DÍJNA TORRES, da Mangue Jornalismo
No Brasil, dados do último relatório sobre O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI), publicado em julho deste ano, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), apontaram para a piora dos indicadores de fome e insegurança alimentar.
De acordo com o documento, no último ano, 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada e 21,1 milhões de pessoas no país passaram por insegurança alimentar grave, ou seja, com dificuldade em se alimentar e em estado de fome, respectivamente.
Em contrapartida, o Relatório Anual da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos deste ano aponta que o país segue em crescente produção para o mercado interno e externo, com dados que mostram a produção de mais de 250 bilhões de alimentos somente para o mercado interno, para cerca de 70% da população brasileira.
Vale lembrar que além da produção das indústrias, o país conta com a produção da agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos consumidos no país, segundo o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Diante desses dados, a conta não fecha. Por que somos o país que muito produz, mas que não distribui e alimenta a sua população? A Mangue Jornalismo conversou com profissionais da Nutrição e Segurança Alimentar para entender quais são os desafios e as dificuldades de acesso a uma alimentação adequada no país e em Sergipe e por que as informações não são difundidas de maneira mais ampla à população.
A fome em Sergipe
Em âmbito estadual, apesar da falta de dados recentes e concretos sobre a quantidade de famílias em situação de insegurança alimentar em Sergipe, a Secretaria de Estado da Assistência Social e Cidadania (SEASC) afirma atuar na execução do programa federal Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), bem como, no auxílio aos municípios na execução do repasse do recurso federal para a mesma finalidade.
Além disso, a secretaria também afirma que realiza ações de educação alimentar e nutricional, realiza também oferta de refeições por meio do Restaurante Popular Padre Pedro, a execução do cartão CMais e do Programa Mão Amiga, no gerenciamento de refeições nos equipamentos socioassistenciais vinculados à secretaria, e, ainda, estímulo aos municípios na participação nas políticas públicas já existentes, além de, recentemente, instituir o Programa Prato do Povo.
Segundo a secretaria, outros projetos estão sendo viabilizados visando a garantia do Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA), como o banco de alimentos, cozinhas comunitárias, unidades de distribuição da agricultura familiar, fortalecimento das feiras da agricultura familiar, projetos de hortas urbanas e periurbanas, com o intuito de reduzir a insegurança alimentar e nutricional no estado.
A gente não quer só comida, a gente quer informação
Você conhece ou já ouviu falar sobre o Guia Alimentar para a População Brasileira? Esse instrumento foi criado em 2006, pelo Ministério da Saúde, seguindo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), que, segundo o próprio documento, busca apoiar e incentivar práticas alimentares saudáveis no âmbito individual e coletivo, bem como para subsidiar políticas, programas e ações que visem a incentivar, apoiar, proteger e promover a saúde e a segurança alimentar e nutricional da população.
Porém, de acordo com profissionais da área de Nutrição, o Guia, que possui linguagem acessível e de fácil compreensão, é pouco disseminado pelos agentes públicos da saúde e também da educação. Além disso, o Guia vem sofrendo ataques da indústria alimentícia atrelado à reforma tributária que é de suma importância para que os ultra processados recebam maior taxação, como forma de desestimular seu consumo.
“A alimentação saudável é um direito básico de todos, está garantido na Constituição Federal, mas, na prática, não vemos essa garantia ao acesso regular, permanente e justo de alimentação adequada. O Brasil é um país rico em termos de produção de alimentação, Sergipe também é, porém, o fomento às políticas públicas ainda é limitado, e mais limitada ainda é a disseminação da informação. Não adianta distribuir alimentos sem que haja ações de educação alimentar e nutricional para que a população saiba o que está comendo e porque”, disse o nutricionista e cozinheiro, Samuel Benson.
Jamile Xavier, nutricionista e pesquisadora sobre o tema, afirma que, assim como em outras instâncias acadêmicas, as pesquisas e inovações em Nutrição e Segurança Alimentar sofrem muitos boicotes da indústria alimentícia, dificultando o acesso à informação, ao letramento nutricional da população, que impede que a autonomia alimentar seja desenvolvida para que sejam realizadas escolhas mais conscientes.
“Em 2014, o Guia trouxe a NOVA classificação dos alimentos, idealizada pelo grupo de estudos NUPENS, coordenado pelo professor Carlos Monteiro. A NOVA é uma classificação pioneira no mundo, uma tecnologia criada pelo professor Monteiro, replicada por vários países que tem adotado esta classificação ou o nosso Guia como cartilha para condução para uma alimentação mais saudável de sua população, a exemplo do Canadá, Chile, e outros países. Por outro, lado nosso Guia sofre ataques constantes da indústria alimentícia por não recomendar o consumo de ultra processados e não os classificar como alimento e sim como produtos alimentícios”, pontuou.
Somado a isso, a nutricionista Eliane Santiago, destaca que a alimentação da população brasileira tem mudado muito nos últimos anos. “Ainda vejo muita dificuldade no acesso e, muitas vezes, quando se tem acesso, falta informação, por isso, não acho que a população brasileira se alimenta bem quando olhamos no macro. Para mim, segurança alimentar é acesso e informação, as duas questões são importantes. Não adianta ter uma cesta de vegetais e não saber o que fazer com eles. O aproveitamento integral de alimentos deve ser trabalhado com mais naturalidade nas escolas e no sistema de saúde”, ressaltou.
A nutricionista ainda destaca que no quesito de informações acessíveis à população, o Guia traz informações importantes para garantir a qualidade alimentar da população como um todo. “Ele traz informações gerais e especificas levando em consideração a faixa etária, o que facilita a adaptação das suas orientações dentro de instituições e também na conduta das políticas públicas. Pensando no âmbito pessoal, o guia oferece informações de fácil acesso para tornar a alimentação do dia a dia mais nutritiva de uma forma geral”, concluiu.