MAIARA ELLEN, da Mangue Jornalismo (@maiara.ellen)
O processo de venda da Deso, disfarçado pelo governo como uma “concessão por 35 anos”, está em estágio avançado, com previsão para ser concretizado em setembro. No sentido contrário, sindicatos e movimentos sociais têm manifestado seu repúdio ao projeto.
Assim, preocupados com as consequências negativas da privatização, membros do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Sergipe (Sindisan), com o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT), realizaram um ato público nesta terça-feira (dia 9) no calçadão do centro de Aracaju para alertar a população.
O presidente do Sindisan, Silvio Sá, destacou a urgência de informar e mobilizar a população para tentar barrar ou adiar o leilão previsto para ocorrer na Bolsa de Valores em São Paulo.
Desde dezembro de 2023 a Mangue Jornalismo tem acompanhado a tentativa do governador de Sergipe, Fábio Mitidieri (PSD), de privatizar a Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso).Nesse sentido, a Mangue produziu um e-book onde estão reunidas a grande parte das reportagens.
“Nós estamos há 55 dias da data do leilão, estamos nessa corrida contra o tempo porque a gente quer um apoio popular maior para tentar barrar ou adiar esse processo”, declara.
A decisão do governo de Sergipe de privatizar a Deso tem sido justificada com base na busca por eficiência operacional e melhorias na qualidade dos serviços de saneamento básico no estado.
De acordo com o projeto, a concessão permitirá atrair investimentos privados significativos, modernizar infraestruturas e melhorar a eficiência na gestão dos recursos hídricos.
Discordando da tese argumentada pelo governo estadual, Ronaldo Melos, indígena Xocó, da Ilha de São Pedro, funcionário da Deso há seis anos, alerta para o fato da Deso superavitária e autossuficiente. Em 2022, a empresa teve um balanço positivo de R$ 40 milhões.
“A Deso tem condições de se manter como sempre teve, independente dos cofres do estado. Então o que o governo precisa fazer é pensar na população. Já aconteceram privatizações em vários estados e todas foram um fiasco”, observa Melos.
Melos também aponta que as comunidades rurais e do interior, como no Alto Sertão e no Médio Sertão, serão as mais prejudicadas pelos impactos negativos da privatização devido à necessidade de maiores investimentos na distribuição da água.
Impactos Sociais e Econômicos para a população
De acordo com o diretor do Sindisan, Sergio Passos, os exemplos de Paris, Roma, Berlim, Buenos Aires, e outras cidades que tiveram a experiência da privatização e voltaram a estatizar são suficientes para justificar sua posição contra a venda da Deso.
O caso mais próximo de Sergipe é o da venda da Casal, Companhia de Saneamento de Alagoas. As consequências dessa privatização para o estado vizinho foram mais evidentes para a população de baixa renda e o mesmo tende a acontecer em Sergipe.
Segundo Silvio, dos impactos que a privatização vai causar na população sergipana, o primeiro é o aumento de tarifa, de taxa de serviço. Isso significa que o preço de uma ligação nova, da taxa de esgoto, da colocação de um hidrômetro na residência irá aumentar.
De acordo com ele, outro impacto apresentado no projeto de privatização é o baixo investimento em povoados e pequenas cidades. “A empresa privada não vai levar água nessas localidades porque no projeto de microrregião e do marco regulatório de saneamento os investimentos da empresa privada, só tendem a levar para áreas urbanas, então agricultor rural, assentamento, quilombolas e pequenos povoados não vão ter acesso à água nem a esgotamento sanitário”, critica Silvio.
O presidente do Sindisan expressou preocupação com o futuro da tarifa social, que oferece descontos na fatura de água para a população de baixa renda. Atualmente, cerca de 16.277 sergipanos são beneficiados, mas Silvio Sá afirmou que apenas 5% dos domicílios do estado terão acesso a esse benefício, caso a privatização seja concluída.
“Por isso que a gente tá correndo contra o tempo e divulgando para a população de baixa renda inserida no Bolsa Família correr, o quanto antes, para os postos de atendimento da DESO e solicitar a tarifa social, porque lá na frente vai ter um teto.”
Reações da População
A ausência de debates sobre um tema delicado que afeta toda população sergipana tem gerado diferentes posições sobre a privatização/concessão da Deso. Enquanto alguns cidadãos acreditam que a medida poderá resultar em melhorias nos serviços de água e esgoto, outros temem um aumento nas tarifas, além de uma potencial diminuição na qualidade e na acessibilidade dos serviços.
Para Vanderlei de Souza, vendedor de eletrônicos que trabalha no centro de Aracaju, a Deso deve ser privatizada para que haja melhoria nos serviços. “A Deso é sucateada, esculhambada e desmoralizada. A Deso não pode mais ser comandada por políticos.”
Das quatro pessoas entrevistadas pela Mangue, duas delas afirmaram que não estavam sabendo da venda da empresa de água.
As vendedoras Marcela Stefany e Teliane de Souza tiveram acesso às informações sobre a privatização pela primeira vez durante o ato realizado pelo Sindisan e ambas declararam que não apoiam a concessão.
“Eu acho que a Deso deve continuar como está, porque eles dizem que vai ter melhoria, mas não vai. A gente vai pagar mais caro e ninguém vai ver melhoria de nada” declara Marcela.
Teliane é moradora de uma residência localizada em uma invasão e teme que seja prejudicada com a privatização.
“A gente não sabe quais vão ser as regras que eles vão estipular. E pelo menos a Deso a gente sabe mais ou menos como funciona. Quando privatizar, eles vão impor as regras dele, o imposto dele e a gente não vai poder questionar.” afirma Teliane.
Para Cícero da Silva, o que falta na Deso é um maior investimento do governo do estado. “ A Deso é uma empresa que fortalece o estado, então eu acho que melhorias a privatização não vai trazer. Se, do jeito que tá, tá ruim, imagina se privatizar?!”, enfatiza.
Nilda Ferreira, membro do Sindisan, responsabilizou o governo de Sergipe pela precarização intencional da Deso para justificar a privatização. “O funcionário da Deso luta, ele tá na rua prestando o serviço dele 24 horas se necessário, mas o que o governo fez? Tirou o pagamento da hora extra. Então os problemas da Deso não são por culpa dos servidores .”
A privatização também pode resultar na demissão de aproximadamente 1000 funcionários, segundo Nilda, muitos dos quais possuem mais de vinte anos de serviço na empresa.
O que estudos sobre a privatização da Deso prevê?
Atualmente a Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) é uma companhia estatal de economia mista criada em 1969 e responsável por estudos, projetos e execução de serviços de abastecimento de água, esgoto e obras de saneamento. O Estado de Sergipe é seu principal acionista, detendo 99% do total de ações da companhia.
De acordo com Aécio Pereira, técnico de saneamento da Deso, oestudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) prevê uma concessão parcial onde o abastecimento de água e esgotamento sanitário, a parte comercial fica com o setor privado e a DESO, que ainda vai existir, fica com a captação e o tratamento.
Nesse sentido, ele afirma que a Deso vai vender água tratada à empresa privada no atacado e a empresa privada vai distribuir essa água e vai cobrar o preço tanto da tarifa de água como também a tarifa de esgotamento sanitário.
“O abastecimento de água, esgotamento sanitário e a parte comercial vão para a iniciativa privada. E a parte deficitária, que é a parte da captação e tratamento, os custos maiores, que é a mão de obra, produtos químicos, energia, vai ficar com a Deso.”
Ainda de acordo com Aécio, esse sistema tornará a Deso inviável, onde vai haver a necessidade do governo do Estado, após o processo de privatização, aportar recurso financeiro na própria Deso, para tornar a empresa economicamente viável. E para isso, será preciso tirar dinheiro de áreas essenciais do Estado.
Atualmente, como já foi destacado nesta reportagem, a Deso não depende financeiramente do Governo do Estado. Porém, técnicos da empresa estimam que a dívida do governo com a Deso ultrapasse os R$ 70 milhões.