No fervilhar de várias controvérsias que envolvem a gestão cultural por parte dos órgãos públicos em Sergipe, três grandes eventos aconteceram em Aracaju em 2024.
Abrindo o ano, o Réveillon, que foi seguido pelo Projeto Verão e, depois, as festividades do Aniversário de Aracaju.
Apenas nessas três festas, a Prefeitura de Aracaju gastou mais R$ 7 milhões em cachês dos chamados “artistas de renome nacional”. Os dados são públicos, disponíveis no Portal da Transparência.
Esse valor, superior aos R$ 7 milhões (a Mangue Jornalismo não encontrou o valor pago para os Titãs), contrasta muito com os cachês pagos pela Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju) aos artistas nacionais daqui.
No Réveillon, por exemplo, Jão (R$ 600 mil), Samuel Rosa (R$ 565 mil), Psirico (R$ 300 mil), Timbalada (R$ 200 mil), Luan Estilizado (R$ 150 mil) e Mestrinho (R$ 115 mil) – único sergipano dessa lista – receberam juntos a soma de R$ 1,9 milhões.
Já outros quatro artistas locais – Nona (R$ 20 mil), DJ Marraia (R$ 10 mil), Samba de Salto (R$ 9 mil) e DJ Lôra (R$ 2 mil) – somaram só R$ 41 mil em cachês.
O Projeto Verão 2024 foi o que mais teve emprego de verba pública em grandes cachês. Ao todo, os valores pagos a Gloria Groove (R$ 480 mil), Emicida (R$ 420 mil), Baiana System (R$ 307 mil), Luedji Luna (cerca de R$ 111 mil) e Pretinho da Serrinha (R$ 107 mil) custaram mais de R$ 3,7 milhões aos cofres da prefeitura.
Em contraste com esses números, outras 27 atrações musicais locais somaram só R$ 233 mil em cachês.
O Projeto Verão foi o evento com mais atrações locais e com o maior valor repassado para agentes culturais locais, mas também o que apresentou a maior discrepância: “artistas da terra” receberam 6% do valor total pago aos “grandes nomes” que se apresentaram no evento.
Celebração sem diversidade
O Aniversário de Aracaju, por sua vez, apresentou duas festas. Uma voltada para o público evangélico, sob a justificativa de abarcar a diversidade cultural e de credo do povo aracajuano. Entretanto, a Prefeitura de Aracaju não realizou nem financiou uma outra festa sequer relacionada a qualquer outra religião.
Aracaju tem a Lei Municipal nº 5.873, de 16 de fevereiro de 2024 que garante a inclusão e participação das religiões de matriz afro-brasileiras existentes no município nas festas do aniversário da cidade, em igualdade de condições com outras religiões. A lei não foi cumprida e o Ministério Público Federal já foi acionado.
O dinheiro público gerido pela Prefeitura de Aracaju só foi destinado ao público evangélico. No Aniversário de Aracaju, a Funcaju pagou a Isadora Pompeu (R$ 150 mil), a Damares (R$ 130 mil) e à banda Manancial (R$ 60 mil). Já Thais Helena, a única cantora local, recebeu R$ 12 mil.
Ainda no Aniversário de Aracaju, a cantora Ludmila (R$ 770 mil) teve o contrato assinado às vésperas do evento, após cancelamento de Iza (que custaria R$ 560 mil). Com Belo (R$ 535 mil) chegou-se à soma de R$ 1,3 milhões para artistas nacionais, enquanto que João Ventura, um multi-instrumentista, cantor e compositor sergipano, foi contemplado com um cachê de R$ 23 mil, menos que 2% do valor pago aos figurões.
Este levantamento realizado pela Mangue Jornalismo acontece em um momento que várias críticas são feitas pela classe artística local à gestão cultural municipal e estadual. Tendo como uma de suas missões a de fomento às atividades comprometidas com o caráter sócio-pedagógico e cultural da cultura popular, a Funcaju foi procurada de forma insistente e não respondeu porque dedicou recursos tão vultosos.
Falta de resposta da Prefeitura de Aracaju
A Mangue Jornalismo entrou em contato com a Assessoria de Comunicação da Funcaju e encaminhou as questões em relação a esse levantamento ainda na sexta, dia 5. Também tentou contato por telefone e até o fechamento desta reportagem, na terça, dia 9, não obteve resposta.
Reproduzimos abaixo os questionamentos feitos à gestão municipal de cultura e que ficaram sem respostas:
Como a Funcaju justifica a disparidade nos cachês entre artistas de renome nacional e artistas locais em eventos patrocinados pela prefeitura?
Como a Funcaju avalia o impacto socioeconômico e cultural de investir cerca de R$ 7 milhões em artistas de renome nacional em relação ao apoio aos talentos locais e à promoção da identidade cultural da comunidade?
Existe alguma estratégia específica para promover a valorização de artistas locais nos grandes eventos culturais promovidos pela municipalidade?
Como a Funcaju pretende equilibrar a atração de artistas de renome nacional com o apoio e valorização dos talentos locais?
Essas perguntas foram elaboradas levando em consideração que cabe à Funcaju a supervisão das ações e serviços na área cultural, artística e de preservação do patrimônio histórico.
Este cenário ganha ainda mais relevância em meio ao contexto eleitoral. Com o ano das eleições avançando, a distribuição de fundos públicos para eventos culturais não passa despercebida pelos olhos da população. A convergência de grandes festivais e o pleito eleitoral iminente lançam luz sobre a forma como o poder político se entrelaça com a esfera cultural.
Na medida em que 2024 avança e as vozes da comunidade se levantam em busca de transparência e equidade, o destino dos eventos culturais deste ano se torna um reflexo não apenas da política local, mas também dos valores e prioridades com os quais os gestores parecem querer moldar a alma da cidade.
RÉVEILLON ARACAJU 2024
Jão R$ 600 mil
Samuel Rosa R$ 565 mil
Psirico R$ 300 mil
Timbalada R$ 200 mil
Luan Estilizado R$ 150 mil
Mestrinho R$ 115 mil
Nona R$ 20 mil
DJ Marraia (20h às 21h) R$ 10 mil
Samba de Salto R$ 9 mil
DJ Lôra (2h às 21h) R$ 2 mil
R$ 1,930 milhões para seis artistas nacionais
R$ 41 mil para quatro artistas locais
PROJETO VERÃO 2024
Gloria Groove R$ 480 mil
Emicida R$ 420 mil
Baiana System R$ 307 mil
Luedji Luna R$ 110,925 mil
Pretinho da Serrinha R$ 107 mil
Pedro Luan R$ 20 mil
Reação R$ 15 mil
Sandyalê R$ 10 mil
Balança Eu R$ 10 mil
Morgana R$ 7 mil
Winnie R$ 7 mil
Santa Cena R$ 6 mil
Gut R$ 6 mil
Elasambô R$ 5 mil
Timbal de Rua R$ 5 mil
MC Pardal R$ 5 mil
Tchapas R$ 5 mil
Blenda Santos R$ 5 mil
Griot Nagô (duas apresentações) R$ 5 mil cada
Afoxé di Preto R$ 5 mil
Chico Rodrigues e Forró Chic Chic R$ 5 mil
Donna Flora R$ 5 mil
Duda Galvão R$ 3 mil
DJ Gessana Shakti R$ 2 mil
Gabineguin R$ 2 mil
Anny B R$ 2 mil
Juu Faryas R$ 2 mil
DJ Preto JB R$ 2 mil
DJ Heinrich R$ 2 mil
Afromusa R$ 2 mil
Caravana Sounds e Adelmo Jr R$ 2 mil
Batalá R$ 1,5 mil
Descidão dos Quilombolas R$ 1,5 mil
R$ 3,785 milhões para seis artistas nacionais
R$ 233 mil para 28 artistas locais
ANIVERSÁRIO DE ARACAJU
Ludmila R$ 770 mil 15 de março após cancelamento de Iza
Belo R$ 535 mil
João Ventura R$ 23.575,80
(Iza R$ 560 mil SHOW CANCELADO)
R$ 1,328 milhões sendo R$ 1,305 milhões para dois artistas nacionais
EVENTO EVANGÉLICO – 16 DE MARÇO
Isadora Pompeu R$ 150 mil
Damares R$ 130 mil
Manancial R$ 60 mil
Thais Helena R$ 12 mil
R$ 352 mil
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