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Traços e cores do grafite tiram da invisibilidade catadores de recicláveis. Ação realizada no Santa Maria usa a arte para fortalecer a categoria

TATIANE MACENA, da Mangue Jornalismo
@_tatianemacena
CRISTIAN GÓES, supervisão

Cerca de 800 mil pessoas vivem da reciclagem no Brasil. Esse número é do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Diariamente, homens e mulheres ajudam ganham o pão ajudando a preservar o meio ambiente através da coleta e separação de recicláveis.

Esses heróis da reciclagem realizam um trabalho importante, porém quase invisível. Em muitas capitais brasileiras, diante do trânsito intenso de veículos, os catadores, associados pejorativamente como ‘homens e mulheres do lixo’, são rejeitados e às vezes ameaçados.

Com a experiência e olhar apurado, eles se tornam protagonistas na preservação ambiental ao desenvolver uma atividade dotada de conhecimento e consciência que a maioria da sociedade não tem. O mais importante, é dessa ação que vem o sustento de famílias inteiras.

Juliana dos Santos é catadora de reciclagem há quatro anos e usa o dinheiro arrecadado nos sustento dos três filhos, no pagamento do aluguel e das demais contas. Juliana tirava em média R$ 1 mil, mas como o preço do material reciclável caiu bastante, atualmente ela tem que trabalhar o dobro para conseguir a metade disso. Além do esforço para recolher entre 40 e 50 quilos de recicláveis diariamente, a jovem sofre preconceitos. 

“Muitas das vezes, as pessoas passam por nós, colocam a mão no nariz, abanam o rosto, e olham com rejeição. É um trabalho digno, honesto e que mantém a minha casa e os meus filhos. Porém, para algumas pessoas é algo nojento. A sociedade ignora a gente, olha com nojo, cospe no chão”, desabafa Juliana. Além do preconceito, ela ainda corre o risco de cortes e de adquirir doenças enquanto trabalha.

“Eles estão preservando o planeta todos os dias, mas não estão sendo remunerados como devem, não estão sendo respeitados como merecem. A conta no momento não fecha, o material despencou de valor. Eles precisam ganhar pelo serviço público e privado que prestam. Ter um salário mesmo e só assim a gente vai começar a ter justiça social nesse país”, ressalta o ativista Thiago ‘Mundano’, como ele mesmo se denomina.

“Quem faz a reciclagem acontecer são os catadores, eles sabem identificar como ninguém se um material tido como reciclável, tem reciclabilidade ou não. O trabalho que eles desempenham é de extrema importância para a sociedade”, enfatiza o presidente da Cooperativa dos Agentes Autônomos de Reciclagem de Aracaju (Care), Dárcio Ferreira.

“Tenho orgulho desse trabalho, independente da rejeição de muitos”, diz Juliana. (Fotos: arquivo)

Traços e cores do grafite na luta dos catadores

Com o objetivo de enfrentar o forte preconceito contra os catadores de reciclagem surgiu o Pimp My Carroça, um projeto iniciado em São Paulo, através do ativista Mundano, que já grafitava pelas ruas da capital paulista. Em 2007, ele encontrou um catador e perguntou se poderia pintar o carrinho dele. Ao finalizar o trabalho, percebeu que havia contribuído para aumentar a autoestima daquele profissional.

“Desenrolei uma frase, como eu sempre coloco. ‘Meu trabalho honesto, e o seu?’, ‘Não buzine, me dê bom dia’, ‘Meu carro não polui’. São frases para ter uma interação melhor na rua. Desde lá, não parei mais de pintar esses carrinhos”, disse Thiago.

Quando o ativista começou a conversar com os catadores, logo percebeu que o desafio era muito maior. “Não era só pintar o carrinho”, diz Thiago Mundano. Em 2012, ele e alguns amigos fizeram uma vaquinha visando uma grande ação, onde artistas, grafiteiros e catadores voluntários de várias atividades culturais se reuniram.

Onze anos se passaram e o projeto foi adaptado para outras realidades, como por exemplo, o Pimp Minha Cooperativa, que ocorreu no último sábado, 18, no bairro Santa Maria, em Aracaju.

A Care recebeu a ação um dia depois do seu aniversário de 24 anos. Durante a festa, familiares da vizinhança da cooperativa tiveram a oportunidade de conhecer o local de trabalho dos cooperados, enquanto desfrutavam de apresentações artísticas do evento que foi totalmente organizado por produtores locais.

Grafiteiras e grafiteiros fizeram painéis: uma verdadeira exposição. (Fotos: Tatiane Macena)

A ação no Santa Maria promoveu ainda melhorias nas sedes, como a pintura de sinalização de segurança do trabalho, além da distribuição de kits com camisetas, luvas, máscaras e óculos de proteção individual.

O dia contou ainda com cortes de cabelo gratuitos, oficinas de grafite, percussão e brinquedos recicláveis, atividades lúdicas para as crianças, além de discotecagem com a DJ Preto JB, apresentação dos grupos Trupe Kadabra e Embrazados Crew, e pockets shows de NG- Lampião da Rima e Lucas Andrade.

Para Mundano, a arte ajuda a colocar os catadores como super-heróis e super-heroínas. “Quando a gente junta diversas realidades, fortalece catadores e catadoras que é um trabalho marginalizado. O grafite também já foi muito assim. O grafite é da rua, a catação da rua. Arte é uma ferramenta muito poderosa. Através dela podemos sensibilizar mais, furar essa bolha, e colocar os catadores e catadoras no lugar que eles merecem”, ressalta.

Care recebeu o projeto Pimp My Carroça (Fotos: Tatiane Macena)

Relevância social e a história da cooperativa

Na região onde fica o Santa Maria, cerca de 300 famílias viviam e tiravam o sustento do lixão Terra Dura. Uma das viradas de situação ocorreu quando a Uincef lançou a campanha de combate ao trabalho infantil ‘Criança no lixo nunca mais’.

“Mas não tinha como tirar as crianças do lixão, sem tirar a família inteira. Foi aí, por meio de uma intervenção do Ministério Público Estadual, que saiu a ideia de criar uma unidade produtiva, que hoje é a Care”, explica a cooperada Amanda Bispo.

O terreno, que na época foi cedido pelo Estado, hoje é da cooperativa. O grupo começou com 20 cooperadas/dos, já passou por 115, e agora conta com 62 integrantes que fazem a triagem de 50 toneladas de materiais por mês, sendo 70% papel e papelão.

Karol Paixão é uma das cooperadas. Mãe solo, ela sustenta a família por meio da cooperativa. “Eu estava sem trabalho, sem nada. E eles me deram uma oportunidade. Quando a gente não sabe, eles ensinam a gente como reciclar”, afirma.

Severina da Silva está na cooperativa há 12 anos. “Já tinha nove anos que eu trabalhava na antiga lixeira quando aqui começou. Algumas pessoas trabalhavam três dias aqui e o restante da semana lá, porque na época a gente ganhava R$ 2,5 e aí não tínhamos como nos sustentar. Mas graças a Deus foi crescendo e arrumando gente para formar aqui uma cooperativa. O dinheiro não é muito, mas dá para sobreviver”, diz dona Severina.

“As pessoas não tem costume de separar lixos de materiais orgânicos”, diz Karol(e) e Severina(d) (Foto: Tatiane Macena)

Letícia Tavares, diretora executiva do Pimp My Carroça ressalta que sem o trabalho dos catadores, a reciclagem no Brasil não seria possível. “Cerca de 90% de tudo que a gente recicla no Brasil hoje passa pela mão dos catadores. Eles têm um trabalho qualificado e conhecem o tipo de resíduo, tem muito material que a gente fala que é reciclável, mas ele não tem reciclabilidade. E os catadores fazem essa seleção com qualidade”, diz Letícia.

Desde 2017, primeiro ano do Pimp Nossa Cooperativa, 722 artistas pintaram mais de 14 mil m² de murais artísticos inéditos e autorais com a temática da reciclagem, meio ambiente e sustentabilidade. Ao todo, mais de 1206 cooperados foram beneficiados, com a participação de 532 voluntários e diversas atividades culturais. Letícia Tavares informa que além do Pimp Nossa Cooperativa, existe um aplicativo que funciona no Brasil inteiro.

O aplicativo Cataki visa conectar geradores com catadores. “Todos nós da sociedade civil que geramos resíduos podemos localizar um catador próximo, verificar que tipo de resíduo ele coleta e chamá-lo pelo aplicativo para fazer a coleta. Não tem nenhum tipo de custo, mas a gente recomenda e orienta que quem está solicitando o serviço remunere o caçador de maneira adequada”, diz a diretora executiva.

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