DÍJNA TORRES, da Mangue Jornalismo
A Agência Mangue Jornalismo já publicou dados parciais dos gastos do Governo do Estado e da Prefeitura de Aracaju com contratações de artistas para os festejos juninos. Pela Fundação de Cultura e Arte Aperipê (Funcap), os valores ultrapassam os R$ 8 milhões. Já na Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju), o montante utilizado é superior aos R$ 4 milhões. De acordo com os documentos publicados, os valores empenhados chamam a atenção para as diferenças gritantes entre os cachês de artistas locais, entre R$ 2 e 8 mil, em média, e de artistas considerados “nacionais” que chegam a R$ 420 mil.
Convidamos o poeta, cantor, compositor e artista André Lucas dos Santos, conhecido como Dé Lucas, para nos contar sobre os desafios e lutas para que o “país do forró” reconheça seus agentes de cultura, sobretudo neste segmento musical. Dé Lucas é idealizador e membro do Coletivo de Saraus de Sergipe, além de padrinho cultural do Grupo História da Música da cidade de Propriá, diretor de comunicação do Sindicato dos Músicos Profissionais de Sergipe e membro do Coletivo de Música de Sergipe (Comus). Confira a entrevista:
Mangue Jornalismo – Segundo o saudoso Rogério, Sergipe é o país do forró, mas, na prática, as atrações que sobem aos palcos principais dos festejos juninos nos municípios do estado são de outros locais e, muitas vezes, de outros segmentos musicais, a exemplo de cantores do ritmo sertanejo, do axé music, entre outros. Enquanto artista do forró, o que você pensa sobre isso?
Dé Lucas – Sergipe é o país do forró, como diria o saudoso Rogério e virou um slogan, mas não passa hoje de um mero marketing. Nós temos forrozeiros antigos tendo dificuldade para ter acesso a esses palcos, muitas vezes têm que adaptar seu repertório, porque senão não toca nas festas. Nas cidades do interior, o que mais têm são artistas locais escanteados, porque essas grandes atrações, para os gestores, são elas que trazem o turista para a cidade. Mas não necessariamente é isso, é para poder sair nas fotos como a melhor festa da cidade, que trouxe mais atrações nacionais. Por trás desse pano de fundo, através de denúncias do sindicato dos músicos, há um entendimento de que há um cartel onde só toca bandas de nomes nacionais e dentro dessa denúncia ao sindicato, temos ainda que parte dessa verba fica com os empresários aqui. Então, quem não topa fazer parceria com esses empresários, logo, não toca. Temos diversos forrozeiros, e eu arrisco a dizer que mais de 60% dos artistas sergipanos atualmente são do nicho do forró, mas quando chega esse grande momento que todo mundo espera, que é o mês de junho, eles só são utilizados para poder reafirmar que Sergipe é o país do forró, porque quando chegamos aos palcos, a realidade é totalmente outra.
MJ – A Mangue Jornalismo publicou os gastos exorbitantes com estrutura e artistas que foram contratados para tocar nos festejos juninos deste ano, vimos que há uma diferença grande entre os cachês de artistas sergipanos e artistas que são nacionalmente conhecidos. Como os sergipanos enxergam essa situação, sobretudo num período em que as estrelas das festas deveriam ser os artistas que promovem a valorização dos festejos e cultura do São João?
DL – É gritante a diferença do cachê. Dentro do parlamento sergipano, tanto faz no legislativo, nos municípios, na capital, geralmente tem projetos de lei que tramitam que tem que ter mais espaço para o músico sergipano, tem que ter uma cota para o músico sergipano, só que a gente entende que não é só sobre cotas e vagas, é sobre a distribuição do montante, porque não adianta você colocar cinco trios pés-de-serra, cada um custando de R$ 1,5 a 3 mil, que é o que eles pagam por base, e vem, por exemplo, Bel Marques, que cada show dele custa R$ 450 mil e várias cidades do estado já têm show fechado com ele, é o caso de Lagarto e Pirambu, inclusive, esse último município é um caso mais emblemático ainda, porque o prefeito deve a músicos que tocaram no Carnaval, mas, no mesmo Carnaval ele já fechou com Bel Marques para o aniversário da cidade ainda esse ano. Então, existe esse menosprezo pelo músico sergipano, que são preteridos na maioria das vezes porque esses acordos para ter esses cachês exorbitantes passam por seus grandes empresários que fazem esse domínio da festa da música sergipana. Hoje, as festas públicas de Sergipe basicamente têm dono, porque quem indica e consegue esses contratos, geralmente pertence a um produtor específico.
MJ – Como o poder público deveria agir e porque os gestores seguem fomentando a mesma estrutura de festa ao longo dos anos? O que fazer para mudar o cenário?
DL – Essa é uma questão que todo agente cultural, todo agente artístico cultural faz. A gente tem dificuldade nos municípios, com os gestores da pasta de cultura (quando tem) de nos atender, inclusive esse é o caso de muitos municípios que as pessoas batem à porta e nunca são atendidas. Temos dificuldades extremas com a Funcaju. A capital, que deveria ser exemplo, muito raramente o presidente da Funcaju consegue fazer esse atendimento. A gente não é ouvido, o artista sergipano do nicho do forró não é ouvido. O poder público deveria interferir através do Ministério Público, Ministério do Trabalho, Poder Público Federal, para investigar porque essas bandas recebem esses valores exorbitantes, enquanto artistas locais não recebem. Eles vêm com uma justificativa que é a da elegibilidade, que você não precisa concorrer a edital pelo seu reconhecimento estadual. Enquanto isso, para o artista sergipano poder tocar, tem que participar de editais extremamente burocráticos, com tempo não hábil para inscrição, com documentos que dá um desgaste para você procurar, com exigências que o músico compreende que não cabe a eles. Então, o poder público deveria ouvir o agente cultural, para poder entender, fazer um mapeamento, um diagnóstico e entender que sem o diálogo com o agente cultural, com a população, as coisas não irão mudar. O que dá para se entender é que toda essa estrutura do poder público, ela parece que está na subserviência de fazer manter essa estrutura para que grandes empresários saiam lucrando como em todos os anos.
MJ – Como vivem os artistas que trabalham com o forró e a cultura junina ao longo do ano? Há algum tipo de incentivo do poder público?
DL – Não há incentivo do poder público. O que eles chamam de incentivo é quando existem as festas das cidades, os festivais de artes, os encontros culturais, aí você consegue colocar esse pessoal para tocar. O problema é que esses eventos só acontecem uma vez no ano, por exemplo, as quadrilhas juninas que passam todo o momento ensaiando para chegar até o mês de junho, envolve trio pé-de-serra, às vezes até banda, e essas pessoas estão ali sem incentivo nenhum, nem do estado, nem da cidade. Quando o estado, quando o poder público diz que vai fazer um fomento, um incentivo, eles fazem editais extremamente burocráticos e difíceis de ser acessados, e isso se torna um funil para tocar um, 2, 3, 4 grupos que repito mais uma vez, geralmente tem ligação com alguém da gestão, tem um atravessamento com a gestão do município ou do estado.
MJ – Em relação aos shows promovidos nos grandes palcos dos festejos, a exemplo do Arraiá da Orla, Forró Caju, São Pedro de Capela, entre outros espaços, há uma diferença também no tratamento entre os artistas e os produtores dos eventos e a gestão pública?
DL – São coisas que a gente nem acredita que acontece, mas a diferenciação é imensa. Por exemplo, eu já toquei em alguns locais onde a gente não tem nem camarim, mas, para o artista nacional vim, tem que ter não sei quantas toalhas brancas, tem que ter um camarim, todo um traslado garantido, com 50% do cachê já na conta, e o artista sergipano, geralmente quando ele participa desses eventos, que através de edital, para receber demora um tempo, não recebe na hora, como os músicos que vêm de outros estados, de outros municípios do Brasil, que são esses ditos artistas nacionais. O artista sergipano às vezes tem que brigar, tem que fazer confusão para poder receber o dinheiro. É o caso que eu falei sobre os músicos que tocaram no Carnaval em Pirambu, não receberam nem uma parcela, uma base de 12 músicos. Mas, Bel Marques está fechado. Então, é diferença no camarim, diferença no tratamento, diferença no respeito, ela é gritante.
MJ – Qual é o apelo dos artistas ao poder público e à população sergipana, diante das denúncias que publicamos e da falta de incentivo aos agentes culturais do forró em Sergipe?
Dé Lucas- O nosso apelo é de que ouçam os artistas, fomentem a cultura de verdade e busquem dialogar com os artistas para que eles sejam entendidos, porque os artistas é quem vão dizer a realidade, como eles querem que sejam os editais, quais são as dificuldades que eles têm. Então, a saída para tudo isso é que se tenham mais leis, que sejam cumpridas, que tenha audiência pública, que tenha investigação e que tenha no mínimo, a sensibilidade dos agentes públicos, dos gestores, tanto o majoritário como prefeito, tanto como os subordinados da pasta da cultura, que eles tenham a sensibilidade para ouvir a classe artística e resgatar a cultura do local deles. Resgatar a história da sociedade. Resgatar é usar a cultura como instrumento de transformação de ensino e aprendizagem. E não meramente transformar o setor cultural no setor de entretenimento, que onde você faz a festa pela festa e acabou. Eu acho que a cultura tem um papel para além, e esse papel ele vai ser desempenhado justamente por esses agentes culturais que durante o ano ficam a ver navios e quando chega nesse grande auge que é o mês de junho, eles acabam perdendo os espaços para essas bandas nacionais que tem atravessadores e que metade dessa verba fica aqui no estado.