
DÍJNA TORRES, da Mangue Jornalismo
Para quem apenas assiste as propagandas nas mídias, pagas a peso de ouro pela Prefeitura de Aracaju, até pode se enganar achando que, por exemplo, a educação municipal é de primeiro mundo. Nas imagens, só aparecem salas de aulas novinhas, transporte escolar, crianças com material em dia, professoras e pais de alunos sorrindo, satisfeitos. Mas, será que é isso mesmo?
A Mangue Jornalismo foi conferir a educação oferecida pela prefeitura e encontrou uma realidade bem diferente: negação de transporte escolar, materiais incompletos para as crianças, escolas com graves problemas estruturais e até com salas interditadas, ações autoritárias, professoras e professores em paralisação porque a prefeitura não cumpre à lei e não paga sequer o piso salarial, conforme a legislação. Vamos começar pelo transporte.
Negação ao transporte escolar

Quando o sol aponta às 12h30, as mães da Ocupação Centro Administrativo, no bairro Capucho, em Aracaju, concentram-se para levar suas filhas e filhos para a escola. Para chegar à Escola Municipal de Ensino Fundamental Jornalista Orlando Dantas, localizada no bairro Veneza, mães, crianças e adolescentes da ocupação precisam caminhar por cerca de 40 minutos, sol a pino, em um trajeto de 2,3 km que coloca suas vidas em risco.
Todos os dias, esse grupo precisa enfrentar o tráfego intenso na Avenida Osvaldo Aranha e atravessar a BR-101, com risco de atropelamento, já que não há faixa de pedestres entre a Rua Deputado Reinaldo Moura e a Rua Evangelino da Paixão, que fazem parte do percurso. Vale ressaltar que o trecho não tem semáforo, nem faixa de pedestre. Para chegar à passarela, as mães e as/os estudantes andam por um longo trecho sem acostamento e mais outro de barranco, dividindo espaço com carros, ônibus e caminhões de uma maneira intensamente perigosa.
As moradoras da ocupação já solicitaram o transporte escolar à Prefeitura de Aracaju para que as crianças e adolescentes cheguem com segurança à escola, cumprindo uma das etapas de permanência das educandas e educandos no ambiente escolar, conforme determina o Artigo 208 da Constituição Federal: “É do Estado (…), mediante a garantia de atendimento ao educando no ensino fundamental através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.”
“A prefeitura alega que a distância de caminhada não justifica ter o transporte escolar. Mas estamos com nossos filhos todo dia correndo risco de vida para atravessar essa pista. Têm mães que podem acompanhar o filho, mas outras não têm porque trabalham fora. Eu mesma tenho que vir correndo, porque tenho um filho deficiente e não tenho com quem deixar”, afirmou a dona de casa Patrícia Santos.
A Mangue Jornalismo acompanhou as mães, crianças e adolescentes em um dia comum de ida à escola e flagrou cenas de alto risco. De um lado, grupos de adolescentes se arriscando a atravessar a BR-101 por medo de serem assaltadas ou assediadas no corredor da passarela. Do outro lado, mães e crianças atravessam a pista correndo porque, segundo elas, precisam voltar a tempo de chegar ao trabalho.
Estudar em Aracaju é uma saga
Estudar na rede municipal de Aracaju é uma saga. Se em alguns lugares, os percalços estão no trajeto, em outros o dilema é conseguir entrar na sala de aula. As chuvas que caíram sobre a cidade em meados de maio ajudaram a revelar a falta de prioridade que a gestão municipal direciona à infraestrutura das escolas da rede municipal, principalmente nos bairros mais afastados do Centro da cidade.


De acordo com a direção do Sindicato dos Profissionais do Ensino do Município de Aracaju (Sindipema), em muitas unidades da rede municipal, as salas de aula foram interditadas por conta de infiltrações, vazamentos e até mesmo rachaduras nas estruturas. O sindicato também recebeu reclamações quanto a banheiros inutilizáveis, com entupimentos, alagamentos e falta de água encanada para dar descarga, de acordo com reclamações recebidas pelo Sindipema por parte de coordenadoras e coordenadores de algumas escolas, que pediram para não serem identificadas/os.
Além das sagas do trajeto escolar, da falta de estrutura das escolas e a situação desanimadora do magistério, outro fator causado pela ingerência da prefeitura tem dificultado a vida das/os estudantes da rede municipal. Mesmo após quatro meses do início do ano letivo, muitas/os ainda estão sem o fardamento e o material para estudar.
A gestão municipal anunciou, no mês de abril, um investimento de mais de R$ 9,6 milhões (R$ 9.600.618,50) para adquirir os kits escolares e de outros quase R$ 3 milhões (R$ 2.998.672,70) para os uniformes das crianças e adolescentes. Foi anunciada a entrega de 18 kits diferentes, contendo itens como mochila, cadernos, lápis, estojo, squeeze, borracha e outros. Porém, ao contrário do que foi alarmado em propaganda, em muitas escolas, esses kits não chegaram. Já em outras, chegaram incompletos. Há casos também de fardamentos com a numeração errada.
Demolição de escolas

Na Escola Municipal de Educação Infantil Professora Áurea Melo Zamor, no bairro São Conrado, as crianças continuam sem fardamento. “Na Áurea Zamor chegaram mochilas, garrafinhas, mas não chegou fardamento para nenhuma criança. Já estamos no mês de maio, faltam apenas dois meses para o encerramento do primeiro semestre. O que justifica não ter ainda os materiais para todos os estudantes?”, questiona a professora Sandra Beiju, que também é vice-presidente do Sindipema.
O presidente do Sindipema, Obanshe Severo, destacou que a prefeitura tem caprichado na propaganda sobre a educação, mas a realidade mostra que, além das falhas estruturais, há ainda falhas logísticas na entrega dos kits escolares. “A prefeitura tem mostrado grandes feitos e cumprido certas determinações porque é decorrente de uma ação judicial e isso eles não divulgam. Em relação aos kits escolares, por exemplo, eles foram entregues a conta gotas. E a Semed não costuma divulgar conosco essas informações, tudo que precisamos, qualquer pedido de informação, a gente precisa sempre oficializar e até agora não estipularam nenhum prazo para resolver essas questões”, afirmou.
Até mesmo quando adota um discurso de “melhoria” e “reforma”, a gestão municipal de Aracaju recorre à destruição. A Mangue Jornalismo já divulgou, na reportagem “Carta de uma escola ao prefeito de Aracaju: “NÃO QUERO SER DEMOLIDA”. A luta de crianças e professoras contra a destruição da área verde, da história e dos sonhos”, o caso de três escolas municipais no bairro São Conrado, periferia de Aracaju, que estão sendo demolidas pela Prefeitura: duas que atendem crianças da educação infantil, a Professora Áurea Melo Zamor e a José Conrado de Araújo; e uma escola de educação fundamental, a Júlio Prado Vasconcelos. Esta última já foi demolida, as outras duas são as próximas. Tudo isso sem nenhuma consulta pública e nem ouvir a comunidade escolar.
No caso da Escola Professora Áurea Melo Zamor, a Mangue Jornalismo recebeu a informação e confirmou que a prefeitura está alugando um prédio no bairro 13 de Julho para transportar crianças do ensino infantil. Mães e pais estão revoltados e ameaçam tirar seus filhos da escola porque não confiam em entregar as crianças de 4, 5 e 6 anos de idade, sozinhas, em transporte do bairro São Conrado para o 13 de Julho.
A Escola Áurea Melo Zamor fica em frente a uma praça arborizada (o que é raro em Aracaju), é horizontalizada e possui uma área verde com muitas árvores plantadas pelas professoras e alunos. Essa área da escola é parte fundamental do processo de aprendizagem das crianças. Lá os alunos e professoras realizam inúmeras atividades pedagógicas, a exemplo de pesquisas sobre insetos, folhas e frutos, além da coleta e formação de mudas de várias plantas e árvores, como cajueiros. O prefeito vai derrubar a escola e em seu lugar deve erguer um caixote de cimento vertical.
A educação pública segue indo à luta

Além de acompanhar a situação lamentável das escolas da rede municipal, o Sindipema também tem conduzido uma série de atividades em um cronograma de paralisação das professoras e professores da rede municipal de Aracaju. Desde o mês de fevereiro deste ano, a categoria tem tentado estabelecer um diálogo junto à gestão municipal para que seja cumprida a Lei Federal 11.738/2008, que regulamenta o piso nacional do magistério.
Obanshe Severo ressalta que o município de Aracaju não cumpre a Lei do Piso, que deveria ser de R$4.420 para o nível médio, mas o município paga R$2.242,92. “Não é uma alegação, é uma constatação. Além disso, criou uma gratificação que contempla apenas ativos, e dessa forma, rasga o plano de carreira. Então a prefeitura faz o que o STF já definiu, que não deve ser aceito para alcançar o valor do piso, que é a soma da gratificação com o salário”, afirmou o Severo.
Para o presidente do Sindipema, “a prefeitura engana a população tentando dizer que professores são bem remunerados, que as escolas são excelentes, que entregou material de boa qualidade na rede. Nós temos excelentes professores na rede, sim, mas a maioria das escolas ainda têm condições estruturais que deixam a desejar e ainda tem o problema da falta de vagas para os alunos, entre outros já citados”, disse.

No dia 30 de maio, o prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PDT), anunciou reajuste salarial linear de 7,5% para todas as categorias do funcionalismo público municipal, mas não anunciou o pagamento do piso salarial do magistério. Outra reclamação das professoras e professores da rede municipal é com relação à grande quantidade de profissionais contratados nas escolas.
Segundo a vereadora e professora Sônia Meire (PSOL), para conceder um reajuste justo à categoria, o valor anunciado deveria ter sido outro. “O prefeito organizou um reajuste no ano passado de 5% e, esse ano, outro reajuste linear, de 7,5%, o que significa 12,5%. Muito distante da média, que é de 35%. Quando ele diz que deu o dobro, que foi o maior aumento que ele deu, Edvaldo não está falando a verdade. A média da inflação de 2022 foi de 5,79%, e Edvaldo deu 7,5%. O dobro seria 11,58%”, explicou a vereadora.
Sônia Meire também denunciou a falta de diálogo e de transparência do prefeito Edvaldo Nogueira junto às categorias do funcionalismo público municipal. “As categorias pararam. É importante destacar a falta de diálogo e de negociação do prefeito não somente com a categoria docente, mas com todas as categorias. Edvaldo não estabeleceu mesa de negociação. O que ocorreu foi que alguns secretários das pastas receberam servidoras e servidores, as direções dos sindicatos, mas não foi discutido com nenhuma delas o processo de reajuste”, relatou.
A vereadora e professora Ângela Melo (PT) afirmou que a gratificação não é incorporada à aposentadoria e isso mostra o quanto as professoras e professores vêm sofrendo perdas sucessivas de direitos pela atual gestão municipal de Edvaldo Nogueira. “Este anúncio é falso porque pela lei, piso é vencimento, não é remuneração. Para deixar as professoras e os professores cada vez mais na miséria, a prefeitura decidiu não incorporar a GEA (gratificação) à aposentadoria”, declarou.
Ângela Melo vem participando de todos os atos pelo Sindipema e, na última semana conseguiu reunir a Comissão de Educação da Câmara de Vereadores para ajudar nas negociações. “Estou acompanhando e intermediando o diálogo com a categoria e o legislativo municipal buscando a Comissão de Educação da Câmara Municipal de Aracaju, da qual faço parte. O prefeito Edvaldo Nogueira precisa cumprir a Lei do Piso”, disse a vereadora.

Para a professora aposentada Izabel Cristina Souza Lira, o prefeito tem massacrado todas as classes de servidores públicos, em especial a dos professores. “Eu tenho a impressão que ele odeia professor, porque desde o primeiro mandato dele, ele não pagou o piso, um direito nosso conquistado com muita luta. Até hoje eu não sei porque a Lei ainda não foi cumprida nem no Estado e nem no município e a Justiça não faz nada. Não entendo porque o Governo daqui faz essa distinção entre ativos e aposentados, existe uma paridade que dá os mesmos direitos a aposentados e ativos. E quero dizer que eu sou aposentada sim, mas inativa, nunca”, concluiu.
Silêncio
A Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Aracaju foi procurada pela Mangue Jornalismo, mas o órgão decidiu não se pronunciar sobre o assunto e silenciar diante das graves e constantes denúncias das mães, pais, estudantes, professoras e professores que clamam pela melhoria estrutural, de logística e salarial da rede de ensino da capital.