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Sergipe é o 3º estado que mais forma professores, mas têm estudantes do ensino médio e das licenciaturas desmotivados

TAUÃ FERREIRA, especial para a Mangue Jornalismo

A Mangue Jornalismo publica a terceira reportagem da série “Aula vaga: a precarização da carreira docente em Sergipe”. Nesta terceira e última reportagem da série, mostramos as consequências para estudantes do ensino médio da rede pública da falta de concursos para o magistério sergipano e a desmotivação entre graduandos de cursos de licenciatura no estado em atuar na profissão.

Em 2024, foram registradas 163.372 matrículas de estudantes nas 318 escolas da rede estadual de Sergipe, segundo dados disponibilizados pela Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (Seduc), órgão subordinado ao Governo do Estado. 

Não há uma estimativa de quantos desses alunos espalhados pelos 75 municípios sergipanos enfrentam problemas para estudar por falta de professores, mas a Mangue Jornalismo conversou com alguns deles que relataram sobre turmas sem professores de algumas matérias por quase todo o ano.

Além disso, entrevistados de cursos de licenciatura – que formam profissionais para assumir, principalmente, as salas de aula de escolas públicas estaduais – também relatam grande desmotivação em seguir na carreira após a conclusão da graduação, já que as perspectivas em Sergipe são limitadas, além de baixos salários, alta pressão e profissão sem carreira.

Segundo os graduandos ouvidos pela reportagem, muito dessa desesperança com a carreira docente se dá devido à inexistência de concurso público para o magistério, bem como a falta de algumas das condições básicas de trabalho nas escolas, experiência com a qual eles experimentam pela primeira vez durante os estágios obrigatórios em instituições públicas. 

Descontinuidade do ensino 

Marciel Messias cursa o segundo ano do ensino médio em um colégio estadual no Centro de Aracaju. Em entrevista à Mangue, ele contou sobre as dificuldades enfrentadas por ele e seus colegas com a lentidão na reposição de professores.

“A gente ficou quase o ano inteiro sem aula de Química porque a professora se aposentou e eles não colocaram uma nova até agora. Uma professora do período da tarde veio para a manhã para poder dar aula para a gente se não a gente não ia ter aulas de Química o ano todo. Agora, uma professora de Geografia também se aposentou e já tem dois meses que não temos aulas porque não tem professor”, revelou Marciel.

Marciel Messias reclama da falta de professores na rede estadual. (Foto: Arquivo pessoal)

Marciel também é membro da União Sergipana dos Estudantes Secundarista (Uses), um dos principais movimentos organizados por estudantes de Sergipe. A experiência no movimento, que inclui visitas a escolas por todo o estado, mostrou para ele que a falta de professores é um problema recorrente no estado.

“As reclamações são constantes quando a gente vai nos colégios. É falta de professores, falta de estrutura. Quando eu estudava o 8º ano, teve uma turma que passou o ano todo sem aula de Matemática. Não teve professor, a escola passou os alunos colocando uma nota qualquer no sistema”, denuncia Marciel.

A falta de concurso para professores e as recorrentes editais de Processo Seletivo Simplificado (PSS), como mostrado na primeira reportagem da série Aula Vaga, implicam diretamente em prejuízos pedagógicos para os estudantes. 

O constante rodízio de professores temporários, que podem ocupar o cargo por no máximo quatro anos, causa a descontinuidade de projetos pedagógicos e o rompimento de laços criados entre docentes, alunos e a comunidade, o que contribui para os baixos índices de aprendizagem.

De acordo com dados do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), realizado em todos os estados e no Distrito Federal pelo Ministério da Educação em 2023, Sergipe ocupa a penúltima posição no índice de aprendizagem, com 5,16 pontos em uma escala que vai de 0 a 10.

Este índice, que é calculado com base na aprendizagem de Português e Matemática e na taxa de aprovação dos alunos, reflete os problemas que a educação sergipana enfrenta.

Os motivos para uma nota tão baixa podem ser encontrados no relato da estudante Kamilly Santana, que precisou se esforçar para poder ter acesso às aulas, direito básico garantido constitucionalmente no Brasil. “No 7º ano, fiquei praticamente o ano inteiro sem professor de Português. Eu estudava pela manhã e tinha que ir pela tarde”.

Ela relata os improvisos feitos pela escola para não causar mais prejuízos para os estudantes. “Não eram bem aqueles assuntos que eram para ser dados para a gente, funcionava mais como uma reposição de aula. Eles passavam atividades só para não dizer que deram uma nota para a gente sem a gente ter feito nada”, completa Kamilly.

Diante deste cenário incerto, estudantes que não têm outra opção senão cursar o ensino médio em escolas públicas enfrentam desafios adicionais caso decidam tentar uma vaga no ensino superior: precisam competir com alunos de colégios privados, que dispõem de melhores condições estruturais e pedagógicas para o ensino.

Em números absolutos, as matrículas de alunos provenientes da rede estadual de ensino na Universidade Federal de Sergipe (UFS) – única do tipo no estado – são maioria. Contudo, ao analisar essas aprovações proporcionalmente, apenas 14,3% dos alunos das escolas estaduais conseguiram ingressar em algum curso superior na instituição ao concluir o ensino médio em 2022. Em contraste, a rede privada, com aproximadamente 81% menos matrículas no ensino médio do que a rede pública, conseguiu uma taxa de aprovação de 50,7%.

Em 2012, foi sancionada pela então presidente da República Dilma Rousseff a Lei 12.711/2012, que regulamenta a reserva de no mínimo 50% das vagas em instituições federais de educação superior para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. A medida diminui a disparidade de oportunidades em cursos de graduação entre candidatos vindos de escolas públicas e privadas. Segundo dados da UFS de 2022, 56% de seus estudantes eram de escola pública. 

Futuros professores desmotivados

De acordo com levantamento do Ministério da Educação, a UFS ocupa o 3º lugar no Brasil e o primeiro no Nordeste em formação de professores. No entanto, apesar desse destaque, muitos desses profissionais recém-formados enfrentam dificuldades em encontrar oportunidades de trabalho, já que o estado não realiza concursos há quase 13 anos.

Um desses futuros professores é Gabriel Oliveira, estudante do 5º período de Licenciatura em Geografia na UFS. Em conversa com a reportagem da Mangue Jornalismo, ele relatou que descobriu sua vocação para a educação ao longo do curso, mesmo com algumas dúvidas iniciais.

“Eu sempre tive para mim que eu não tinha vocação nenhuma para ser professor porque eu achava que era uma pessoa sem paciência para lidar com o alunado. Mas foi chegando o Enem e eu acabei me permitindo cursar uma licenciatura. Optei pela Geografia devido ao cunho social, político e ambiental da ciência geográfica. E aí, durante o curso, eu fui me apaixonando e encontrando em mim mesmo essa vocação para área da educação”, revelou Gabriel.

“Minhas expectativas do mercado de trabalho são bem baixas e negativas” (Foto: Arquivo pessoal).

Antes de ingressar na graduação, Gabriel trabalhava como vendedor, profissão que definiu como exaustiva. Durante o curso, buscando complementar sua renda e aprofundar seus conhecimentos, participou de programas de estágio e de bolsas remuneradas oferecidos pela universidade. Lecionou em escolas da rede estadual de ensino e foi trabalhar em uma escola rural.

Graças aos recursos obtidos por meio dessas oportunidades, Gabriel conseguiu se dedicar integralmente aos estudos. Embora esteja entusiasmado com a nova carreira, ele ainda nutre incertezas quanto à sua inserção no mercado de trabalho.

“Minhas expectativas para o mercado de trabalho como uma pessoa formada em licenciatura são bem baixas e negativas. [É comum que] Nós, alunos de universidade federal, sobretudo alunos de licenciatura, [por vezes precisamos] estender nossa graduação para que a gente segure essas bolsas”, contou o estudante.

Gabriel também conta que a falta de concursos públicos para a rede estadual de ensino em Sergipe faz com que muitos dos formandos em licenciatura lecionem em escolas particulares, com jornadas extenuantes e baixos salários.

“A rede privada é algo que nos aguarda, não tem para onde correr. Só que é algo que a gente tenta evitar ao máximo até em estágios, porque é uma lógica muito cruel, em que você recebe muito pouco para desempenhar muitas funções. Têm escolas que pegam alunos do 1º, 2º período de licenciatura sem critério nenhum e colocam ele para assumir quatro, cinco turmas. [Colocam o graduando] Para fazer planejamento sem nenhum professor supervisionando… e recebendo muito pouco”, disse Gabriel.

A professora doutora em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês (USP) Marlene Augusto de Souza explica que na UFS, onde leciona basicamente disciplinas de Estágio Supervisionado, é justamente quando o graduando precisa ir para a sala de aula ter suas primeiras experiências lecionando em uma turma regular da educação básica que ocorre uma divisão entre quem tem certeza de que seguirá na profissão e quem desiste da carreira docente. 

“Durante os encontros que temos para discutir as questões relacionadas às atividades de estágio de observação e regência, falamos sobre a desvalorização da carreira do magistério e a sobrecarga de trabalho, da quantidade de turmas que os professores precisam assumir”, disse a professora.

Ela cita o caso sergipano de contratação de temporários como “parte deste projeto de desvalorização da carreira do magistério” e cita também preocupação crescente dos graduandos de cursos de licenciatura com a falta de suporte, por exemplo, para atender alunos neurodivergentes e com outros tipos de necessidades específicas e especiais. 

“Eles [os graduandos cursando estágios] observam que não há nenhum apoio do governo [de Sergipe] nem em termos de estrutura, de equipamentos, de profissionais especializados, nem mesmo formação continuada para os professores para prepará-los para lidar com esses alunos, com essas situações. Isso tudo provoca uma grande preocupação dos estagiários, que sabem que precisarão lidar com essas situações no futuro, como professores, atuando dentro de um contexto com tantas limitações e tantas cobranças”, ressalta a professora Marlene.

Procurada pela reportagem no final de outubro para comentar sobre a assistência a alunos neurodivergentes, PcDs e com necessidades específicas, a Seduc-SE respondeu que “como parte de uma ação do planejamento estratégico do Governo de Sergipe para o fortalecimento da educação especial, a Seduc divulgou no dia 21 de agosto de 2024 o resultado final do Processo Seletivo Simplificado (PSS) nº 15/2024 para a contratação de Apoio Escolar e Acompanhante Especializado para a Rede Estadual de Educação. Foram no total 182 vagas para apoio escolar e 369 para acompanhante especializado, mais cadastro de [sic] reserva.”


Esta reportagem faz parte da série “Aula vaga: a precarização da carreira docente em Sergipe”, projeto selecionado no 6° Edital de Jornalismo de Educação do Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação) em parceria com a Fundação Itaú.

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