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Você sabe que o 25 de julho em Aracaju é Dia Municipal Rejane Maria? Conheça um pouco da vida dessa mulher guerreira e invisibilizada pelo racismo

TATIANE MACENA, da Mangue Jornalismo

PRISCILA VIANA, supervisão

Mulher negra, do axé e militante pelos direitos humanos. Rejane Maria Pureza do Rosário nasceu no Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial (21 de março). Sua vida foi guiada pela dedicação à luta contra o machismo e o racismo em Aracaju, e pela defesa dos direitos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Rejane é o alicerce histórico de importantes espaços aracajuanos como o Grupo Abaô de Capoeira, a Saci, a Unegro-Sergipe e a Sociedade Omolàiyé.

Em 2021, a Prefeitura de Aracaju incluiu no calendário do município o 25 de julho como o Dia Municipal da Mulher Rejane Maria Pureza do Rosário, em razão de projeto da então vereadora Linda Brasil (PSOL). Hoje também é celebrado o Dia Nacional Tereza de Benguela, mulher preta do Quilombo Quariterê (fronteira de Mato Grosso com a Bolívia) e lutou contra a escravidão. O 25 de julho é ainda o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, reconhecido em 1992 pela Organização das Nações Unidas(ONU).

O projeto que virou lei, transformando o dia 25 de julho em Aracaju como Dia Municipal da Mulher Rejane Maria Pureza do Rosário objetivou homenagear e dar visibilidade à história de lideranças da luta antirracista, feminista e da cultura e educação negras. O nome de Rejane Maria representa “a luta da mulher negra latino-americana e caribenha, na tradição de Tereza de Benguela e de todas as mulheres negras do país”, defendeu a então vereadora.

Rejane Maria: negra, do axé, mãe e militante pelos direitos humanos (Foto divulgação)

A capoeirista militante dedicada à cultura e religiosidade negras

Ao falar de negritude em Sergipe, rapidamente são mencionados os nomes de Beatriz Nascimento e Rejane Maria, pois ambas contribuíram significativamente para os direitos das mulheres pretas. Junto com Tereza de Benguela, tornam-se mulheres potentes e que têm em comum as marcas enfrentadas por causa da cor da pele e gênero e a contribuição na história do nosso povo.

Rejane Maria foi militante durante toda a vida e dedicou-se à cultura e religiosidade negras, sendo ainda uma das fundadoras do Grupo Abaô de Capoeira Angola. O grupo, ativo até hoje, promove trabalhos de base em comunidades periféricas, ações com a juventude nas escolas; e, articulado com outros movimentos sociais, dialoga com órgãos e instituições sobre a condição das mulheres negras sergipanas. Além de defender a valorização das culturas de matrizes africanas e direitos das crianças e adolescentes em situação de risco.

Além de capoeirista e feminista, Rejane Maria foi uma ardente defensora da leitura e da educação. Ela idealizou o projeto Ponto de Cultura Batuque de Angola, espaço para a comunidade do bairro Industrial, cuja sala de leitura leva seu nome. A marca de Rejane Maria está em diversas organizações sociais negras de Sergipe, como a União de Negros pela Igualdade (Unegro), a Sociedade Afro-Sergipana de Estudos e Cidadania (Saci) e a Sociedade de estudos étnicos, políticos, sociais e culturais Omolàyé.

Costumam-se dizer que Rejane Maria partiu de maneira precoce. Rejane segue viva nas pautas dos movimentos sociais. Em todos os projetos em que passou, mostrou como não aceitar a rendição de pessoas negras para o cotidiano de exclusões e desumanidades. Rejane Maria, assim como Beatriz Nascimento, Tereza de Benguela e muitas outras mulheres pretas, são atemporais. Para a historiadora e especialista em Ensino de História, Carine Mangueira, é inviável falar dela em qualquer tempo verbal que não seja o presente.

Rejane Maria foi uma das fundadoras do Grupo Abaô de Capoeira Angolano (Foto divulgação)

“A voz dela ecoa nos escombros de nossas dores cotidianas, mas vai ascender”

“Rejane Maria Pureza é o assentamento da frase de Elza Soares: ‘my name is now!’ Ela consolida oportunidades, projetos e espaços culturais que resgatam a dignidade e o bem viver, através da valorização da arte, do esporte e da cultura, coisas que são sistematicamente negadas às nossas crianças, adolescentes, homens e mulheres pretos.  Rejane é, é e é. A voz dela ecoa nos escombros de nossas dores cotidianas, mas, sobretudo, vai ascender e acender em arte, afeto e ginga no bem estar construído coletivamente por cada pessoa que ressoa sua luta, memória, vida e bailar”, diz Carine.

Para a historiadora, a instituição de uma data como o Dia Municipal de Rejane Maria reforça a luta contra o esquecimento de protagonistas negras e negros. “A consolidação de uma data-marco-símbolo da sua existência e re-existência em nós é o mínimo, é remar contra o esquecimento que é a morte mais oficialesca que nos atinge. Os nossos não têm praças e monumentos que os saúdam. Quando muito, tem um anexo minúsculo nos livros de história e afins”, analisa Mangueira.

No entender da especialista, “o poder público tem a obrigação moral e histórica de fazer. O que sequer é um resgate, é justiça para o tempo que urge e agora lateja. Os nossos são nossa continuidade. Rejane é movimento e sangue na minha veia e na veia de cada mulher preta dessa cidade que acorda cedo e faz o sistema funcionar em padarias, em empresas de telemarketing, na base dos supermercados, nas salas de aula, nas cozinhas, nos escritórios, nas infinitas labutas da base da enfermagem”, ressalta a historiadora.

Carine Mangueira: “Rejane é movimento e sangue na minha veia e na veia de cada mulher preta” (Foto divulgação)

A importância do Dia Municipal da Mulher Rejane Maria Pureza do Rosário

A antropóloga, doutora em Antropologia Social e pós-doutoranda em História Yérsia Souza de Assis destaca a importância do projeto de lei que transformou o 25 de julho em Dia Municipal da Mulher Rejane Maria Pureza do Rosário. Para ela, além de a data reforçar a memória do legado de Rejane Maria, inspira outras mulheres negras, envolvidas com a capoeira e outras pautas que atravessam as questões raciais no estado de Sergipe.

“Essa data é importante, pois ela dá visibilidade para a história de enfrentamento, estratégia de e resiliência dessa tecnologia ancestral feminina e coloca, em outro lugar, mulheres que parecem ser anônimas, mas que na realidade fizeram muitas coisas, com muitas marcas, impressões e registros. Inclusive, no que vai ser considerado como identidade da mulher negra sergipana. Então, a instituição de um PL acaba por registrar na memória oficial do estado quem são essas mulheres históricas importantes, que precisam ser priorizadas na narrativa da história do nosso estado”, explica.

Sim, a data no calendário oficial são pequenos passos que vêm de longe. Eles ajudam a lembrar a trajetória das mulheres pretas do estado de Sergipe, mas é preciso garantir que haja continuidade e não que seja apenas mais um ato político isolado.

“Os serviços ditos essenciais durante a pandemia tinham a nossa cara e a nossa cor. Mas as datas, leis, espaços de poder e oficialidades, não têm. A PL é um passo para peitar essa lógica e dizer: eu também sou Rejane e eu honro minha comunidade e exijo que ela tenha acesso ao bem viver. Eu honro minha vida, a vida dos que antes de mim vieram e os que ficaram quando eu for mais memória que carne, e essa carne não vai seguir sendo a mais barata do mercado”, afirma a historiadora Carine Mangueira.

Yérsia Souza: a data visibiliza a história de luta de mulheres que parecem anônimas (Foto Divulgação)

Marcha do Julho das Pretas em Aracaju

Após o encontro de mulheres negras realizado em 1992 em Santo Domingos, na República Dominicana, e que deu origem à data internacional, movimentos sociais de mulheres negras se articulam cada vez mais e suscitam reflexões acerca de questões raciais e de gênero. Sempre no dia 25 de julho, ocorre a programação do Julho das Pretas, com marchas em todo o território nacional. Em Aracaju, O Julho das Pretas será na praça da Catedral, no Centro de Aracaju, a partir das 14 horas.

A antropóloga Yérsia Souza afirma que, apesar de as pessoas conhecerem as narrativas de seus ancestrais, elas acabam não achando importantes, porque estas não foram consideradas dentro da história oficial. Para a pesquisadora, movimentos como os que são organizados no dia de hoje são fundamentais para discutir os lugares ocupados por mulheres ao longo da história da mulher brasileira.

“Essas histórias muitas vezes não são observadas como histórias que fundaram este país, para que pudéssemos ser quem nós somos. Talvez hoje a chave que vira é a perspectiva de entender que elas parecem ser anônimas, mas na verdade são as histórias do cotidiano que formulam o que nós somos na sociedade, enquanto identidade racial e identidade de gênero”, analisa Yérsia.

Para a antropóloga, “em todas essas narrativas, as sujeitas históricas culminam momentos que hoje são como esse do julho das pretas e do dia 25 de julho, que faz nós estarmos discutindo quem são essas mulheres, quais lugares elas ocupam, como elas estão concebidas dentro dos nossos territórios e dos nossos livros de história. Nos faz refletir sobre a nossa educação e como nós aprendemos e estamos nos constituindo enquanto mulheres negras e seres pensantes que ocupam experiência no mundo e na vida”, afirma Yérsia.

Rejane Maria, Beatriz Nascimento, Tereza de Benguela

Apesar de muitas mulheres pretas terem atuado na linha de frente em diversas batalhas sociais ao longo de toda a história brasileira e mundial, o direito de serem protagonistas nos livros de história ainda é negado. Aliás, o que acontece na prática é um apagamento histórico, caracterizado pelo racismo e machismo. Hegemonicamente, os personagens da história oficial, quando não são homens, são mulheres brancas. Um bom exemplo é o mito da falsa abolição a partir da assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, quando a abolição oficial da escravidão já era considerada como algo inevitável.

Vale ressaltar que o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão e isso só se deu devido a questões econômicas. Ainda assim, as crianças aprendem na escola que a escravidão foi abolida por causa da suposta caridade de uma mulher branca que mal fazia ideia do que se passava nas ruas, enquanto deixam de aprender sobre a luta dos seus ancestrais no passado.

Maria Beatriz Nascimento, por exemplo, é conhecida pelas importantes contribuições à história, com suas pesquisas sobre quilombos, relações raciais e culturas negras. No final da década de 1940, Beatriz migrou juntamente com sua família para o Rio de Janeiro, onde iniciou a sua carreira intelectual. Acadêmica, roteirista, poeta, pesquisadora e historiadora, Beatriz lutou contra o racismo e pelos direitos das mulheres negras.

Para a historiadora Carine Mangueira, Beatriz Nascimento demonstra que as pessoas negras podem ocupar tanto o espaço acadêmico, quanto outros lugares de um novo espaço acadêmico e uma outra vida com pretas e pretos produzindo sobre si e sobre o mundo.

“Ela é símbolo de uma nova epistemologia, um novo espaço acadêmico e uma outra vida com pretas e pretos produzindo sobre si e sobre o mundo. Ela, Rejane e Tereza de Benguela precisam ser mais que uma data isolada ou memória pontual anual. Nós, mulheres pretas, precisamos referenciar e reverência de Beatriz Nascimento, que é uma mulher-pluripotência: Vasta e devastadora. Aracajuana como eu, você, Rejane”, afirma Mangueira.

Tereza e Beatriz: símbolos vivos que aninam as lutas (Fotos: Fundação Palmares e UFMG)

A rainha Tereza de Benguela

Por sua vez, Tereza de Benguela liderou um dos quilombos que mais teve resistência contra a violência colonial, o Quilombo Quariterê (1730 a 1795). Tereza assumiu a liderança do quilombo após a morte de seu companheiro, José Piolho, em meados do século XVIII, Ele se tornou rainha de Quariterê sendo que sua liderança vigorou até 1770, quando da sua morte em combate, liderando a comunidade negra e indígena contra a escravidão por mais de dez anos

Em 2014, o dia 25 de julho foi nacionalmente reconhecido como do Dia da Mulher Negra e de Tereza da Benguela, conforme a Lei 12.987/2014. A homenagem leva o nome de uma importante liderança quilombola, a qual assumiu o Quilombo Quariterê, um dos quilombos que mais teve resistência contra a violência colonial.

“A mulher preta precisa conhecer Tereza, rainha lá. Fala pro homem cordial e a sua falha engrenagem em África e cá em liderança quilombola, e reconhecer em si o que dela ressoa: a liderança da sua casa, em sua comunidade. Ver e rever sua existência pela ótica da importância e não só dos piores dados no tocante à violência cotidiana social, empregatícia, sexual”, diz Carine Mangueira.

Mesmo que a passos de formiga e sem vontade, os legados dessas mulheres são finalmente reconhecidas como fenômenos históricos. Espera-se que um dia seja abordado nas escolas e em espaços culturais, para que possamos seguir sendo o sonho pulsante das nossas e dos nossos ancestrais. E como na música ´Renegado´ da eterna Elza Soares, cada vez que uma preta e um preto olhar no espelho possa dizer: sempre me encanto com o meu cabelo e a cor da pele dos ancestrais.  As nossas vozes milenares não podem ser caladas. Viva a Rejane Maria, Beatriz Nascimento, Tereza de Benguela e muitas outras!!

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