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Há algo errado no País do Forró. Sergipe precisa implantar o ano todo políticas públicas mais consistentes para a cultura do forró

TIAGO PAULINO, especial para a Mangue Jornalismo

Na cidade de Malhada dos Bois, região sergipana do Baixo São Francisco, uma criança se encantava ao ver um senhor tocando sanfona na varanda de sua casa.  Essa imagem é uma memória real.

“Eu devia ter uns 10 anos. Ele estavam numa varanda tocando. Eu fiquei olhando e achando bonito. Ele perguntou se eu queria tocar sanfona. Respondi que se eu pudesse eu queria. Aí eu dei uma experimentadinha e foi uma alegria tão grande que eu senti! Tocar sanfona, eu achava que era um sonho até impossível. Meus pais não podiam ajudar em nada”.

Vale contextualizar o sonho impossível: uma sanfona custa atualmente de 3 mil a 17 mil reais. Naquela época, uma família da zona rural comprar uma sanfona para alguém era de fato um grande desafio.

A criança do relato acima não só aprendeu a tocar sanfona, como constitui uma das mais expressivas carreiras em termos de composições autorais. Cresceu, adotou o nome artístico de Edgard do Acordeon e teve uma trajetória de mais de 55 anos de forró. Mas o que vale aqui destacar nessa história acima foi a experiência de Edgar ter acesso a uma sanfona logo na infância.

No entanto, apesar de grande valor da Forró Sergipano, Edgar conseguia realizar mais shows em cidades do Sertão da Bahia do que na capital do seu estado, Aracaju. Hoje, se pedirmos para sergipanos citarem ao menos três músicas de Edgar sei que a maioria terá dificuldade.

Sim, há algo errado no “País do Forró”. E as aspas aqui vão para um alerta: precisamos ter políticas públicas mais consistentes o ano todo para a cultura do forró. Isso naturalmente não é culpa de uma só gestão pública. Aqui vão três sinceros elogios aos festejos deste ano: a reativação da Ópera do Milho e o fortalecimento de dois celeiros de tradição: a Rua São João e o Arriá do Arranca Unha, no Centro de Criatividade. 

Antonia Amorosa é proativa e, como artista, constituiu uma carreira inegável. Há pouco tempo no cargo de presidenta da Funcap, ela tem uma equipe que se esforça para fazer um bom trabalho. Mas o que destaco aqui para os Festejos Juninos, vale para todo setor cultural. São necessárias políticas estruturantes: Quais funcionários do setor cultural são concursados, por exemplo? É possível pensar em um orçamento da cultura que vá para além dos grandes eventos? Como envolver os jovens e atores culturais na participação da arte popular?

Uma política cultural se dá em várias frentes e muitas responsabilidades, mas todas elas passam por orçamento e discussões do que entendemos por “fortalecimento da cultura e identidades”. O fortalecimento passa inevitavelmente pelo diálogo contínuo com os setores da cultura. Passa pelo entendimento que o palco não é somente diversão, mas também formação de público.   

Muitos artistas aguardam o ano todo para se apresentarem nos festejos juninos e é fato que não há palco para tantos talentos que temos em Sergipe. Mas quem disse que a solução para o forró sergipano está somente nos eventos?  Por que não poder público auxiliar tecnicamente os forrozeiros a ganharem dinheiro com seus talentos na internet?

O que impede o poder público de criar ou estimular escolas de sanfoneiros e outras artes? Em Pernambuco, por exemplo, existe o Balé Popular do Recife e Escolas de Frevo. Porque nós não podemos fazer algo com a cultura sergipana?  Sergipe tem um Plano de Cultura do Estado aprovado em novembro do ano passado. O desafio agora é o poder público e sociedade civil colocarem em prática o que é proposto. Quem sabe assim o País do Forró – agora sem aspas – poderá respeitar e valorizar seus inúmeros talentos. 


Tiago Paulino é jornalista e doutor em Sociologia. É pesquisador das culturas populares onde desenvolveu uma tese sobre as relações de poder e as identidades na circulação do forró. Participou de produções audiovisuais ligadas arte nordestina. Produziu podcasts voltados para a circulação arte esquecida pelos grandes veículos.

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Uma resposta

  1. Bom dia Tiago Paulino, que ótimo artigo quando pude rememora o saudoso Edgard do Acordeon, cuja história ocorreu de fato na Fazenda Brejinho, de meu avô Maneca, e meu pai, Luiz Alves, foi quem proporcionou a sanfona, encantado que ficou pelo seu talento musical, e pela sua capacidade de compor músicas, que como você bem colocou, poucas pessoas conhecem. Realmente, Edgar do Acordéon, era mais conhecido em Monte Santo e Tucano, no Raso da Catarina , do que aqui em Sergipe, e seu artigo traz colocações importantes para os gestores públicos da cultura sergipana refletirem na promovam politicas públicas mais consistentes para dinamizar a cultura do forró!
    Parabéns, e aqui também registro, que você herdou do querido pai, Professor José Paulino, a paixão pelo forró, resgatando assim um grande pela grande lacuna que ele deixou no cenário da cultura sergipana!

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