CAMILA FARIAS, da Mangue Jornalismo
@camila_gabrielle
Uma pesquisa no Sistema de Informações e Indicadores Sociais (SIIC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que Sergipe foi um dos estados nordestinos que menos investiram em cultura em 2022, com um percentual de somente 0,8%.
Sergipe ficou no 3° lugar do ranking dos estados do Nordeste com esse índice, atrás do Rio Grande do Norte (0,8) e Paraíba (0,5%). O estado nordestino com maior investimento em cultura foi o Ceará (7,4%).
Esse baixo investimento afeta todos os setores culturais, incluindo, os museus. O IBGE mostrou que somente 47% da população sergipana mora em um município que tem um museu. E ter um museu não assegura amplo acesso e qualidade cultural.
A professora Neila Dourado Gonçalves Maciel, chefe do Departamento de Museologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), explicou que esse é um dado preocupante.
“Muitas pessoas talentosas acabam saindo do estado. Muitas produções param de ser realizadas. Os jovens se sentem desestimulados, consequentemente não há uma movimentação no mercado cultural. Os museus são reflexo dessa falta de investimento na estrutura, no fomento e na circulação dessas produções”, diz Neila.
Ana Karina Calmon, professora do Curso de Museologia da UFS e vice-diretora do Campus de Laranjeiras, entende que esse baixo investimento em cultura é proposital. “A gente sabe que cultura é um elemento aglutinador de pessoas, de convencimento social, de articulação, um elemento importante de articulação, e essa ausência de investimento é exatamente para que essas coisas não aconteçam”, acredita Ana.
Sem museu, sem maior possibilidade de memória
A pesquisa do IBGE mostrou que menos da metade da população de Sergipe vive em um município que tenha museu (47%). Esse também é o 3° menor percentual do Nordeste, ficando atrás da Bahia (45,9%) e do Maranhão (27,5%).
O professor adjunto de Museologia da UFS e membro do Conselho Estadual de Cultura em Sergipe, Fernando Aguiar, explica que é um direito natural e um direito constitucional o acesso à memória da cidade, o acesso à história e o acesso à informação.
“Quando as pessoas passam a não ter acesso ou a possibilidade de frequentar esses espaços, está sendo tolhido e negado a elas a condição de crescimento, de conhecimento, da valorização e da ratificação da própria pertença”, analisa Fernando.
Para ele, “não dá para se trabalhar a educação patrimonial, não dá para se trabalhar efetivamente com a valorização das coisas da terra, dos saberes, dos fazeres da terra, se as pessoas não têm acesso efetivamente a esses espaços em que circulam as informações que são necessárias”, afirma o professor.
Para a professora Ana Karina, esse número só comprova a ausência da sensibilização do Estado e das prefeituras para a cultura. “É importante que os líderes políticos compreendam a importância de um museu ou de um centro cultural, de uma biblioteca, de um arquivo, para salvaguardar a memória daquela comunidade, porque a memória é esse elemento que nos ensina, através do passado, e projeta mudanças para o futuro”, assegura Ana Karina.
Concentração de museus na capital
O Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e o Cadastro Nacional de Museus (CNM) realizam o esforço de mapear esses espaços nacionalmente, a partir da regulamentação e entrega de documentação.
Atualmente, o catálogo mostra que há em Sergipe pouco mais de 30 museus, sendo 60% deles na capital. Isso se reflete em apenas 11 municípios sergipanos com algum museu. São eles: Aracaju, São Cristóvão, Laranjeiras, Canindé de São Francisco, Boquim, Itabaiana, Indiaroba, Nossa Senhora das Dores, Estância, Frei Paulo e Simão Dias.
Lista dos museus, segundo o IBRAM
A professora Neila destaca que ter a maioria dos museus concentrados na capital dificulta o acesso das pessoas do interior. “O museu deve espelhar a sociedade, deve ser palco de movimento, de guardar memórias importantes e de fazer com que as pessoas pensem sobre a própria história. E quando isso não existe há um apagamento de sua própria realidade”, analisa a professor.
Neila alerta que, mesmo os museus na capital, eles também não contemplam a todos. “Existe uma segregação pelo contexto geral. Trabalhadores, moradores de bairros periféricos de Aracaju também não frequentam os museus da capital”, constata.
A professora Ana Karina ressaltou que há um grande prejuízo cultural de aprendizado nos locais que não contam com equipamentos culturais, como museus, salas de teatro ou de cinema, por exemplo.
Para o professor Fernando Aguiar, o maior problema não está no local onde há uma elevada concentração de museus e sim, na dificuldade de acesso por conta da falta de uma política pública focada na divulgação, da importância e da motivação e sensibilização para que as pessoas criem o hábito de frequentar esses espaços.
Sem concurso público e museus em decadência
A professora Ana Karina explicou que a ausência do investimento em cultura leva à falta de contratação de profissionais na área, o que pode resultar em uma série de prejuízos para o patrimônio, de modo geral, inclusive, com ferramentas de acessibilidade.
“Você nega a acessibilidade às pessoas com diferentes graus de deficiência, nega o acesso à memória, impossibilita a formação da educação formal através de iniciativas informais que iriam enriquecer muito o conteúdo pedagógico nas escolas. Então, é uma cadeia de negligência com a cultura que prejudica a toda a sociedade”, disse.
A professora Neila lembrou que a UFS vem formando museólogas e museólogos que não conseguem atuar nas Instituições por falta de concursos e de recursos. O resultado disso, pontuou o professor Fernando, é a existência de vários museus que se encontram em pleno estado de decadência.
“Ocorre o abandono do ponto de vista da higienização, da conservação preventiva dos acervos, da atualização de acervos, da própria documentação museológica, dos projetos expográficos, da comunicação museológica, dos projetos de ação educativa de museus, do processo de adaptação dos prédios dos museus a uma questão de acessibilidade. Então, são vários problemas e eles todos são gerados pela falta de uma política pública de valorização, de investimento e financiamento, de fomento para o desenvolvimento e racionalização da gestão em museus”, aponta Fernando.
O professor explica que apesar de termos um número de museus, isso pode não corresponder à realidade, porque falta registro legal e isso também afeta na contratação de profissionais especializados, assim como na realização de concurso público para a área.
“É importante perceber que o maior desafio para essas questões é também entender que os museus têm sido criados, edificados, construídos, têm sido instalados sem a preocupação do cumprimento da legalidade”, alerta o professor.
Fernando lembra que não é só o registro junto ao IBRAM, mas principalmente precisa existir “a construção de planos museológicos. Outra questão, que está por trás disso, é o fato de não estar registrado, de não possuir plano museológico, isso implica também na não contratação do profissional de museologia, uma vez que a profissão de museólogo é regulamentada por lei e não pode existir, efetivamente, museu, espaço de memória sem a contratação de museólogos”, completa.
Falta de investimento nos museus se reflete na falta de acessibilidade
Os dados do IBGE mostram que em Sergipe 279 mil pessoas com 2 anos ou mais de idade possuem algum tipo de deficiência. Isso representa 12,1% da população sergipana. Trata-se do maior percentual no país, que apresenta uma média de 8,8% de sua população com alguma deficiência.
Mesmo com esse elevado percentual de pessoas com deficiência, de pouco mais de 30 museus, somente sete contavam com banheiro acessível, quatro com elevador adaptado e sete com rampa de acesso. Ainda, segundo o IBRAIM, dez museus em Sergipe não apresentavam nenhum recurso de acessibilidade.
O professor Fernando explica que “os prédios que constam com instalações de museus são antigos, com estruturas obsoletas, muitas das vezes com pequenos reparos, mesmo assim com dificuldades na questão da manutenção da rede elétrica, da rede hidráulica. Há uma preocupação, inclusive, na questão da segurança no combate a roubos e incêndios”, comentou.
O fato é que não existem quase fiscalizações regulares nesses espaços. ”Cabe à população, ao Departamento de Museologia da UFS, às instituições ligadas a museus, provocar o Ministério Público Estadual ou Federal, no caso nosso, a maior parte é constituído de museus municipais, estaduais ou privados”, sugere Fernando.
A importância dos museus para a sociedade
A professora Neila destacou que “os museus são espaços que podem e devem promover o desenvolvimento da sociedade, não apenas com uma circulação de turistas, mas sobretudo, pelo fortalecimento da história, da memória e do futuro de quem somos”.
Ana Karina reforçou que ” museu é fundamental para a sociedade como comer e beber. Estou falando da importância de se consumir o simbólico, a afetividade, a crítica, de problematizar socialmente as questões que nos incomodam. Os museus fazem isso. E isso é fundamental para a formação de uma pessoa”, completa.
O professor Fernando Aguiar diz que é essencial criar políticas públicas voltadas à valorização da cultura. “Não há efetivamente uma política pública voltada para incentivar, estimular e racionalizar e captar recursos para o desenvolvimento de ações que ampliem e transformem. Infelizmente, isso propicia um descaso, um destrato, uma forma de relegar a cultura a um lugar menor na dimensão não só da identidade, não só da valorização, como também da relação de pertença para o próprio povo sergipano e do povo sergipano”, afirma.