CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo
@josecristiangoes
Não adiantaram manifestações públicas, apelos de ambientalistas, dados da comunidade científica, dossiês de organizações da sociedade civil. Ontem, 28, o plenário do Senado, em votação simbólica, aprovou o Projeto de Lei (PL) 1459/2022, que é mais conhecido como PL do Veneno porque expõe ainda mais grande parte da população a substâncias cancerígenas.
O PL do Veneno foi apresentado no Governo Bolsonaro pelo senador Blairo Maggi (PP-MT), que é conhecido como “rei da soja” e foi ministro da Agricultura.
Toda bancada ruralista no Congresso Nacional se mobilizou pela aprovação deste projeto. O texto aprovado no Senado teve o voto favorável do relator, senador Fabiano Contarato (PT-ES), e agora vai para a sanção ou não do presidente Lula.
Vale registrar que esse projeto tramitou em regime de urgência e passou como um relâmpago Comissão de Meio Ambiente do Senado a pedido da senadora Tereza Cristina (PP-MS), da bancada ruralista, ex-ministra de Bolsonaro e apelidada como “musa do veneno”.
Ontem, apenas a senadora Zenaide Maia (PSD-RN), vice-líder do governo no Congresso Nacional, votou contra a aprovação do projeto. Os três senadores por Sergipe, Alessandro Vieira (MDB), Laércio Oliveira (PP) e Rogério Carvalho (PT), não se manifestaram publicamente.
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil consome anualmente mais de 300 mil toneladas de produtos que têm agrotóxicos em suas composições. As culturas que mais usam agrotóxicos são a soja, o milho, frutas cítricas e cana de açúcar.
Projeto permite o registro de agrotóxicos que podem provocar câncer
A matéria sempre recebeu duras críticas de pesquisadores e ativistas porque o PL 1459/2022 é um atentado à saúde pública porque permite o registro de agrotóxicos que podem provocar câncer.
“Um problema gravíssimo é a possibilidade de registro de agrotóxicos que hoje são proibidos de serem registrados e que podem causar câncer, além de mutações genéticas que podem provocar problemas reprodutivos e desregulação hormonal”, reforça Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Segundo um dossiê da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), não há nível aceitável para o consumo de substâncias que podem provocar câncer. “Segundo a literatura científica sobre o tema, não existe uma relação de dose resposta para produtos cancerígenos. Pequenas doses podem gerar danos irreversíveis à saúde das pessoas”, alertou a Fiocruz.
Rubens Onofre Nodari, engenheiro agrônomo, geneticista de plantas e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), classificou como “inadmissível” a aprovação de “tamanho retrocesso” no Senado, ao comentar a tramitação do PL do Veneno.
Os agrotóxicos são chamados também de defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, remédios ou venenos. São substâncias usadas para o controle de pragas e de doenças em plantações.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), os agrotóxicos são usados para matar insetos, larvas, fungos e carrapatos que atacam as plantações, mas podem acabar contaminando o solo, a água, o ar e alimentos, causando milhares de intoxicações anualmente.
Segundo o Inca, estudos apontam que a exposição a agrotóxicos pode causar várias doenças, como irritação na pele, desidratação, alergias, ardência do nariz e da boca, tosse, coriza, dor no peito, dificuldade de respirar, irritação da boca e garganta, dor de estômago, náuseas, vômitos, diarreia, dor de cabeça, transpiração anormal, fraqueza, cãibras, tremores, irritabilidade, dificuldade para dormir, esquecimento, aborto, impotência, depressão, problemas respiratórios graves, alteração do funcionamento do fígado e dos rins, anormalidade da produção de hormônios da tireoide, dos ovários e da próstata, incapacidade de gerar filhos, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças.
É mais grave do que se pensa
O médico Guilherme Franco Netto, coordenador do Grupo de Trabalho Agrotóxicos e Saúde da Fiocruz, destaca um dos pontos mais graves: o projeto aprovado passa toda a responsabilidade sobre agrotóxicos no Brasil para o Ministério da Agricultura e Pecuária, historicamente dominado pelos ruralistas.
Com essa alteração, rompe-se a divisão tripartite que era feita, desde 1989, com os ministérios da Agricultura, Meio Ambiente e Saúde, e tudo fica concentrado com os ruralistas na Agricultura.
Ou seja, para fiscalização e análise dos produtos para uso agropecuário, o projeto centraliza o poder decisório no Ministério da Agricultura. Caberá a esse ministério aplicar as penalidades e auditar institutos de pesquisa e empresas. Na última hora, o relator conseguiu manter o poder da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de não aprovar um determinado produto.
“O Brasil chegará a COP28, que se inicia nesta semana em Dubai, com péssimas credenciais e muita dificuldade de sustentar na prática o seu discurso de pretensa liderança ambiental”, disse em nota a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Para a organização, “mais uma vez, a bancada ruralista mostra seu caráter arcaico ao aprovar uma lei em defesa de seus próprios interesses, que nada têm a ver com a vontade da sociedade e as necessidades de um mundo em pleno colapso ambiental”.
Vários senadores da bancada ruralista festejaram a aprovação do projeto e discursaram no plenário. Zequinha Marinho (Podemos-PA) disse que a aprovação “é importante para o agronegócio”. Tereza Cristina (PP-MS) afirmou que a lei “vai permitir a modernização dos defensivos agrícolas no Brasil”.
Com informações: Brasil de Fato, Agência Senado e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida (https://contraosagrotoxicos.org/)