Sempre ao lado de sua mãe, Kaio Davi, de sete anos, tem o tempo da luta de Elizabete Maria de Jesus contra o Grupo Viação Progresso pelo cumprimento de seus direitos trabalhistas e o pagamento das dívidas rescisórias. Em 2015, a ex-cobradora descobriu que estava gestante de Kaio e com chikungunya depois de sair da empresa sem oportunidade de realizar seus exames demissionais, que não foram solicitados.
Além de cobradora, Elizabete era uma das responsáveis pela Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA) e conta que pediu demissão depois de passar por um persistente assédio moral de seus patrões, que a acusavam de se reunir com seus companheiros para exigir o pagamento de salários atrasados.
Seis meses depois da demissão, a Progresso foi obrigada a readmitir Elizabete, mas ela lembra que a pressão e o desgaste permaneceram por mais quatro anos, até sair definitivamente da empresa em 2019. “Eu adoeci por causa do trabalho. Hoje estou de pé, mas já passei por muita coisa.”
Hoje, mãe solo de três filhos, a ex-cobradora ainda aguarda pelo pagamento das multas pelas irregularidades nas rescisões com a Progresso. Já os atrasos salariais entre rodoviários da ativa permanecem. “Kaio está com sete anos e eu não recebi o que me devem. Não é fácil conviver com essa injustiça. O tempo passa e as coisas não mudam”, lamenta a ex-cobradora.
O caso de Elizabete é um entre as mais de 300 condenações contra a Progresso na Justiça do Trabalho, em que os trabalhadores aguardam pelo pagamento de seus direitos na fila do Juízo Auxiliar de Execução. Para o procurador do Ministério Público do Trabalho em Sergipe (MPT/SE), Raymundo Ribeiro, que acompanha os processos dos trabalhadores rodoviários, “o panorama da situação das empresas de transporte coletivo de Aracaju é grave em termos de cumprimento da legislação do trabalho.”
Situação péssima para quem também está na ativa
As dificuldades financeiras não ocorrem apenas com os ex-trabalhadores da Progresso que aguardam o pagamento das dívidas trabalhistas. O ?? Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Aracaju (Sinttra) avalia que a condição para os trabalhadores rodoviários da ativa em geral é ruim para 70%.
A partir dos relatos pessoais, Miguel Belarmino, presidente do Sinttra, cita questões delicadas para as famílias que dependem dos salários pagos pelas empresas de transporte. “A situação é de muita gente despejada, sem pagar aluguel. Gente que não aguenta sofrimento, que passa fome. Muita gente está passando dificuldade”, disse Belarmino.
Segundo o presidente do Sinttra, a situação no Grupo Progresso é a que chama mais atenção. “A empresa vem de atrasos de salários de dois, três meses. Deve o décimo terceiro de 2022 e dois 2023. Não deposita Fundo de Garantia de funcionários que tem mais de 20 anos. Não paga INSS, não paga nada. Então é um caos”, alerta Belarmino.
Com 43 anos de prestação de serviço no transporte coletivo da grande Aracaju, o Grupo Progresso é remanescente de um trio formado com as empresas Bonfim e Halley que dividiram por três décadas a hegemonia do transporte coletivo na região.
Em meados da década de 2010, as empresas Bonfim e Halley entraram em decadência abrindo espaço para as outras duas empresas vindas de fora do estado: a Modelo e a Atalaia.
Subsídio para as empresas dado pelo prefeito e maioria dos vereadores
Na semana passada, a Mangue Jornalismo publicou que a Prefeitura concede benefícios milionários para empresas de ônibus condenadas na Justiça do Trabalho. Planilha de custos indica graves irregularidades. Leia AQUI.
O aporte financeiro dado pelo prefeito Edvaldo Nogueira (PDT), previsto para alcançar a cifra impressionante de R$ 40 milhões neste ano de 2024, responde diretamente à reivindicação dos empresários do setor.
Esse montante milionário foi aprovado na Câmara Municipal em novembro de 2023 e compreende: um subsídio sobre o custo das passagens de ônibus no valor de R$ 24 milhões, além do pagamento pela gratuidade para passageiros portadores de deficiência e seus acompanhantes no transporte público e da isenção do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
“O subsídio dado está muito aquém da realidade, então, amanhã, não exija transporte à la Paris ou Londres. Esse subsídio é para diminuir o déficit. Mas o déficit vai continuar”, afirmou Adierson Monteiro, presidente da Progresso.
Monteiro entende que exista falta de atenção adequada do poder público para este serviço público essencial. “A Constituição Federal determina que 25% do orçamento deve ser destinado à educação e 12% para saúde. Pelo que acompanhamos não temos qualidade nestes serviços. O transporte nunca teve recurso, como pode ter qualidade?”, questiona.
O empresário não esconde as dificuldades financeiras enfrentadas pelo grupo que atualmente opera com capacidade reduzida. Relativizando problemas anteriores, dois fatores são apontados pelo empresário como fatores determinantes para a atual situação da empresa: a pandemia de Covid-19 e falta de apoio financeiro da prefeitura de Aracaju.
Segundo Monteiro, até 2020 a distribuição de linhas de ônibus era equilibrada entre sua empresa, Atalaia e Modelo, e cada uma administrava pouco mais de 30% das linhas em circulação, mas que mudou com a baixa adesão de passageiros durante a pandemia.
“As empresas eram mais ou menos do mesmo tamanho. Com a pandemia, hoje a Atalaia está com 55% do sistema. Nós caímos para 18%. Caímos não é porque ficamos safados. Caímos porque a prefeitura não deu condições.”, argumenta o presidente da Progresso.
Monteiro comenta também que mais de 170 cidades no Brasil subsidiam o transporte público e que se sente em desvantagem competindo com a Modelo e Atalaia já que estas empresas estão ligadas a grupos maiores que atuam também em outras cidades como, respectivamente, Salvador e Recife.
“Por que Atalaia subiu tanto? Porque é mais nova, tem menos problemas e como em Recife ela recebe subsídio, eles trazem um pouco do recurso de lá pra se manter aqui. Não tem milagre e não tem química.”
Os apoios dados pela prefeitura
Durante a pandemia, centenas de cobradores perderam seus empregos com a extinção da função no sistema de transporte público. O Sinttra não tem um dado exato sobre o número de demitidos, mas acredita que cerca de 1300 trabalhadores perderam seus empregos.
O Projeto de Lei do vereador Vinícius Porto (PDT), aprovado pela Câmara Municipal de Aracaju (CMA) que provocou a demissão em massa foi sancionado em setembro de 2021 pelo prefeito Aracaju e determinou que os coletivos usassem apenas o sistema de bilhetagem eletrônica nas operações de compra e venda de passagens.
Dois meses após a decisão do prefeito de Aracaju, Josemeire Pastor Santos, que tinha onze anos de serviços prestados como cobradora da empresa Progresso, foi demitida sem direito a praticamente nada, com acesso apenas a uma parcela de seguro desemprego.
Hoje, mãe de três filhos, Josemeire faz faxina para sustentar a família. “Não pagaram nada pra gente e a agente saiu sem eira e nem beira. Com uma mão na frente e a outra atrás. Sem nada pra sobreviver só Deus para nos ajudar. Onze anos de trabalho.”
Adierson Monteiro comenta que a demissão em massa dos cobradores não surtiu efeito imediato na sua empresa e que só terão impacto econômico sobre a gestão dos salários dos trabalhadores da ativa quando a dívida com ex-funcionários forem pagas. “Este impacto só vem daqui a dois anos quando nós terminarmos de pagar todos os demitidos”.
O decreto que introduziu a bilhetagem eletrônica no transporte público foi assinado em junho de 2007, pelo também na época prefeito Edvaldo Nogueira, e proíbe a demissão de cobradores por parte das empresas de transporte.
À espera do pagamento de seus direitos, Josemeire questiona a isenção de impostos e recursos dados pela Prefeitura de Aracaju em novembro. “Como pode? Eles recebem subsídio da prefeitura, mas a gente, que saiu, não recebe nada. Os funcionários que estão trabalhando também não recebem. E a empresa não vai pra frente.”
Para a Progresso, o subsídio oferecido pela Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT) de Aracaju, está muito longe de cobrir os custos das empresas. Segundo os cálculos da empresa, a partir da planilha tarifária exposta, a defasagem no preço da passagem seria de R$ 2,00, o que colocaria a tarifa ao custo de R$ 6,50.
Sobre a crise permanente no sistema de transporte, a SMTT de Aracaju informa que “a prefeitura vem trabalhando para equilibrar o sistema e minorar a crise que afeta o transporte público, fato que ocorre não só em Aracaju, mas em todo o país. Prova disso é a revogação de impostos e, agora, com o subsídio que viabilizará o congelamento da tarifa e a requalificação da frota.”
MPT/SE pede intervenção na empresa e responsabilização da prefeitura
Em junho de 2022, em meio a mais uma paralisação dos trabalhadores rodoviários que exigiam o pagamento de salários atrasados, o MPT/SE ajuizou uma ação civil pública contra o Grupo Progresso e as SMTT’s de Aracaju, Barra dos Coqueiros e Nossa Senhora do Socorro, pedindo a intervenção judicial no grupo Progresso por, pelo menos, 12 meses.
A petição assinada pelo procurador Raymundo Ribeiro solicitou a indisponibilidade e o bloqueio de todos os bens móveis e imóveis, veículos e ativos mantidos em instituições financeiras pelo Grupo Progresso.
Além disso, solicitou o bloqueio dos créditos das empresas na operadora da bilhetagem eletrônica de vale-transporte do sistema de transporte coletivo de Aracaju para garantir recursos para o cumprimento das obrigações trabalhistas.
“Ao longo dos anos, foram inúmeras as ações individuais reclamando direitos idênticos, às vezes, incontroversos, sinalizando, uma vez mais, para o caráter crônico do problema trabalhista gerado pelas rés, que se tornaram demandadas contumazes na Justiça do Trabalho. Em outras palavras, praticamente todos os trabalhadores das rés, quando dispensados, precisam ajuizar ações trabalhistas, sejam individuais, sejam plúrimas, para terem seus direitos rescisórios e contratuais, como salários, FGTS, férias, 13º, etc.”, relata a petição.
O pedido de intervenção judicial no Grupo Progresso foi indeferido pela 7ª Vara do Trabalho de Aracaju e no recurso ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 20ª Região. Na decisão que negou o pedido na primeira instância, o juiz considera que “embora seja certo que há diversos registros de descumprimento de regras trabalhistas, não há elementos que permitam concluir condução fraudulenta das empresas”.
Ainda assim, o procurador do MPT/SE enfatiza a gravidade da situação das empresas com relação ao cumprimento da legislação do trabalho, indicando a co-responsabilidade da Prefeitura de Aracaju. “Em eventuais novas contratações de empresas, o município de Aracaju tem que verificar o histórico das empresas. Porque além da violação trabalhista, o que já é grave por si só, isso afeta também a qualidade do serviço público e a intervenção na prestação do serviço público com eventuais não pagamentos de salários”, declara Ribeiro.
Respostas de 2
Tudo isso e uma vergonha pra os trabalhadores
E tanta lei
E não fazem nada poi isso tudo
Infelizmente o poder público e as leis não protegem os trabalhadores e as classes menos desfavorecidas, os políticos, eleitos pelo povo trabalham contra o povo.