TAUÃ FERREIRA, da Mangue Jornalismo
@taua_ferreiraa
CRISTIAN GOES, supervisão
@josecristiangoes
Quantas pessoas vivem em situação de rua em Sergipe? Quantas estão em Aracaju? Quantas são crianças, mulheres, idosos? Quais suas histórias? Nenhuma dessas e de outras tantas perguntas têm respostas comprovadas. Não há dados confiáveis. Nem o Governo do Estado e nem a Prefeitura de Aracaju têm números dessa população em situação de rua baseados em censo.
Entretanto, um levantamento de notificações do Ministério da Saúde e que está presente no relatório População em Situação de Rua do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, apresenta dados dramáticos sobre Sergipe.
O painel interativo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) revela que entre os estados nordestinos, Sergipe foi onde os casos de violência contra pessoas em situação de rua mais cresceram, partindo de cinco registros em 2015 para 34 em 2022, um crescimento de 580%. A média de crescimento de violência contra essa população no Nordeste no mesmo período foi de 50%. Esses dados foram também publicados pela Agência Tatu, de Alagoas.
De acordo como os dados do Sinan, nos últimos sete anos, foram registrados 164 episódios de violência a essa população em Sergipe.
Esses números não incluem casos de homicídio. Os dados apresentados são apenas de notificações de situações onde as vítimas de violência são pacientes atendidos pelo SUS e o agente público registra a situação de rua como motivação da violência.
O próprio relatório do governo federal informa que “é muito provável que esses números não representem o total de casos de violência contra esta população”, reconhecendo que há subnotificações.
A falta de clareza nos dados referente à população em situação de rua em Sergipe, não se restringe apenas aos casos de violência física em que as vítimas são atendidas pelo SUS e o agente público registra que a agressão foi motivada pela condição de rua, mas também a falta de informação se estende a vida dessas pessoas.
Prefeitura de Aracaju não se mexe para fazer o censo. Porquê?
O Movimento Nacional da População de Rua em Sergipe (MNPR-SE), núcleo Aracaju, não entende o porquê da prefeitura da cidade não querer fazer o censo da população em situação de rua.
O censo do 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou na época 832 pessoas que tinham se declarado com situação de rua, entretanto, quase todas as capitais realizam censos específicos com essa população para traçar políticas públicas direcionadas e resolutivas, mas Aracaju não realizou esse censo.
Marcos Santos, da Pastoral do Povo de Rua em Aracaju, avalia que, a partir de dados do CADúnico, mil pessoas vivem em situação de rua na capital.
Para assistentes sociais e que trabalham na Prefeitura de Aracaju ouvidos pela Mangue Jornalismo, essa lacuna de dados na coleta de informações com a população em situação de rua mascara um problema crescente, não revelando publicamente a quantidade de seres humanos abaixo da linha da pobreza nas ruas de Aracaju sem atendimento básico de políticas públicas.
Várias organizações, a exemplo do MNPR-SE tentaram várias vezes junto à Prefeitura de Aracaju realizar esse censo, mas nada avançou. “Em novembro de 2022, a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal da Saúde, chegou a acionar a Rede de Atenção Psicossocial para formar um grupo de trabalho para preparar esse censo, mas infelizmente isso não foi adiante”, lembrou o estudante Robert Carmo, que apoia o MNPR.
Depois de um extenso período de negociações, que englobou diversas entidades públicas e a sociedade civil, com o objetivo de desenvolver as metodologias essenciais para a realização do censo com a população em situação de rua em Aracaju, além de identificar os recursos humanos e tecnológicos necessários, o movimento foi informado de que não havia verba disponível para a execução desse trabalho.
Convencidos da importância de realizar o censo, o grupo de trabalho, em parceria com a Associação Comunitária Bom Pastor, uma associação católica sem fins lucrativos que há mais de 30 anos promove ações sociais para auxiliar pessoas em situação de rua, buscou o apoio da então vereadora Linda Brasil (PSOL) para obter uma emenda impositiva destinada à execução do censo.
Após a aprovação da emenda, a Secretaria Municipal da Saúde assumiu o compromisso de custear o transporte e a alimentação das equipes encarregadas da coleta de dados. No entanto, após o prazo previsto para o repasse dos recursos, o MNPR-SE foi informado de que a secretaria não cumpriria mais com a parte acordada para a realização do censo.
A MNPR-SE, juntamente com o grupo de trabalho, enviou um ofício solicitando uma reunião em caráter de urgência, tanto à Secretaria de Saúde quanto ao prefeito Edvaldo Nogueira (PDT). No entanto, em ambos os casos, seus pedidos foram arquivados.
A Mangue Jornalismo entrou em contato com a Secretaria de Saúde para esclarecer o motivo da não liberação da verba acordada para o início do censo com a população em situação de rua, porém, até o fechamento desta reportagem, não ocorreu nenhuma resposta. O silêncio também foi a resposta da Secretaria de Assistência Social.
Os problemas nas políticas de assistência social
Embora ainda não exista um censo específico que contribua para a formulação de políticas públicas mais eficazes para a população em situação de rua, Aracaju oferece alguns serviços dedicados a atender essas pessoas. Um exemplo é o Consultório na Rua, um serviço de saúde voltado exclusivamente para essa população, mas esse o consultório tem enfrentado os desafios devido à falta de profissionais.
Além disso, a capital sergipana conta com o Projeto de Redução de Danos, que há pelo menos 21 anos vem auxiliando usuários de drogas que vivem nas ruas. Contudo, este projeto vital está sujeito à insegurança de não ser uma política permanente do estado, dependendo de investimentos pontuais por parte de governos.
Talvez a iniciativa mais conhecida por prestar assistência à população de rua é o Centro de Atenção para Pessoas em Situação de Rua, popularmente conhecido como Centro POP. Lá, são frequentes os relatos de problemas nas instalações e a escassez de pessoal qualificado para lidar com a crescente demanda por assistência. Além disso, o centro já não consegue atender a todos os que vivem nas ruas de Aracaju, pois opera apenas de segunda a sexta-feira, das 7 às 15 horas.
As moradoras e os moradores em situação de rua criticam a insalubridade dos banheiros nos locais de acolhimento, a falta de mesas, cadeiras e de ventilador no refeitório (serve 80 pessoas, mas só possui quatri mesas) a falta de separação entre mulheres, homens e crianças nos dormitórios, o banho dos idosos que é dado no pátio sem que haja privacidade. A cobrança geral é por atendimento humanizado para a população em situação de rua.
“Não temos direito a uma janta, não temos direito a lavar as roupas, guardar os pertences. Queremos emprego, auxílio moradia e um programa de habitação para a população em situação de rua”, disse um morador em situação de rua durante um protesto pelo fechamento do Centro POP. Ele preferiu não dizer seu nome por medo de sofrer represália.
Um outro morador em situação de rua reclamou que sofreu perseguição homofóbica em unidade de assistência social, mas ao invés do problema resolvido, ele é que foi transferido para duas outras unidades e, por falta do medicamento controlado que utiliza, acabou tendo um surto psicótico e foi desligado das unidades de acolhimento e agora está nas ruas sem assistência.
“O Governo de Sergipe e a Prefeitura de Aracaju negligenciam a população em situação de rua o tempo todo. Em 2023 aconteceu uma ação truculenta de ‘higienização’ no Centro de Aracaju com tomada de documentos e de pertences da população de rua. Agradecemos o apoio do movimento sindical e precisamos nos unir para protestar. Não aceitamos mais violência nem mais humilhação, queremos que sejam cumpridos nossos direitos e condições de habitação e emprego para a população em situação de rua”, declarou Marcos da Pastoral do Povo de Rua.
Ygor Machado, coordenador geral do Sindicato dos Assistentes Sociais de Sergipe (Sindasse), cobrou que os moradores em situação de rua sejam ouvidos, cobrou planejamento, transparência e que seja feito concurso público para as unidades de atendimento à população em situação de rua, visto que há grande contingente de trabalhadores terceirizados e cargos comissionados.
Violência institucional através do reconhecimento facial nos serviços de saúde
Além de todas as dificuldades enfrentadas por pessoas em situação de rua em Aracaju, a busca por ajuda, por socorro, por atendimento básico de saúde recentemente adquiriu um novo obstáculo: o sistema de reconhecimento facial em unidades de atendimento da Prefeitura de Aracaju.
Pessoas em situação de rua denunciam estão sendo obrigadas ao reconhecimento facial em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), medida que expõe a população de rua a uma nova forma de violência institucional. Ao buscar ajuda nos CAPS, esses indivíduos já marginalizados se deparam com a implantação de tecnologias de vigilância que vão além da proteção, reproduzem dinâmicas sociais discriminatória.
Segundo Esse cenário revela uma inversão preocupante de papéis, onde o cuidado e a confiança esperados desses espaços são substituídos pela vigilância e controle. A imposição desse processo de reconhecimento facial pelos dispositivos de saúde ultrapassa limites éticos, pois não cabe a eles realizar esse tipo de julgamento. Essa interferência na lógica de cuidado desses ambientes reforça a necessidade de revisão urgente dessa medida, para preservar a dignidade e os direitos fundamentais desses indivíduos.
Com informações de Iracema Corso, da CUT/SE.