados, alguns servidores ocupantes de cargos comissionados ou com incorporação de cargo em comissão (CC) também foram beneficiados com supersalários. “Um exemplo disso foi o de um técnico judiciário, de nível médio, com vencimento de R$ 5,4 mil que, graças a incorporação de CC, recebeu R$ 58,7 mil em julho”, revela.
“Em todo caso, o pagamento desses supersalários prova que dinheiro não é problema no TJSE e que a valorização dos servidores efetivos, que recebem um dos piores salários do Judiciário brasileiro, depende apenas de vontade política da gestão do órgão”, completa o dirigente sindical. Os servidores do judiciário, ainda de acordo com ele, estão em luta por valorização e encontram constantemente a recusa com o argumento de que não há possibilidade orçamentária no órgão.
TJSE: “todos os pagamentos são legais”
A Mangue Jornalismo apresentou questionamentos ao TJSE sobre essas indenizações. Por meio de sua diretoria de comunicação, a resposta foi que há amparo legal para os pagamentos.
“Sobre os questionamentos relativos ao pagamento da folha do mês de julho de 2023 obtidos no Portal da Transparência, o TJSE informa que todos os valores pagos a título de despesas com pessoal do TJSE estão em conformidade com a Constituição Federal, as Leis e a resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, diz a nota.
A Associação dos Magistrados de Sergipe (Amase) também foi procurada com os mesmos questionamentos, mas preferiu não se pronunciar.