Quando se fala em mobilidade urbana, é necessário considerar todas as formas de locomoção dentro da cidade. Em Aracaju, contudo, um dos maiores problemas enfrentados pela população está relacionado ao transporte coletivo. Em seus planos, os sete candidatos à prefeitura da cidade propõem a integração de vários modais, no entanto essa proposta não está de acordo com o recente edital de licitação de transporte público para a Região Metropolitana de Aracaju.
A capital sergipana é plana e tem uma geografia que parece ser favorável para que a mobilidade urbana em seus diversos meios ocorra sem grandes dificuldades, o que na prática não acontece.
Não importa se a pé, de ônibus ou bicicleta, transitar por Aracaju é sempre um grande desafio. Nas avenidas não há espaço para ciclistas, que arriscam suas vidas ao dividir o mesmo espaço com carros, ônibus, motocicletas e caminhões; pedestres correm risco por ausência de faixas; faltam semáforos em diversos trechos; as calçadas são estreitas e sempre destruídas, dificultando a circulação de cadeirantes, pessoas com baixa visão ou cegas, idosos e crianças.
Para além dos problemas de quem tenta se locomover de forma independente, o transporte público funciona a trancos e barrancos. Segundo a Setransp, são 230 mil usuários que dependem de coletivos para trabalhar e acessar serviços públicos, como redes de saúde, escolas, espaços de lazer e cultura, todos fundamentais para a garantia da cidadania.
No entanto, os ônibus cedidos pelas empresas privadas subsidiadas pela Prefeitura de Aracaju e pelo Governo de Sergipe são velhos e precários, com janelas que batem durante todo o trajeto, pisos esburacados e mal parafusados, portas quebradas, cadeiras em falso e acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida ou quase inexistente.
A Mangue Jornalismo já publicou uma série de reportagens que mostra que o Transporte em Aracaju tem ônibus caindo aos pedaços, incendiando e causando acidentes. O descaso com a mobilidade urbana da capital sergipana chega a causar fatalidades. Em agosto de 2023, um jovem de 29 anos morreu atropelado por um ônibus do transporte coletivo no Terminal Rodoviário Leonel Brizola. A vítima estava retornando do trabalho e tentava embarcar no transporte superlotado quando foi atingido pelo pneu do veículo.
Todas as (os) candidatas(os) à Prefeitura de Aracaju apresentaram propostas que prometem melhorar a mobilidade urbana. Mas a maioria das ações não aborda problemas recorrentes, como a estrutura dos veículos cedidos pelas viações contratadas, melhorias trabalhistas para os trabalhadores do sistema rodoviário e reavaliação do edital de licitação.
De acordo com o professor Magno Evangelista Pereira, especialista em transporte coletivo em regiões metropolitanas, “a licitação precisa acontecer de fato, pede-se urgência, mas não pode ser no atropelo. Até porque trata-se de uma concessão para os próximos 20 anos, [algo] que vai impactar diretamente em uma geração e várias gestões de prefeitos”.
Apenas os candidatos Zé Paulo (Novo), Emília Corrêa (PL) e Luiz Roberto (PDT) citam o edital de licitação de transporte coletivo em seus planos de governo. A Mangue já informou que o documento licitatório questionado pelo ministério público e suspenso temporariamente pela Justiça de Sergipe apresenta falhas e prevê a contratação de duas empresas para operar as frotas de ônibus.
Zé Paulo promete revogar a licitação do transporte, restabelecendo-a com critérios mais claros e previsão orçamentária do subsídio da passagem. Emília Corrêa cita que pretende atualizar a lei de tarifas e a licitação. Já Luiz Roberto promete garantir a continuidade do Consórcio Metropolitano, priorizando os critérios do edital de licitação “com celeridade e transparência no processo, mantendo os termos de subsídios para manutenção do preço da tarifa”.
Considerando a situação atual de precarização da mobilidade urbana em Aracaju, as propostas dos candidatos ao pleito municipal são genéricas e deixam muito a desejar: não há estratégias diferenciadas, sendo mencionadas apenas ações rasas, sem apresentar especificações sobre como serão executadas.
As propostas, em geral, são reformas dos terminais e abrigos de ônibus, ampliação de frotas, adequação de rampas, elevadores, semáforos sonoros, expansão de ciclovias, ciclofaixas, sistema de informação, monitoramento de rotas em tempo real e melhoria da sinalização de trânsito. As candidatas Emília Corrêa e Niully (PSOL) foram as únicas que citaram melhorias das condições laborais dos trabalhadores rodoviários.
A Mangue Jornalismo analisou e resumiu as propostas para a mobilidade urbana apresentadas nos planos de governo dos candidatos e candidatas. A íntegra dos documentos está disponível no site do TRE/SE.
CANDISSE CARVALHO (PT)
O plano de governo da candidata propõe tarifa zero a partir da criação de um fundo de custeio baseado na diversificação de receitas extra tarifárias que podem ser recursos de repasses estaduais e federais, além de receitas provenientes de estacionamentos rotativos, multas de trânsito, exploração de ações publicitárias, dentre outras atividades. Além da tarifa zero, ela também promete a integração de vários modais de transporte que visa facilitar o uso combinado de ônibus, bicicletas e outros meios para melhorar a mobilidade dos cidadãos. Porém, a candidata não especifica como a integração pode funcionar, e nesse sentido a implementação da proposta pode ser difícil, visto que o sistema de transporte da cidade já é complexo.
Sem citar a licitação de transporte público, a candidata propõe um projeto de transporte de baixa emissão, priorizando ônibus de qualidade com tecnologia energia verde, elétrica e híbrida. Sem a atualização do documento licitatório – o que não consta no plano de governo da petista – é inalcançável a implementação de uma rede sustentável de mobilidade urbana na capital, pois as empresas que executam o serviço de transporte de Aracaju não são obrigadas a fornecer ônibus elétricos. Seu plano de governo também promete melhorar os pontos de ônibus e terminais, ampliar as linhas de ônibus e utilizar corredores exclusivos para ônibus.
DELEGADA DANIELLE (MDB)
O plano de governo da candidata promete garantir a melhoria e a eficiência do transporte público, melhorar a qualidade da mobilidade e garantir a acessibilidade para toda a população. Porém, o documento não está organizado por categoria, as propostas são apresentadas de forma rasa através de tópicos formados por pequenas frases como “Buraco Zero”, “Aju de Bike”, “Bike Bônus”, “Sistema Viário de Integração com as novas Pontes”. Danielle não detalha quais são suas propostas e de que forma elas poderiam ser executadas.
EMÍLIA CORRÊA (PL)
A candidata promete trabalhar para que todos os cidadãos possam se deslocar com segurança e agilidade, promovendo um transporte público de qualidade e integrando todos os modais. Seu plano de governo traz propostas para as diversas categorias de transporte. Ela propõe a atualização e revisão da regulamentação de táxis, incentivo à substituição da frota de táxis por veículos elétricos através de parcerias com instituições financeiras, bem como implantação de pontos gratuitos de recarga a partir de um programa municipal de eficiência energética sustentável. Outras promessas são a regulamentação de aplicativos de transporte individual, como os serviços de mototáxi, e revisão da regulamentação de motoboys. As propostas da candidata carecem de detalhamento e dependem de parcerias e financiamentos que não são especificados.
As outras propostas da candidata têm foco em dois eixos: infraestrutura e melhorias de condições de trabalho. Para a infraestrutura de transporte, ela propõe a revisão e ampliação de corredores de transporte, modernização de terminais e a criação de um novo modelo de transporte de alta capacidade. A candidata não detalha a quais modelos se refere (BRT, corredores sustentáveis, VLT ou outros). Ela também planeja criar uma rede cicloviária integrada ao transporte público, incluindo paraciclos, e mapear rotas turísticas, mas sem detalhar como será possível integrá-los.
Seu plano de governo promete assegurar que os trabalhadores do setor de transporte tenham acesso a uniformes adequados, equipamentos de proteção e veículos em boas condições; melhorar as instalações dos postos de trabalho, garantindo um ambiente seguro, conectado e confortável; e estudos para implantar o Plano de Cargos e Salários dos agentes de trânsito.
A candidata não detalha quais servidores essas propostas atenderão. As propostas também carecem de especificações, visto que alguns serviços de transporte de Aracaju são executados por empresas privadas, algumas condenadas na justiça por infringir os direitos trabalhistas de centenas de funcionários.
LUIZ ROBERTO (PDT)
O candidato promete elaborar um Plano Municipal de Mobilidade em sintonia com as definições do plano diretor. A capital sergipana tem um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) desatualizado há mais de 24 anos. De acordo com outros eixos do plano de governo, o PDDU será revisto e atualizado.
Ele também promete dar continuidade ao plano de revitalização dos abrigos de ônibus e táxi lotação, dando prioridade para áreas degradadas, bem como aperfeiçoar o sistema de informação ao cidadão e informação física nos terminais e abrigos de ônibus. Entre as propostas, também constam melhorias nos serviços de táxi, com o desenvolvimento de um aplicativo, e a regulamentação de serviços como mototáxi e aplicativos de transporte.
O candidato promete ainda melhorias na sinalização e ampliação do uso de semáforos inteligentes para otimizar o tráfego, além da criação de um Centro de Controle Operacional integrado com a SMTT e a Guarda Municipal para monitoramento de vias e áreas de grande circulação. O plano também propõe obras de infraestrutura, como a duplicação do Viaduto Godofredo Diniz e a construção de novas avenidas para melhorar a interligação entre bairros. Nesse sentido, em momento algum o candidato cita a integração da melhoria da mobilidade urbana associada à sustentabilidade, o que pode ocasionar aumento do desmatamento e aterramento de manguezais na capital.
A implementação de semáforos inteligentes, novas tecnologias de monitoramento de trânsito e criação de aplicativos para os diversos modelos de serviços de transporte que atuam em Aracaju demandam altos investimentos. Todavia, o plano carece de informações claras sobre como esses projetos serão financiados, o que gera dúvidas sobre sua viabilidade econômica e tempo de execução.
NIULLY CAMPOS (PSOL)
A candidata promete a revogação da política de subsídio para as empresas privadas de transporte coletivo urbano intermunicipal. Seu plano sugere a criação da Tarifa Zero a partir da criação de uma EPMT – Empresa Pública Municipal de Transporte – a municipalização do transporte público com controle popular e criação de concurso público e plano de carreira e salários. Niully também cita a regulamentação dos serviços de mototaxistas e taxistas alternativos.
O plano de governo da candidata destaca somente ações voltadas para o transporte coletivo, ainda assim carece de informações sobre a viabilidade financeira das propostas. A candidata não apresenta projetos para meios de transporte independente, pedestres, ciclistas e trabalhadores rodoviários.
YANDRA (União Brasil)
A candidata pretende executar propostas para eixos voltados à mobilidade urbana moderna e inclusiva. Ela promete construir medidas de urbanismo sustentável e humanizado, com gestão direta da prefeitura para monitorar e ampliar ações eficazes. Seu plano de governo destaca que ela pretende estudar a unificação dos serviços de infraestrutura e a estrutura da SMTT e estabelecer um Departamento de Mobilidade Urbana.
Sem citar o edital de licitação de transporte público, promete uma integração temporal no Sistema de Transporte Público. O uso desse sistema não é uma obrigatoriedade das empresas que executam os serviços de transporte coletivo em Aracaju, visto que não está previsto no documento de licitação.
A candidata promete melhorar a infraestrutura dos terminais através da implementação de uma estrutura comercial com oferta de serviços, comodidades, espaços culturais e entretenimento, visando melhorar a experiência dos passageiros e transformar os terminais em centros dinâmicos de atividades urbanas. O documento cita ações que poderão ocorrer através de parceria público-privada (PPP). Não há detalhamento de como essas parcerias podem ser efetivadas. O mesmo ocorre com o projeto “Aracaju Mobiliza”, idealizado pela candidata para criar pontos de apoio para mototaxistas e profissionais informais de aplicativos de mobilidade e entregas. A prefeitura disponibiliza terrenos ou locais para a montagem desses pontos, que podem ser construídos em containers. O espaço, segundo promessas de campanha registradas no plano de governo, contará com infraestrutura adequada, incluindo banheiros, computadores e suporte de atendimento. A candidata não aborda a regulamentação dos serviços desses trabalhadores em seu plano.
ZÉ PAULO (Novo)
Seu plano de governo apresenta propostas para mobilidade urbana associadas à sustentabilidade. O candidato propõe avaliar a viabilidade e implementação de ônibus elétricos e veículos sobre trilhos (conhecidos como VLTs) como alternativa limpa e sustentável apta a contribuir para a redução de emissões de poluentes e ruídos, além de oferecer benefícios operacionais a longo prazo, com aproveitamento da via férrea de Aracaju.
O candidato garante que seus projetos para mobilidade visam transformar a realidade, “promovendo uma mobilidade urbana mais eficiente e sustentável para todos os cidadãos”, com o compromisso de uma mobilidade integrada e sustentável. Porém, seu plano de governo aborda somente o transporte coletivo, não há nenhuma proposta para melhoria das ciclovias, faixas de pedestres ou outros meios de locomoção complementar.
TRANSPARÊNCIA: A cobertura das eleições em 2024 está sendo realizada pelo consórcio formado pela Mangue Jornalismo, Ladata (Liga acadêmica de ciência de dados da UFS) e o Observa! (Observatório de Fake News do Centro de Excelência Atheneu Sergipense).