CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo
@josecristiangoes
“Edvaldo Nogueira precisa se manifestar sobre a privatização da Deso”, cobrava o vereador por Aracaju, Elber Batalha (PSB) na tribuna da Câmara em 14 de novembro de 2023. Naquele mesmo dia, nas ruas de Aracaju, ocorria uma manifestação dos funcionários da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) contra a venda da empresa pública.
Diante da privatização da água pelo governador Fábio Mitidieri (PSD), do enorme impacto para as famílias mais pobres da capital e da proibição na Lei Orgânica de Aracaju de que esse serviço seja privado, o vereador esperava uma posição pública objetiva do prefeito Edvaldo Nogueira (PDT).
Desde que o Governo anunciou a privatização da água (que o governador chama de concessão), dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento Básico de Sergipe (Sindisan) procuraram Edvaldo Nogueira para saber do seu entendimento sobre a venda da Deso e dos Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAEs).
“Ele não se pronunciou, ficando sempre passivo. Edvaldo não atendeu o sindicato nem respondeu aos ofícios encaminhados por nós para discutir sobre esse assunto de total interesse dos aracajuanos”, disse Silvio Sá, presidente do Sindisan.
Para Elber Batalha, “estão promovendo um processo licitatório, ao meu ver, sem participação do município de Aracaju e eu quero saber se no final vão querer empurrar goela abaixo que vamos ter que aderir a algo, do qual a cidade não participou. O prefeito como um homem público, que fez sua carreira política nesse espaço, tem que opinar sobre isso”, defendeu em novembro do ano passado.
Se Aracaju não aderisse ao plano do Governo Mitidieri de privatizar a água, a Deso não seria vendida. Quase metade (48,5%) da arrecadação da companhia sai do bolso dos moradores da capital. Com Aracaju de fora, a ganância privada perderia força e a água continuaria pública.
Edvaldo aprova a privatização da Deso
Apesar da tentativa do prefeito de Aracaju de simular uma isenção no debate da água, sua posição não se sustentou. No dia 26 de março passado, em reunião presencial com o governador no auditório do Parque Tecnológico de Sergipe (SergipeTec), Edvaldo Nogueira votou e aprovou a privatização da água e do saneamento, isto é, a venda da Deso e dos SAAEs de Carmópolis, São Cristóvão e de Estância. Em Capela, a prefeitura não aceitou a privatização.
A Mangue Jornalismo teve acesso à ata da 2ª Assembleia da Microrregião de Saneamento Básico Microrregião de Água e Esgoto de Sergipe (MAES). Nela, o prefeito da capital aceitou privatizar a água em razão da promessa da prefeitura de receber indenização. Na mesma reunião, Edvaldo ainda tentou convencer outros prefeitos a aceitarem o negócio avaliando que “os critérios foram muito bons”.
Segundo consta na ata, Edvaldo disse que “é óbvio que todo mundo tem apreensão, todo mundo fica preocupado, é uma novidade, mas todos tem que apostar na novidade”. Segundo consta na ata, o prefeito “posicionou-se favorável à proposta”.
Com exceção do representante do município de São Cristóvão, José Robson Almeida, todos os prefeitos ou representantes na reunião coordenada pessoalmente pelo governador Fábio Mitidieri aprovaram seguir com o processo de privatização da água. “Essa reunião é de grande importância para superar etapas para a concessão de água e saneamento no Estado de Sergipe”, disse o governador.
Prefeito aprovou tudo na reunião da MAES
Na assembleia do governador com os prefeitos, Edvaldo votou a favor de todos os passos para a privatização da água. Foram aprovadas regras para a “organização e gerenciamento dos serviços públicos de saneamento básico ao Estado de Sergipe (Convênio de Cooperação e Contrato de Gerenciamento). E também aprovada a celebração de Termo Aditivo de Rescisão dos Vínculos Existentes com a Deso, no início da operação do sistema”.
Os prefeitos concordaram ainda com “a delegação das funções de regulação, inclusive tarifária, e de fiscalização dos serviços públicos de saneamento básico da MAES à Agrese”. A Agrese é a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Sergipe.
Também foi aprovado “o Plano Regional de Saneamento Básico da MAES; a divisão da outorga e eventual ágio entre Estado e municípios e cronograma de pagamento; e os Documentos da Concessão para Publicação do Edital”.
Junto com o prefeito de Aracaju estava Jeferson Passos, secretário da Fazenda da capital. Ele pediu que os municípios que realizaram investimentos com recursos próprios em saneamento, quando da privatização da Deso, tenham acesso à indenização prévia. Edvaldo reforçou, assinalando “que é positiva a indenização prévia para os municípios que têm SAAE e aqueles que têm investimento próprio”.
Segundo avaliação de Aécio Ferreira, secretário geral do Sindisan, a participação do prefeito de Aracaju no processo de privatização da Deso e das SAAEs tem relação com o interesse político-eleitoral, “para ter apoio do governador e aliados ao seu futuro candidato a prefeito de Aracaju”, disse.
Com exceção de São Cristóvão, os prefeitos aprovaram o valor de R$ 200 milhões para usar no Programa de Demissão Voluntária (PDV) dos trabalhadores da Deso. A expectativa é que 900 trabalhadores e trabalhadoras da companhia percam o emprego. Parte dos R$ 200 milhões também será gasta na “reestruturação da Deso”, que será de uma empresa privada. Já os municípios não sabem quanto vão receber.
Para o Sindisan, um dos pontos que chamou atenção na reunião foi uma futura distribuição de aproximadamente R$ 20 milhões da venda da Deso para a Desenvolve-SE. “É uma agência presidida pelo empresário Milton Andrade, escudeiro do governador na defesa da privatização. Este valor é maior do que a maioria dos municípios terão direito. Ou seja, Milton Andrade é um beneficiário direto se o processo de privatização da Deso e SAAEs for bem-sucedido”, analisa Aécio.
A Desenvolver-SE foi criada pelo governador Fábio Mitidieri em 10 de abril de 2023 como uma empresa de pessoa jurídica de direito privado, na forma de sociedade de economia mista. No último dia 30 de abril, os deputados estaduais aprovaram um projeto do governador que envia um aporte financeiro de R$ 9,2 milhões como parte do capital social inicial da Desenvolver-SE.
Contradição: Edvaldo já defendeu a Deso como empresa pública
A posição de Edvaldo Nogueira votando e aprovando a privatização da Deso revela uma forte contradição. Desde que foi vereador, vice-prefeito e prefeito de Aracaju, ele era filiado ao PCdoB, partido de esquerda que, em tese, é contra as privatizações. “A posição do prefeito hoje é desastrosa e mancha de vez a sua história como político que veio da esquerda”, reforça Aécio Ferreira.
Em 25 de novembro de 2019, o prefeito recebeu o Sindisan para discutir a renovação da concessão entre a Prefeitura de Aracaju e a Deso. Lá, Edvaldo disse que “a Deso é uma empresa importante para o desenvolvimento do estado, uma empresa estatal que é importante para o crescimento das cidades e de Aracaju que detém 60% da arrecadação da companhia. Não podemos enfraquecer essa empresa tão importante”. LEIA AQUI
Nessa reunião com representantes dos trabalhadores em que o prefeito garantiu que não poderia enfraquecer a Deso, estavam presentes Silvio Sá, Iara Nascimento e Rafael Barros, do Sindisan; o deputado federal João Daniel (PT) e o vereador por Aracaju Camilo Lula (PT).
Menos de dois meses depois do encontro com sindicalistas, o prefeito e o então governador Belivaldo Chagas (PSD) assinaram o convênio e Edvaldo garantiu: “estou muito feliz por concretizar dois valores fundamentais da minha vida: fortalecer a Deso, para que continue uma empresa pública, garantindo aos seus trabalhadores melhores condições de trabalho, e melhorar a vida das pessoas”.
Em 20 de janeiro de 2020, Edvaldo Nogueira, afirmou: “estamos defendendo os interesses dos trabalhadores, do povo necessitado e dessa empresa estatal, que faz um grande trabalho para os aracajuanos e sergipanos há mais de 50 anos”.
O prefeito ressaltou que a assinatura do convênio representa, ainda, a concretização de objetivos específicos. “O primeiro é o de manter a companhia estatal e garantir que preste um bom serviço à população. O segundo é a responsabilidade de dar as mãos ao governador, que tem compromisso com a nossa cidade. E o terceiro é o de fortalecer Sergipe. Sei a força que Aracaju tem na Deso e, por isso, renovo esse compromisso”, disse Edvaldo Nogueira.
Segundo nota da Deso sobre esse ato, o prefeito lembrou que a Deso completou 50 anos e a assinatura do Convênio renova e ressignifica o papel da empresa, que, de acordo com ele, tem em seus quadros trabalhadores comprometidos e a Companhia tem prestado grandes serviços aos aracajuanos e ao povo sergipano. LEIA AQUI.
Mudança de posição e mantém “silêncio”
A relação do prefeito de Aracaju com a Deso também sofreu desgastes. Edvaldo Nogueira, também nos últimos anos, passou a fazer duras críticas públicas contra a Companhia de Saneamento de Sergipe. Qualquer buraco que aparecia na cidade era considerado como ação da Deso. O Sindisan sempre achou estranhas as reclamações.
O prefeito chegou a anunciar, também em 2019, que iria processar a companhia por conta de uma escavação numa rua recém-asfaltada no bairro de Aruana. “A Deso tem revelado um desrespeito muito grande com a nossa cidade. Em avenidas que acabo de recapear, a Deso aparece em seguida e faz um buraco. A Companhia não consegue ter planejamento e termina prejudicando a população. Se continuar desrespeitando nossa cidade, vamos ter que rever a concessão de água de Aracaju para a Deso”, ameaçou o prefeito.
Faz uma semana que a Mangue Jornalismo procura o prefeito de Aracaju, através de sua assessoria, para que ele comente sobre a privatização da água e do saneamento, a venda de Deso, suas justificativas e projeções, mas nenhum retorno foi sinalizado. Caso Edvaldo Nogueira se manifeste, atualizaremos essa reportagem.