RICARDO MASCARELLO, especial para Mangue Jornalismo
(@mascarelloricardo)
Em um momento singular onde a extrema pobreza avança no Brasil cercada pelo quadro das moradias precárias, da ausência de saneamento básico, do acesso a serviços prioritários e em meio às mudanças climáticas e o racismo ambiental, torna-se fundamental os investimento públicos em obras voltadas, principalmente para a melhoria dos assentamentos precários em áreas de risco com foco na moradia e equipamentos prioritários. São muitas pessoas vivendo em situações vulneráveis em Aracaju e Sergipe em áreas sem saneamento ambiental e muitas moradias insalubres carecendo de melhoria habitacional.
O contexto ambiental aracajuano e sergipano se encontra hoje sob uma devastação e um descuido latente quanto a preservação, conservação e recuperação do ambiente natural.
O quadro historicamente já não era salutar e com o avanço das mudanças climáticas evidenciadas pelo aumento das temperaturas, das precipitações pluviométricas tem se perpetuado um desconforto ambiental e ocasionando vários desastres ambientais como enchentes, desmoronamentos e riscos à vida.
Premente a isto, o mundo inteiro se desloca para a Agenda Global do Desenvolvimento Sustentável e para a Transição Ecológica com o objetivo maior de amenizar os impactos e consequências ambientais produzidas pelos homens há várias décadas.
Em Aracaju e no Estado de Sergipe não é diferente quando observamos os legítimos aumentos de temperatura e regiões suscetíveis a alagamentos. Ao contrário da Agenda Global, tanto Aracaju quanto Sergipe, seguem em um caminho de desprezo à preservação do meio ambiente trilhando uma perspectiva de total abandono das premissas ambientais e transitando por uma linha aberta de permissividade de obras, atividades econômicas e intervenções urbanas que vão em sentido contrário a conservação ambiental.
Exemplos do movimento predatório em Aracaju e em Sergipe
Seguem alguns exemplos claros deste movimento predatório que estão ocorrendo em Aracaju e em Sergipe.
No âmbito Municipal:
– vários novos condomínios na Zona Sul de Aracaju com aterramento de lagoas e supressão de dunas e vegetação;
– permissividade no licenciamento urbanístico causando sérios impactos;
– supressão de árvores para implantação do corredor de ônibus da Hermes Fontes;
– aterramento de mangue para construção da Perimetral Norte;
– devastação da reserva das mangabeiras no bairro 17 de março;
– falta de um plano holístico de planejamento urbano e ambiental;
– ausência de um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano responsável com o futuro da cidade;
No âmbito estadual:
– liberação de loteamento e parque temático em área de preservação permanente junto a foz do Rio Vaza-Barris;
– execução de pavimentação asfáltica na Rodovia SE -100 Norte junto a Reserva de Santa Isabel sem preocupações de ecotécnicas a exemplo de uma rodovia parque com pavimentação permeável;
– liberação sem licença ambiental da carcinicultura junto aos rios e manguezais;
– conselho estadual de meio ambiente sem representação científica;
– inexistência de obras e ações em prol da recuperação e conservação ambiental;
– ausência de um plano e aplicações efetivas para o desenvolvimento sustentável de Sergipe;
Feita a contextualização deste breve cenário sobre os descaminhos que vem ocorrendo em Sergipe é fundamental chamarmos a atenção da sociedade sobre um futuro nada promissor quanto a sustentabilidade ambiental e a vida dos sergipanos.
“Aracaju Cidade do Futuro” para quem?
No momento assistimos a Prefeitura de Aracaju executando obras soltas sem um projeto de cidade! Quando pensamos na expressão “Aracaju Cidade do Futuro” logo questionamos: Que cidade queremos para o amanhã? Quais as bases filosóficas e ideológicas para pensarmos a cidade do futuro? Percebemos logo que o projeto Aracaju Cidade do Futuro se concentra apenas em obras isoladas sem uma base conceitual com vistas a um futuro promissor.
Nesse ensejo do financiamento de 500 milhões captados pela Prefeitura Municipal de Aracaju podemos destacar uma das obras para exemplificar esta falta de planejamento que se refere à implantação do canal de macrodrenagem da antiga Zona de Expansão e construção de uma avenida. Uma intervenção que afetará profundamente o ecossistema natural da região, principalmente quanto às lagoas de drenagem natural e o próprio rio Santa Maria. Será uma obra que causará sérias mudanças ambientais afetando sensivelmente a fauna, a flora e todo o sistema hídrico da antiga Zona de Expansão.
Estudos feitos pelo Grupo de Gerenciamento Costeiro de Sergipe apontam um problema futuro com a implantação da macrodrenagem quanto a secagem das lagoas e profundos impactos no solo. Uma intervenção desta monta deveria levar em consideração o hall de ecotécnicas e infraestrutura verde e azul que temos à disposição para pensarmos cidades mais saudáveis e sustentáveis. Uma gama de experiências mundiais que vem ocorrendo a exemplo de China, Colômbia, Dinamarca, entre tantos outros países.
Poderíamos vislumbrar do ponto de vista ambiental e urbanístico uma ocupação preservando as lagoas, de edifícios em meio ao verde e as águas e a utilização de ecotécnicas para o tratamento sanitário. Vale lembrar aqui que é muito mais rápido executar obras com técnicas tradicionais, mas que muitas vezes são de visão ultrapassada e causarão sérios impactos negativos em um futuro bem próximo.
“Programa Acelera Sergipe” para quem?
Quanto às obras apresentadas pelo Governo do Estado de Sergipe no Programa Acelera Sergipe percebemos intervenções não estruturantes em uma visão do estado como um todo. Ao analisarmos o pacote de obras propostas percebemos projetos isolados e pontuais nos municípios.
Ocorre uma ausência de um Plano Macro Estruturante e alicerçado pela Agenda Global do Desenvolvimento Sustentável. Podemos também aqui citar os exemplos dos altos investimentos do PL 37/2023 em equipamentos culturais a exemplo do Memorial dos Náufragos, do Memorial do Cangaço e do Museu do Forró.
Estes R$ 85 milhões que serão investidos nestes 3 equipamentos museológicos poderiam gerar um retorno social muito mais abrangente e sensível para a população sergipana que carece de educação, cultura e lazer, se fossem desdobrados em pequenos equipamentos culturais espalhados por todo o território sergipano sem contar dos altos custos de manutenção e custeio de gestão para o governo daqueles museus e memoriais.
Fica claro que investimentos bem planejados favorecem a maioria da população e não apenas a concentração em equipamentos isolados. Com estes R$ 85 milhões seria possível construir em vários municípios sergipanos pequenos equipamentos públicos a exemplo dos Centros Educacionais Unificados – CEUs, Parque Bibliotecas e Unidades de Vida Articulada que contemplam atividades de esporte, cultura e lazer.
Nova Ponte Aracaju/Barra
Uma outra reflexão importantíssima para ser feita é a futura construção da Nova Ponte Aracaju/Barra que poderá chegar a um montante no entorno de R$ 1 bilhão.
O primeiro ponto é que já temos uma ponte. É fácil de perceber que Sergipe teria muitas outras prioridades a exemplo das demandas da população de moradia, saúde, segurança alimentar, transporte, saneamento, educação, etc. Em uma visão holística e de desenvolvimento social as estratégias seriam melhorias na atual ponte Construtor João Alves com intervenções nas cabeceiras e alternação de fluxos das faixas nos horários de pico.
Os países em transição ecológica estão apostando na alternativa da diversificação modal e neste caso Sergipe se fixa pontualmente na visão do veículo particular do automóvel cercada de uma perspectiva ultrapassada e retrógrada. Imaginem a melhoria da atual ponte acompanhada da inserção de veículos náuticos a exemplo do sistema de botes “ubernáutica”, ou até mesmo uma passarela para pedestres e ciclistas. Bastava apenas olhar para países como Dinamarca, Holanda e China. É a isto que nos referimos, um planejamento holístico e ambiental e a diversificação de possibilidades com o conjunto de alternativas criativas mais sustentáveis e dialógicas entre homem e natureza.
Os graves problemas da Maldivas na foz do Rio Vaza-Barris.
É importante destacar também o empreendimento recém anunciado pelo governador do estado denominado Maldivas que será implantado na foz do Rio Vaza-Barris. Trata-se de uma área de preservação ambiental que possui características plásticas de movimentos naturais das águas e dunas. Um local totalmente impróprio para ocupação, ainda mais se tratando de hotéis, lotes e parque temático de diversões, além da privatização de área pública. O coerente seria a implantação de um parque ecológico com visitação controlada e preservação total de seu ambiente natural.
Nos referimos também ao emprego de dinheiro público para beneficiar uma minoria da população e geralmente os interesses de poucos. Outro ponto que nos chama a atenção foi o governo sentar com os empresários da construção civil e não ouvir os principais demandantes, a população sergipana.
Em pleno século XXI o investimento em obras e intervenções não poderia se abster de constituir um Plano de Planejamento Estadual envolvendo intervenções urbanas estruturantes e a premissa da preservação ambiental.
Outro ponto fundamental seria os investimentos estarem alicerçados nas populações que vivem em situação precária com um enfoque nas necessidades básicas e melhoria habitacional focada na moradia, saneamento ambiental, saúde, educação, cultura e lazer.
O Fundo Clima acabou de aprovar R$ 10 bilhões para projetos verdes e com foco na transição ecológica e notamos claramente um distanciamento da pegada ecológica nas intervenções propostas pelo Acelera Sergipe. No ano passado, o governo aprovou a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas de Sergipe e não percebemos nenhuma ação ou conexão nas obras propostas.
Perguntas que temos respostas?
Esta breve reflexão com olhos nos futuros investimentos da Prefeitura Municipal de Aracaju e do Governo do Estado de Sergipe nos colocam uma imensa interrogação. Estas obras realmente trarão e refletem de fato uma melhoria de vida para a população? Consideram as emergências climáticas e a Agenda Global? Possuem um olhar para a melhoria das moradias, saúde, segurança alimentar, transporte e saneamento? Estão em consonância para não agredirem os ecossistemas, revitalização das áreas degradadas, despoluição das águas, diminuição da queima de combustíveis fósseis? Carregam o caráter dos direitos constitucionais da população de acesso a água e a terra para morar e plantar?
Nosso papel aqui tem o intuito de chamar a atenção das autoridades e da sociedade sergipana para um porvir mais promissor e equânime vislumbrado pelos fatores das emergências climáticas, da agenda global e da transição ecológica, mas principalmente, para uma vida mais digna da população sergipana e um futuro sustentável para nossas crianças. Elas serão sempre o nosso futuro.
Ricardo Mascarello, arquiteto e urbanista e conselheiro federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/Brasil)
Respostas de 3
Para mim de vão os comentários que fazemos aqui?
Profundamente impactada com a matéria sobre a temática ambiental em Aracaju e em Sergipe. Nunca se viu tanta insensibilidade e tanta exclusão sócio ambiental. Chama atenção o fato de que no tempo atual, diversas áreas científicas, já avançaram muito com a produção de tecnologias diversas para ajudar o homem a seguir ocupando a natureza numa lógica menos ou não predatória. No entanto o que prevalece é a sanha por lucro de empresários da construção civil, com as bençãos do Governador de Sergipe e Prefeito da capital. Estes seguem destruindo áreas de proteção ambiental, como manguezais e privatizando as paisagens naturais para venderem a uma elite atrasada que se tem por aqui e por acolá. Uma lástima.
Parabéns a Mangue Jornalismo e ao autor desse excelente texto.???
Profundamente impactada com a matéria sobre a temática ambiental em Aracaju e em Sergipe. Nunca se viu tanta insensibilidade e tanta exclusão sócio ambiental. Chama atenção o fato de que no tempo atual, diversas áreas científicas, já avançaram muito com a produção de tecnologias diversas para ajudar o homem a seguir ocupando a natureza numa lógica menos ou não predatória. No entanto o que prevalece é a sanha por lucro de empresários da construção civil, com as bençãos do Governador de Sergipe e Prefeito da capital. Estes seguem destruindo áreas de proteção ambiental, como manguezais e privatizando as paisagens naturais para venderem a uma elite atrasada que se tem por aqui e por acolá. Uma lástima.
Parabéns a Mangue Jornalismo e ao autor desse excelente texto.???