TAUÃ FERREIRA, da Mangue Jornalismo
(@taua_ferreiraa)
No estado onde a maioria da sua população se reconhece preta ou parda, cerca de 74,5% segundo o censo do IBGE de 2022, combater o racismo presente na sociedade deveria estar entre as prioridades de qualquer administração. Porém, essa não é a realidade em Sergipe, que atualmente é o único estado fora do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR).
Criado em 2010 a partir da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, o SINAPIR é um importante mecanismo de articulação e cooperação entre estados, municípios e o Governo Federal. O objetivo desse sistema é atuar na promoção de discussões e na implementação de ações voltadas ao enfrentamento das desigualdades de oportunidade, discriminação e na garantia dos direitos das populações negras, indígenas e ciganas do país.
Para especialistas, a ausência de Sergipe no SINAPIR, sinaliza para um isolamento do estado na discussão das ações de enfrentamento ao racismo e impede a efetivação dessas dessas políticas, uma vez que o estado – estando fora desse sistema – pode deixar de receber verbas disponibilizadas pelo Governo Federal através do Ministério da Igualdade Racial.
O professor do departamento de direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Ilzver de Matos Oliveira, é crítico à ausência de Sergipe no SINAPIR. Para Oliveira fica a impressão é de descaso por parte do estado. “Isso dá à sua população negra a mensagem de que a gente importa menos e dá para o Governo Federal a indicação de que Sergipe está mais distante dele que os outros estados membros”, critica o professor.
O desinteresse do governo
Para fazer parte do SINAPIR, é obrigatório que Sergipe demonstre que aplica medidas de combate ao racismo. Uma dessas condições é a eleição e manutenção de um Conselho Estadual da Promoção da Igualdade Racial (CEPIR), que existiu no estado até 2020, quando foi desativado. Apenas no ano de 2023, sob uma nova gestão, o conselho foi reaberto.
A atual secretária de combate ao racismo da Central Única dos Trabalhadores em Sergipe (CUT/SE), Arlete Silva, participou do conselho antes do seu fechamento. Arlete entende que as dificuldades enfrentadas pelo conselho estão na falta de incentivo do governo. “Nós tivemos poucas reuniões e não teve interesse do governo que a gente terminasse o mandato do conselho. As representações estavam nas reuniões, mas não tinha projeto, fizemos uma programação de ir em quilombos, mas não tivemos como ir”, avalia.
Exemplos próximos
Dentre os 75 municípios de Sergipe, apenas três aderiram ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, para Ilzver, a não participação do estado no SINAPIR, desestimula a entrada de mais municípios no sistema. “Sergipe é o exemplo a não seguir e isso repercute nos seus municípios, porque hoje apenas três municípios sergipanos estão no SINAPIR: Laranjeiras, Aracaju e, recentemente, Santo Amaro das Brotas”, afirma Ilzver Oliveira.
Oliveira compara as ações do governo de Sergipe relacionadas ao tema, com iniciativas de outros estados do Nordeste. O professor aponta como exemplo positivo a Bahia que, há mais de 20 anos, tem uma Secretaria de Igualdade Racial, com orçamento que pode chegar a 15 milhões de reais.
O professor ainda destaca o estado do Ceará, que além da Secretária de Igualdade Racial também conta com uma pasta para os Povos Indígenas, que somadas chegam ao orçamento anual de 256 milhões de reais.
“Outros estados e municípios seguem nessa tônica atual de gestão sensível à raça, o que não temos visto por aqui. Sabemos que se criaram secretarias novas nesse último governo, por que não se criou uma de igualdade racial e Povos tradicionais? Prioridades mal pensadas”, ressalta Oliveira.
Avanços nos últimos anos
Ainda que Sergipe esteja atrasado em relação a outros estados do Nordeste no que diz respeito às políticas para o combate ao racismo, no ano passado, a Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe aprovou o Projeto de Lei 265/2023, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa.
O projeto de lei, composto por 23 páginas, busca assegurar os direitos da população negra de Sergipe, abrangendo aspectos que vão desde a educação até a garantia da liberdade religiosa. O texto também propõe a produção anual de relatórios contendo estatísticas sobre os impactos da violação de direitos humanos na qualidade de vida da juventude negra.
Esta iniciativa, foi um importante passo para ampliação do combate aos crimes relacionados com racismo no estado. Segundo dados da Coordenadoria de Estatística e Análise Criminal, de janeiro de 2022 a maio de 2023, foram registrados 83 ocorrências de preconceito de raça ou cor em Sergipe.
Compromisso com a luta
Para Oliveira a adesão de Sergipe ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, aliada à criação de uma Secretaria dedicada à Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais, dotada de autonomia de gestão, administração e orçamento, representaria uma oportunidade única para o estado.
“Nos colocaria na rota dos investimentos nacionais e internacionais, diante da demonstração pública de sensibilidade à raça e permitiria mostrar que os 5 bilhões de orçamento do estado podem tranquilamente fazer promoção da igualdade racial de modo proporcional ao que já se faz, há décadas, em outros estados e municípios” conclui Oliveira.
O Governo de Sergipe afirmou que tem mantido reuniões com o Ministério da Igualdade Racial para coordenar a entrada do estado no SINAPIR. E atualmente, está aguardando a visita de representantes da pasta, marcada para o próximo dia 18 de julho, quando vai ocorrer a entrega de equipamentos e assinatura do termo de adesão.
O estado também declarou que tem realizado ações para a promoção da igualdade racial para a adesão ao SINAPIR, incluindo visitas técnicas, palestras, seminários, participação em caminhadas, rodas de conversa com povos ciganos, quilombolas, indígenas e de matrizes africanas, bem como realização de reuniões, campanhas e eventos para promoção da defesa da liberdade religiosa e combate à intolerância.