CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo
@josecristiangoes
A Mangue Jornalismo continua a publicar reportagens da série sobre o período da ditadura militar em Sergipe. A base dos textos vem do relatório final da Comissão Estadual da Verdade (CEV/SE), organizado por Andréa Depieri e Gilson Reis.
Na reportagem de hoje, veremos que as disputas de terra entre camponeses e latifundiários ocorridas durante a ditadura militar de 1964 na região do rio São Francisco, em Sergipe, foram enquadradas e tratadas como uma questão de Segurança Nacional, mobilizando os aparatos de informação e de repressão do Estado brasileiro.
De uma maneira geral, os aparelhos de Estado operavam a favor do latifúndio nos conflitos agrários, omitindo-se, quando não participando, das graves violências ocorridas, sistematicamente, no campo.
Vale relembrar que em 1960 foi fundada a Diocese de Propriá/SE, tendo à frente, até o ano de 1987, o bispo Dom José Brandão de Castro. Sob o comando dele, a Igreja Católica, no Baixo São Francisco, tentou agir conforme diretrizes do Concílio Vaticano II (1961-1965) e das Conferências Gerais do Episcopado Latino Americano de Medellín – Colômbia (1968) e Puebla – México (1979). Isso significa uma dedicação à causa dos mais pobres, com ações na educação e na organização de camponeses.
Nos anos 1970, à medida que os trabalhadores rurais organizavam-se em sindicatos, apoiados pela igreja, as disputas pela terra intensificaram-se em toda a região da Diocese de Propriá. Membros da igreja atuando com as comunidades pobres eram vistos como “comunistas”.
O status de periculosidade e subversão era atribuído aos religiosos tanto pelas elites locais como pelo próprio Estado. Por isso, padres, freiras e leigos atuantes na defesa dos mais pobres foram considerados como perigosos inimigos do Estado, o que fez com que fossem constantemente monitorados pelo Serviço Nacional de Informação (SNI).
“Sempre tinha pessoas para fiscalizar, para fazer o leva e traz […] Era difícil o trabalho. A presença da Polícia Militar era constante. E vou dizer que a gente vivia com medo. De vez em quando, Dom Brandão e alguns padres eram chamados pela Polícia Federal, aí iam depor horas e horas… Depor o quê? Que estava trabalhando com os pobres?”, disse irmã Francisca em depoimento à CEV/SE.
Prisões, espancamentos e tentativa de homicídio
A pesquisa realizada pela CEV/SE, em especial os depoimentos prestados na Audiência Pública realizada em Propriá, permitiram identificar, além do monitoramento constante e do corte de verbas para as ações sociais da igreja, uma série de violações difusas aos direitos humanos ocorridas na região do Baixo São Francisco nos anos 1970 e 1980, a exemplo de ameaças, prisões, espancamentos e expulsões.
“Irmã Hermínia foi espancada […] No ano de 1973, Frei Roberto é espancado. Dom Brandão sofre uma tentativa de morte em Santana dos Frades. Eu fiquei preso, o presidente do sindicato também, Jorge Pereira Lima, umas 15 pessoas foram detidas no Fórum de Porto da Folha por ordem do juiz Francisco Novaes, que era dos fazendeiros, e ele tinha um latifúndio jurídico, onde mandava de Canindé até Gararu”, disse Frei Enoque na CEV/SE. O religioso lembra do tenente Costa, “era o ‘bigode de aço’, que era terrível na perseguição a qualquer cheiro de ocupação de terra”.
Padre Isaías Nascimento (2017, p. 136) escreve que “na terça-feira da Semana Santa de 1979, João Britto, acompanhado de quatro capangas, rasgaram as redes de pesca e agrediram o índio Pedro Dália a ponto de ele ir parar no hospital. No mesmo ano, Élcio Brito, irmão de Toninho, ameaçou de morte o padre Nestor, na época pároco de Canhoba”.
“Eu me lembro que o Judiciário de Sergipe estimulava postura de juízes corruptos violentos, e de juízes comprometidos com o capital, comprometidos com os proprietários rurais, latifundiários, usineiros, essas pessoas que massacravam a maioria dos trabalhadores”, contou o ex-deputado estadual Renato Brandão para a CEV/SE em setembro de 2017.
Ele disse que “o Tribunal de Justiça de Sergipe entregou nas mãos de um único juiz a condução da Justiça de Canindé a Brejo Grande, de Brejo Grande a Propriá. Era o rei do sertão, era chamado o rei do baixo do São Francisco! Ele mandava na Justiça, no Ministério Público, na delegacia de polícia, nas prefeituras e nas câmaras de vereadores. E fazia tudo ao contrário dos interesses do povo, massacrava a população”.
Renato Brandão lembra “que em Pedras Grandes, por uma decisão liminar da alçada de Francisco Novaes, não apenas foram desocupadas as áreas onde os trabalhadores ocupavam, mas foram queimados barracos e os animais que estavam amarrados próximos aos barracos. Foram destruídos utensílios domésticos”. Frei Enoque complementa: “Eram perseguições, prisões, invasão da catedral, da casa paroquial, isso com o delegado dando cobertura, o tenente Edmundo Santana, de uma família muito importante”.
A luta do Xokó também entrou na mira da ditadura
Documentos da CEV indicam que a ditadura acompanhava a dinâmica dos conflitos decorrentes da luta pela terra em Sergipe. O caso do povo Xokó é bastante representativo, porque Estado brasileiro funcionava seja se omitindo, deixando nas mãos dos poderosos da região, quando não colaborando diretamente com ações truculentas dos latifundiários.
A partir do caso dos Xokó é possível visualizar como o Estado brasileiro, em nome do “combate ao comunismo”, aliado à elite agrária e política no Baixo São Francisco, chancelava mecanismos de exploração e de violação aos direitos dos mais pobres, ao tempo em que reprimia as tentativas de organização para a reivindicação de direitos. O ápice do conflito se deu quando, em setembro de 1978, algumas famílias ocuparam e cercaram a Ilha de São Pedro, de propriedade de Elizabeth Guimarães Britto.
Em outubro de 1978, foi instaurada, no âmbito da Polícia Federal, uma investigação para apurar denúncia de que, em 14 de setembro de 1979, a Fazenda Belém (onde estava situada a Ilha de São Pedro), em Porto da Folha, havia sido “invadida por cerca de cem pessoas que cercaram a área ocupada”.
Além da denúncia feita pelos proprietários, a instauração do procedimento policial foi determinada pelo então ministro da Justiça, Armando Falcão, que por sua vez fora comunicado dos fatos através um telex enviado pelo então governador de Sergipe, José Rollemberg Leite, em 19 de setembro de 1978. A comunicação feita por Rollemberg Leite, foi classificada como “sigilosa”.
O superintendente da Polícia Federal em Sergipe à época, delegado Carlos Augusto Machado Lima, em comunicado ao diretor geral da PF, esclareceu que muito embora se tratasse de “mais um caso que acontece por todo o interior do País e cuja apreciação é da alçada das autoridades estaduais, com decisão também da Justiça local”, havia decidido pela instauração de procedimento, porque fora procurado pelo prefeito de Propriá, um dos líderes políticos da região, “pertencente a ARENA” e filho de Elizabeth Guimarães Britto (proprietária das terras).
Ademais, o prefeito esteve na PF junto com um assessor direto do governador e denunciado que havia “o envolvimento do clero por meio de frades já bastante conhecidos dos órgãos de Segurança e Informações”. A PF esclareceu que já estava buscando “perfeito entrosamento com o Comando Militar da Área” para atuar no conflito.
De fato, a família Britto exercia seu poder político sobre a cidade de Propriá, situada a mais de 80 quilômetros das suas fazendas, conhecidas como Caiçara e Belém, onde estava situada a Ilha de São Pedro e cujos títulos de propriedade possuíam por quatro gerações. Antônio Guimarães Britto, filho da proprietária, tornara-se prefeito em 1976 e os membros da família, naquela época, eram leais apoiadores do governo militar. (FRENCH, 2009, p. 47, nossa tradução).
O superintendente da PF determinou a ida de dois agentes ao local e o relatório deles reconhece não ter havido “invasão”, pois “ali existem diversas famílias que há muito tempo trabalham e vivem do arrendamento, do plantio e do trabalho vendido ao do no da terra. Ali existe um verdadeiro feudo” (IPP 01/79, p.18). Segundo esse relatório, as famílias, cerca de 22, vinham sendo sistematicamente privadas do uso da terra, cercaram uma parte da ilha, e isso não se configurava como uma invasão porque as famílias nasceram e se criaram nessas terras.
A situação de penúria era tal, que os agentes da Polícia Federal incumbidos de investigar os campesinos que haviam cercado a Ilha (e eram tomados por invasores), chegaram até mesmo a lhes dar dinheiro, uma vez que eles haviam sido proibidos, inclusive, de pescar.
Fim do primeiro inquérito e denúncia contra religiosos
Como consequência desse entendimento, ao não vislumbrar a ocorrência de ilícito penal, a autoridade policial sugeriu o arquivamento do inquérito e o fim das investigações policiais. Ocorre que Elizabeth Guimarães Brito apresentou nova notícia crime à Polícia Federal: alegou “que o Bispo de Propriá – Dom José Brandão de Castro e os frades franciscanos Roberto e Enoque Salvador de Melo estariam incursos na Lei de Segurança Nacional, requerendo, por conseguinte a instauração de inquérito policial”.
Por essa razão, foi instaurado um segundo procedimento de Investigação Policial Preliminar, em 15 de fevereiro de 1979, autos nº 01/79. Desta feita, sob a presidência do delegado Hugo Penalva Santos de Moraes Sarmento, as investigações chegaram a uma outra conclusão:
“O Bispo de Propriá/SE – Dom José Brandão de Castro o os seus asseclas, a maioria dos quais alienígenas(fls.203), com a cultura e a inteligência que lhes é peculiar, ardilosamente buscam explorar a situação por eles criada, fazendo uso de jornais e outros meios de comunicação social, jogando pessoas analfabetas e semianalfabetas, contra os proprietários de terras da região, incitando-os à subversão político social, à luta contra outras classes sociais, à desobediência coletiva às lei e ao ódio com discriminação social”.
Ainda segundo esse relatório “José Brandão de Castro usa o nome dos índios ‘xocós’ como frontispício para os seus desígnios, embora plenamente sabedor que essa espécie (sic) de índios, há muito acha-se extinta”.
A autoridade policial sugere que Dom Brandão seja enquadrado na Lei de Imprensa e que junto com seus auxiliares e o presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Porto da Folha sejam todos enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
O superintendente da Polícia Federal em Sergipe, Carlos Augusto Machado Lima, manifestou estar de “pleno acordo” com o novo relatório e remeteu os autos de investigação ao diretor geral do DPF. Os autos da investigação conduzida pela Polícia Federal foram copiados e anexados ao “dossiê de José Brandão de Castro” junto ao Serviço de Informação. No DPF, após cuidadosa análise da Central Policial, foi produzido parecer, de 27 de abril de 1979, propondo o arquivamento do feito, considerando tratar-se de um problema de terras da alçada da Justiça Comum e por não haver configuração de crime contra a segurança nacional. Por fim, o então ministro da Justiça, Petrônio Portella, determinou o arquivamento das investigações, em 17 de julho de 1979.
A Igreja toma parte no conflito e o medo de um novo Canudos
Sem a capacidade de reconhecer sua própria identidade, em face do processo de aculturação de seus antepassados, as famílias da Ilha de São Pedro, não eram capazes de se articular em face do poder econômico e político da região, nem na defesa dos seus direitos mais elementares, muito menos da sua própria terra. A Diocese de Propriá mobilizada na defesa dos mais pobres, inevitavelmente, entre forte nesse caso.
O primeiro relatório de missão da PF, ao passo em que reconheceu que os fatos apurados não se caracterizavam como “invasão de terra”, indicava que as famílias “recebem orientações de caráter subversivo, pois como todos sabemos, tanto o Bispo de Propriá, como os demais religiosos citados, têm tendências esquerdistas. Devido ao Estado de Miséria (sic) dessas 22 famílias, ali poderá surgir em futuro próximo um CANUDOS e por isso há necessidade de estarmos atentos” (IPP 01/79, p.17).
Enquanto a disputa pela terra tramitava judicialmente e a repressão política focava na ação dos padres, especialmente Dom Brandão – que terminara como alvo da investigação policial – a violência, de forma difusa e nem sempre identificada, se intensificava na região.
Em um momento máximo de tensão, no dia 26 de novembro de 1978, durante a missa das 19 horas, na Catedral de Propriá/SE, deu-se uma investida contra os celebrantes padre Ettienne Lamaire e o irmão marista Fábio Alves dos Santos, por parte dos parentes do fazendeiro Antônio Fernandes de Britto, Antônio Guimarães de Brito (que era o prefeito), João e Ivan Brito, Paulo Rezende e outros. Os religiosos, acusados de protegerem os invasores da Ilha de São Pedro, foram agredidos entre palavrões, solavancos e puxões de cabelo, tendo saído ilesos porque protegidos pelo povo presente (NASCIMENTO, 2017, p.134 e 135).
De acordo com Carlos Aberto Santos, em depoimento para a CEV/SE, a Catedral foi atacada porque ali eram realizados encontros para a mobilização das pessoas em torno da defesa da terra e da identidade dos Xokó.
Dom José Brandão realizou uma missa de reparação e solidariedade à Igreja de Propriá/ SE, em homenagem ao “povo sofrido e faminto da Caiçara” (NASCIMENTO, 2017, p. 135), mobilizando a opinião pública, que já vinha acompanhando os acontecimentos através da imprensa.
De fato, o suporte da Diocese de Propriá/SE, bem como a formação do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Porto da Folha/SE, foram fundamentais para que os Xokó retomassem da Ilha de São Pedro neste processo de disputa das terras e, mais que isso, a partir daí foi possível resgatar a identidade indígena das famílias da localidade.
A situação de tensão social decorrente da disputa pela terra era enorme. Havia ordem de despejo das famílias, decorrente do julgamento da ação judicial proposta, a ser cumprida até o dia 07 de dezembro de 1979. A opinião pública acompanhava o caso através de uma sequência de matérias que expunham os conflitos entre os Britto e os Xokó e havia mobilização pela causa indígena.
Assim, não coincidentemente, no dia 7 de dezembro de 1979, em vez da desocupação da área, o Governo do Estado de Sergipe, através do Decreto nº 4.530/79, assinado pelo então governador Augusto do Prado Franco, declarou de utilidade pública as terras da Ilha de São Pedro e indenizou a família Britto, o que encerrou o conflito na Ilha de São Pedro.
Fragmentos da luta política nos anos 1980: a elite de Canhoba contra a igreja
Após a promulgação da Lei de Anistia (1979), o Brasil se move em direção à redemocratização. O que não aconteceu, contudo, sem embates políticos das mais diferentes ordens. Por exemplo, no livro “Dom Brandão: um pastor com cheiro de ovelhas”, padre Isaías relata uma passagem ocorrida no município Canhoba, no ano de 1980 e que revela a perseguição do poder político ao clero.
Os religiosos em questão são o padre Nestor Mathieu, as irmãs Terezinha e Francisca, ambas da Caridade de Namur, e ainda os populares da Comissão da Festa do Santo Cruzeiro. É relatado que a classe política de Canhoba invadiu, em 31 de maio daquele ano, a Igreja Nossa Senhora da Conceição e de lá retiraram a imagem do Santo Cruzeiro.
Em resposta à ação, Dom José Brandão realizaria uma missa na praça, em frente à Igreja. No entanto, políticos locais, acompanhados de jagunços, impediram a realização por meio de violência moral.
Pouco mais de um mês depois, durante a passagem do papa João Paulo II por Fortaleza, um grupo de bispos escreveu uma carta em apoio a Dom Brandão, aconselhando-o para que não desanimasse e perseverasse na luta.
A vigilância do SNI de olho no “fim” das bençãos aos bancos
Em agosto de 1981, a Agência de Salvador do Serviço Nacional de Informação da ditadura produziu um informe cujo assunto era o bispo da Diocese de Propriá/SE, Dom José Brandão de Castro. Nele é relatado um conflito de interesses instaurado a partir do posicionamento de Brandão de não mais abençoar as inaugurações de agências bancárias, tendo em vista o posicionamento em favor dos pobres que a igreja tomara ainda nos anos 1960. Assim, a igreja não poderia compactuar com a benção de instituições de especulação financeira, tendo a situação sido publicada, segundo documento, no jornal Gazeta de Sergipe.
O documento cita a recusa de Dom Brandão a dar a benção à abertura de agência bancária, tendo esta atitude sido seguida pelos párocos de Nossa Senhora das Dores/SE e Nossa Senhora da Glória/SE. O episódio teria causado espanto, entre os conservadores. O presidente do Banco do Estado de Sergipe (Banese), teria se defendido dizendo que o Banco do Estado não deveria ser confundido “com aqueles que especulam juros extorsivos e defendem lucros assombrosos de 500 por cento num semestre”.
Propriá como exemplo e as terras de Santana dos Frades
Em agosto de 1981, o informe produzido pelo Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) tem como assunto o Movimento da ‘Não-violência’. Tal Movimento realizou um evento em Juazeiro, distrito de Carnaíba/BA, e relatou as injustiças que ocorriam no rio São Francisco pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), forçando a expulsão e a miséria dos trabalhadores rurais que moravam na região.
O documento, apesar de não tratar diretamente de Propriá/SE, utiliza o município como base para denunciar o Movimento da “Não-violência”, defendido pela igreja, sobretudo por aqueles adeptos da Teologia da Libertação. Para base deste documento é utilizado um artigo da revista “A Visão”, publicado na edição de 4 de maio de 1981, que indica que Propriá/SE faz parte deste Movimento. A “Nãoviolência” representaria um significativo perigo ao regime, tanto pelo que prega, quanto pelo apoio, em massa, da Igreja católica.
O livro do padre Isaías também retoma a disputa de terras da Fazenda Santana dos Frades. No século XIX, os frades Carmelitas deixaram a região de Santana dos Frades (município de Pacatuba/SE) e abriram espaço para a aquisição violenta das terras pelo coronel Manoel Gonçalves.
A partir de 1978, sob orientação de Dom Brandão, os trabalhadores rurais, que eram obrigados a trabalhar nas terras e pagar renda a Gonçalves, procuram a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Sergipe (Fetase) que judicializa o caso de ocupação indevida. Com isso, o coronel vende as terras à Serigy Agro-Industrial e mais tarde o Judiciário estadual dá parecer a favor do grupo empresarial.
Em 1980, sob ordem judicial, os trabalhadores são expulsos das terras sob ameaças de morte por parte dos agentes de justiça e policiais. Após o caso, D. Brandão lança uma nota de esclarecimento que dá notoriedade ao assunto. Como consequência, em 1981, o governador Augusto Franco (PDS) reconheceu 93 famílias como tendo posse de uma parte da terra reivindicada.
Financiamento externo e o clero como “Organização Subversiva”
Em 15 de junho de 1982 é produzido um documento da Agência Salvador do SNI, cujo assunto principal é a atuação do clero progressista. O escrito narra o recebimento de dólares, originários da Bélgica, por parte da Diocese de Propriá/SE, tendo em vista que havia dois padres belgas que compunham o Conselho da Igreja. O dinheiro seria trocado no mercado ilegal de câmbio para financiar atividades consideradas subversivas na região do Baixo São Francisco.
O órgão registra ações do clero em Propriá/SE como a exibição de filmes de teor político, sobretudo acerca da reforma agrária, para os moradores. O relatório continua afirmando que a Diocese de Propriá/SE construiria uma resistência popular à barragem de Xingó, em Poço Redondo/SE, incitando os locais a não abandonarem a área.
O relatório de 27 de abril de 1984, da Agência Salvador do SNI, tem como assunto principal o “Levantamento da subversão no estado de Sergipe”. O documento classifica o clero progressista como uma OS (Organização Subversiva) com reflexos em vários segmentos da sociedade. A Igreja estaria promovendo uma expansão dessas organizações subversivas, a exemplo do “meio universitário onde encontra campo mais propício para atuar com maior desenvoltura”.
O relatório afirma que há duas vertentes de atuação das OS: uma na capital do Estado, que produziam material impresso como livros, panfletos, etc; e outra no interior, sobretudo na região de Propriá, e com especial atenção em Santana dos Frades, onde diversos conflitos entre “posseiros”, liderados por agentes pastorais, e proprietários de terras foram travados.
O relatório apócrifo da inteligência afirma que, pela presença dos padres belgas na região, haveria apoio do PCB que, junto aos membros da Igreja, pretendiam operar uma revolução socialista a partir das camadas desafortunadas da sociedade.
Essa conclusão é corroborada por uma carta, datada de 1982, anexada ao documento e que seria a despedida dos belgas Nanou e Jean-Noel, que vieram ajudar a missão religiosa na região. No escrito, eles lamentam a partida, principalmente por sentirem que estavam abandonando o “processo político socialista” iniciado no Brasil. Estavam indo embora do Brasil por necessidade financeira. Na Bélgica, seriam assalariados. Agradecem a instituições como a Juventude do Meio Popular, a CPT, a CIMI e os partidos de oposição PT e PMDB, os membros da igreja (em especial Dom Brandão) e sua própria nação belga por tê-los financiado aqui.
A interdição da Igreja Matriz de Ilha das Flores/SE
Bem como o caso anterior, este refere-se ao conflito da elite política local e os membros da Diocese de Propriá/SE. De acordo com o livro sobre Dom Brandão (NASCIMENTO, 2017, p. 149), em 31 de maio de 1980, forças políticas de Ilhas das Flores/SE invadiram e trocaram a fechadura da paróquia da cidade, fizeram abaixo-assinado com 145 assinaturas para expulsar os clérigos da região e assim se dá a interdição da Igreja Matriz, por parte de Dom Brandão.
A suspensão desta interdição ocorre em 1984, quando há reconciliação. Ademais, a partir deste episódio o bispo Dom Brandão encontra-se pessoalmente com o governador Augusto Franco (PDS) e, aproveitando o momento, lança uma nota pública pedindo o fim das violências sofridas, verbal e fisicamente, e relembrando os episódios ocorridos entre 1978 e 1980, para que não fossem esquecidos os atos brutais cometidos por políticos, latifundiários e juízes, entre outros.
FRENCH, Jean Hoffman. Legalizing identities: becoming black or indian in Brazil’s northeast. The United States of America: The University of North Carolina Press, 2009.
NASCIMENTO FILHO, Isaías Carlos, pe. Dom Brandão: um pastor com cheiro de ovelhas. Belo Horizonte: Gráfica O Lutador, 2017.
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