CAMILA FARIAS e ANA PAULA ROCHA, da Mangue Jornalismo
Em Sergipe, os três senadores atualmente com mandato – que dura oito anos – são Alessandro Vieira (MDB), Laércio Oliveira (PP) e Rogério Carvalho (PT). O Senado faz parte do Congresso Nacional e integra o Poder Legislativo, que propõe, discute e aprova leis, além de fiscalizar as ações do Executivo. No Senado, cada estado têm três senadores.
Dentre as principais questões debatidas no ano de 2023, algumas medidas controversas chamaram a atenção. A Mangue Jornalismo levantou os dados e contextos dos votos dos três senadores que representam Sergipe em algumas das pautas que mais afetam diretamente os direitos dos brasileiros.
Marco temporal
No último dia 27 de setembro, o Senado aprovou com 43 votos o Projeto de Lei (PL) 2.903/2023, que dispõe sobre a regulamentação dos direitos de povos originários sobre suas terras. A tese jurídica ficou conhecida como “marco temporal” e seu argumento principal surgiu em 2008 no voto expresso pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Brito, no julgamento sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Em seu voto, Ayres Brito menciona o que chama de “marco temporal da ocupação” e afirma que “[…] a nossa Lei Maior [Constituição Federal] trabalhou com data certa: a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) como insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, ‘dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam’”. Desde então, os defensores da tese do marco temporal querem que apenas territórios ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988 sejam consideradas para demarcação.
No PL apresentado ao Senado, previa-se também a exploração econômica das terras indígenas, o que permitiria atividades de mineração, atualmente não regulamentadas nestas áreas.
O senador Alessandro Vieira chegou a apresentar à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) proposta de emenda que excluía a tese do marco temporal e sugeria indenização a proprietários nos casos de desocupação de terras quando “verificada a existência de justo título de propriedade em área considerada necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena”. Todo PL tem que passar pela CCJ antes de ir para votação no plenário. As emendas do senador foram rejeitadas.
A aprovação no Senado do PL do marco temporal contraria decisão do STF do dia 21 de setembro (portanto, seis dias antes da votação pelos senadores) que considerou a medida inconstitucional por 9 votos a 2. Em entrevista no dia anterior ao plenário, o senador Rogério Carvalho classificou como “retrocesso” a proposta que procura “burlar aquilo que já está na Constituição”.
O único senador por Sergipe que votou a favor deste Projeto de Lei foi Laércio Oliveira. Ao todo, somente 21 senadores votaram contra o marco temporal, dentre eles os senadores Rogério e Alessandro.
No dia 20 de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o trecho do projeto que se utilizava do marco temporal para demarcar as terras indígenas.
A Mangue Jornalismo já tinha publicado três reportagens sobre este tema. A primeira mostra como os deputados federais por Sergipe votaram sobre o marco temporal. A segunda foi uma entrevista com uma advogada especializada na questão indígena. A terceira abordou justamente o voto do senador Laércio Oliveira a favor do marco temporal.
Cotas raciais
No dia 24 de outubro, dos 81 senadores, 24 votaram a favor de uma emenda de autoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) que propunha o fim das cotas raciais e para pessoas com deficiências nas universidades federais. Pela emenda, somente os alunos com baixa renda teriam direito de ingressar nas universidades por meio da Lei de Cotas. O senador Laércio votou a favor de pautar a emenda. Contudo, ela foi rejeitada por 46 senadores.
A Mangue Jornalismo entrou em contato com a assessoria de imprensa do senador para questionar algumas de suas votações. Só houve resposta em relação à Lei de Cotas.
Segundo o parlamentar, “em nenhum momento ele foi contra o sistema de cotas no país, inclusive ele votou a favor das mudanças estabelecidas no PL. O que se discutiu na emenda foi o critério socioeconômico. Na prática, seria uma forma de ampliar ainda mais o acesso das pessoas de baixa renda às universidades públicas federais e contribuir para a promoção da equidade, diversidade e representatividade, combate à desigualdade social e fortalecimento das ações afirmativas”.
Caso fosse adotado apenas o critério social, não seriam apenas pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência que teriam acesso a esse direito – justamente os grupos subrepresentados em universidades do país.
“Com renda até 1,5 salário mínimo, todos àqueles que se enquadrarem seriam beneficiados, além das pessoas que hoje já são contempladas com o sistema de cotas. Temos um problema muito sério de desigualdade social no país e essas pessoas precisam ter um olhar diferenciado”, explicou Laércio por e-mail.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicada em 2020, o número de jovens brancos entre 18 e 24 anos no Ensino Superior brasileiro é o dobro do total de jovens negros na mesma faixa etária, ainda que mais da metade da população brasileira seja negra. Por ter sido publicado com dados anteriores à pandemia, os dados não refletem um cenário que pode ser ainda mais desigual em 2023.
Venda de plasma de sangue humano
No dia 04 de outubro, a CCJ do Senado aprovou a polêmica PEC do Plasma (PEC 10/2022). Trata-se de uma proposta de emenda à Constituição Federal que dispõe sobre condições e requisitos para coleta e processamento de plasma humano pela iniciativa privada, retirando do Estado – por meio do SUS – esse controle e abrindo margem para a comercialização deste que é um dos componentes do sangue humano.
O senador Laércio votou a favor dessa emenda e os senadores Rogério e Alessandro, contra. Porém, uma das iniciativas da PEC contou com o senador Rogério Carvalho (PT).
O texto original é de 2022 e foi assinado por 27 senadores, inclusive Rogério. Ele propunha mudança no Art.199, que garante que “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Seria acrescentado o §5º, que “disporá sobre as condições e os requisitos para coleta e processamento de plasma humano pela iniciativa pública e privada para fins de desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de biofármacos destinados a prover o sistema único de saúde.”
Na avaliação da PEC no CCJ, cuja relatora foi a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), argumentou-se pela liberação de remuneração aos doadores, o que significa propor a venda de plasma humano. A indústria farmacêutica tem interesse no componente para fabricação de medicamentos.
CPMI do 8 de janeiro
Em 18 de outubro, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os ataques golpistas ocorridos em 8 de janeiro deste ano aprovou, por 20 votos a 11, o parecer final da relatora Eliziane Gama (PSD-MA).
No documento com mais de 1,7 mil páginas, a senadora sugere que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 60 pessoas sejam indiciadas. O senador Rogério Carvalho foi um dos que votaram a favor do relatório. Os senadores Laércio e Alessandro não integraram esta comissão, que contou com 20 parlamentares, entre senadores e deputados federais.
Nas eleições presidenciais de 2018, Alessandro e Laércio declararam voto a Jair Bolsonaro. Já em 2022, o primeiro disse em tweet ter errado ao votar em Bolsonaro quatro anos antes e explicou que seus critérios de escolha de voto no segundo turno seriam o “respeito democrático, resgate da educação pública e preservação do meio ambiente”, enquanto que o segundo participou ativamente da campanha bolsonarista.
Arcabouço fiscal
No dia 21 de junho, o Senado aprovou, por 57 votos a 17, o texto sobre o Projeto de Lei Complementar popularmente conhecido como “arcabouço fiscal” (PLP 93/2023). Dentre os votos a favor, destacam-se os dos senadores Alessandro Vieira e Rogério Carvalho. Já o senador Laércio Oliveira votou contra o projeto. Outros senadores, como Magno Malta (PL-ES) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ), também votaram contra.
A proposta tem o objetivo de substituir o chamado “teto de gastos”, emenda constitucional estabelecida durante o governo de Michel Temer (MDB) e que limita quanto a União pode gastar, dessa forma impedindo investimentos mesmo em áreas sensíveis e de despesas com crescimento anual, caso da educação.
Mais uma vez, o senador Alessandro Vieira apresentou emenda ao texto. Ele propôs que a complementação repassada pela União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) não estivesse submetida ao arcabouço fiscal, pois isso teria “grande potencial para dificultar o alcance do padrão mínimo de qualidade na educação básica”. A também senadora Dorinha Seabra (União Brasil-TO) apresentou emenda com o mesmo teor.
O texto original da PLP, apresentado pelo governo Lula aos parlamentares, deixava o Fundeb de fora. Contudo, quando foi para a Câmara dos Deputados, o projeto foi alterado pelos parlamentares para incluir o Fundeb. O fundo acabou de fora das restrições de gastos.
A proposta votada em junho estabelece um piso para o crescimento das despesas públicas. A regra é que elas só poderão subir se houver um aumento de receita. Com isso, espera-se controlar a dívida nacional.
Reforma tributária
Somente seis dos 27 membros da CCJ do Senado votaram contra a Proposta de Emenda à Constituição da reforma tributária, ocorrida no dia 7 de novembro. Os senadores Alessandro Vieira e Rogério Carvalho votaram a favor. Laércio não participou da votação.
A reforma tributária é considerada importante para o Governo Lula, pois visa simplificar a regra de cobrança de impostos. Ela reunirá três tributos federais (PIS, Confins e IPI) em dois (CBS e Imposto Seletivo), e unirá um imposto estadual (ICMS) e um municipal (ISS) em um único tributo (IBS).
Apesar de não ter participado da votação no CCJ, Laércio vinha defendendo mudanças no texto da PEC que diminuíssem a oneração do setor de serviços, ao qual o senador é bastante próximo, tendo sido presidente da Fecomércio em Sergipe. Em 2017, o congressista deu voto favorável à Reforma Trabalhista, que criou o chamado “trabalho intermitente”, gerando inseguranças aos trabalhadores, como a impossibilidade de entrar com pedido de seguro-desemprego.