MAIARA ELLEN, da Mangue Jornalismo
@maiara.ellen
O município da Barra dos Coqueiros é um caos do ponto de vista do meio ambiente, principalmente em razão da associação destrutiva entre especulação imobiliária, expansão urbana desordenada e participação/conivência entre poder público e órgãos de controle.
Lagoas, mangues, dunas, canais naturais, vegetação de restinga tudo que estiver atrapalhando o avanço da construção civil pública e privada na Barra dos Coqueiros é rapidamente destruído, tudo com a aprovação, legalização e apoio dos governos e de seus órgãos ambientais.
No máximo, busca-se fazer constar no papel que autoriza essas ações de destruição uma irrisória compensação ambiental que, mesmo assim, na grande maioria das vezes, jamais se realiza. Passa-se o tempo e fica por isso mesmo. Apesar de uma ampla legislação que obriga a atuação dos Ministérios Públicos, por exemplo, nenhuma providência é tomada.
Além da Constituição Federal, desde 18 de julho de 2000, existe a LEI No 9.985 que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. De acordo com essa legislação, todo e qualquer empreendimento público ou privado que com potencial de impacto negativo irreversível ao meio ambiente deve, obrigatoriamente, adotar medidas de compensação ambiental.
Uma das formas dessa “compensação”, regulamentada nos artigos de 31 a 34 do Decreto nº 4.340/2002, ocorre através da destinação de recursos financeiros para a manutenção ou a criação de unidades de conservação de proteção integral. Isso sequer tem ocorrido na Barra dos Coqueiros e essa denúncia é da própria Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
Muito tardiamente e em pleno ano eleitoral, a Prefeitura da Barra dos Coqueiros enviou ao Ministério Público do Estado (MPE) o “Relatório sobre aplicação dos recursos de compensação ambiental de 12 empreendimentos”. Trata-se de um escândalo que envolve órgãos ambientais e de obras do próprio município, do Estado de Sergipe e do Governo Federal e de várias empresas privadas.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Barra dos Coqueiros listou 12 grandes empreendimentos realizados direta ou indiretamente naquele município, todos com estudos de impacto ambiental aprovados, mas que a prefeitura não conseguiu identificar nitidamente onde foram parar as legais compensações que teriam sido apresentadas para que as obras fossem realizadas. Entre os empreendimentos sem a compensação identificada pela Prefeitura da Barra dos Coqueiros têm algumas obras públicas como a Ponte Aracaju/Barra dos Coqueiros e a Rodovia SE -100 Norte, e alguns grandes empreendimentos privados como o Maikai Residencial Resort, o Complexo Aphaville Sergipe, a Dahma Sergipe, entre outros. Veja a lista completa abaixo:
O documento oficial é assinado por Francis Luiz Santos Caldas e Heberty Ruan da Conceição Silva, ambos analistas ambientais da Prefeitura da Barra dos Coqueiros, e pelo próprio secretário municipal de Meio Ambiente, Edson Aparecido dos Santos.
“Destaca-se a presença da maioria desses empreendimentos dentro da área do município da Barra dos Coqueiros ou do domínio morfoclimático associado a ele. Portanto, entende-se que houve impactos significativos sobre a ocupação territorial bem como sobre os biomas do referido município”, informa o documento.
Segundo os dois analistas ambientais e o secretário, dos 12 empreendimentos listados apenas a Eneva Hub Sergipe e o Tag Gasoduto Terminal Sergipe direcionaram recursos para compensação ambiental.
Os analistas e o secretário, no documento, dizem querer “compreender de que forma foi conduzida a aplicação de recurso financeiros compensatório dos outros dez empreendimentos”. Eles pedem que as dez grandes obras apresentem os relatórios detalhados comprovando que fizeram a devida compensação na forma da lei. Na Secretaria Municipal do Meio Ambiente não existem essas informações.
O documento revela que, apesar das medidas mitigadoras e compensatórias listadas nos Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) dos empreendimentos, muitas delas não foram implementadas.
O caso da Ponte Construtor João Alves (Aracaju-Barra)
No empreendimento para a construção da Ponte Construtor João Alves, sobre o rio Sergipe, estavam previstos no documento de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA – 2004) cerca de 16 medidas mitigadoras para compensar os grandes impactos da obra.
Entre as medidas estavam previstos estudos detalhados de zoneamento ambiental nos municípios afetados, visando à proteção e conservação do meio ambiente. Também estava garantido o compartilhamento de um aterro sanitário ou sistema de tratamento de lixo para beneficiar Barra dos Coqueiros e Pirambu, reduzindo os impactos ambientais negativos. Além de ampla assistência à comunidade local.
Entretanto, segundo o secretário Edson Aparecido, nenhuma das ações de compensação planejadas foi efetivada no município da Barra, mesmo diante do crescimento urbano acelerado e das pressões ambientais e sociais resultantes. Enquanto o município de Barra dos Coqueiros, o mais afetado pelo projeto da Ponte Aracaju/Barra não teria recebido recursos de compensação ambiental, recursos significativos sobre a justificativa da compensação da obra da Ponte Aracaju/Barra foram parar nos municípios de Poço Redondo, Capela e Pirambu.
Ao todo, o valor da compensação ambiental da Ponte Aracaju/Barra foi de apenas R$ 1,8 milhões, sendo R$ 1,3 milhões destinados para a criar duas Unidades de Conservação Estaduais: a Mona Grota do Angico, em Poço Redondo, e a Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco, no municípios de Capela.
O restante, pouco mais de R$ 497 mil, foi direcionado para aplicação na Reserva Biológica de Santa Izabel, em Pirambu. Segundo o secretário Edson Aparecido, as denúncias sobre a destinação da compensação equivocada dos recursos da Ponte Aracaju/Barra ocorrem desde antes da inauguração do empreendimento em 2006. “A Barra dos Coqueiros, o município que sofreu o dano ambiental local não foi contemplado por nenhuma das verbas compensatórias”, denuncia o secretário.
“O nosso questionamento é: qual o critério que o Estado está usando? Como é que está sendo feito isso, já que a gente não participa desse debate? É por isso que chamamos os órgãos de fiscalização e controle e a imprensa para poder abrir o debate, abrir a caixa chamada Câmara de Compensação do Estado.” declara Édson.
A destinação da compensação é feita pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente, órgão formado atualmente por 18 membros, sendo que 17 são do Governo do Estado, representantes de empresários, entidades de classe e aliados do governador.
“Pela lei, esse dinheiro só poderia ser usado para duas coisas: criar uma unidade de conservação e manutenção da uma já existente. Na Barra dos Coqueiros já existem duas unidades de conservação e esse dinheiro não está sendo direcionado para elas, está sendo fragmentado para outras unidades.” questiona o secretário.
As unidades que o secretário se refere são a Unidade de Conservação do Parque Estadual Marituba e a Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) dos Manguezais. Dois ambientes fundamentais, mas amplamente ameaçados pela pressão dos empreendimentos imobiliários.
Uma pesquisa publicada pela Revista Brasileira de Meio Ambiente em 2018 sobre os impactos ambientais no litoral Norte de Sergipe, com foco na Barra dos Coqueiros, revela que em um raio de apenas 10 km da ponte foi possível perceber cerca de dez impactos ambientais e sociais significativos.
São eles: desapropriação de comunidades extrativistas, mortandade de peixes e mariscos, supressão de fragmentos de manguezais, assoreamento dos corpos hídricos, aumento na produção de resíduos sólidos, indícios de processos erosivos, ampliação dos condomínios residenciais, aumento do tráfego de turistas, intensificação das casas de luxo e inviabilização do transporte marítimo
Os impactos têm influência direta na diminuição da biodiversidade, tanto da fauna quanto da flora, além de alterar significativamente a qualidade e a quantidade dos corpos hídricos. Eles também contribuem para a contaminação do solo e da água, intensificando os desafios ambientais enfrentados pelas comunidades locais.
CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo (supervisão)
@josecristiangoes