TULIO GÓIS, especial para Mangue Jornalismo
A seção PONTO DE VISTA é um espaço que a Mangue Jornalismo abre para que as pessoas possam expressar ideias e perspectivas que estimulem o interesse e o debate público sobre uma temática. O artigo deve dialogar com os princípios da Mangue Jornalismo (que estão na parte de transparência do site), entretanto não representa necessariamente o ponto de vista da organização.
Não é de hoje que as redes sociais são capazes de ditar o assunto do momento. Seja alavancando (ou destruindo) carreiras, incentivando o debate de um evento ou conectando diferentes pessoas com opiniões parecidas, as redes contribuem para o chamado “engajamento”. Quanto mais pessoas engajadas em algo (ou alguém), maior a visibilidade.
Mas o engajamento faz mais do que apenas dar visibilidade. Ele tem um papel crucial na formação da opinião pública. Como um “efeito manada” do mundo digital, o engajamento dá credibilidade ao que está sendo debatido e molda opiniões com base no que uma maioria acha. E não faltam exemplos demonstrando isso, desde a adoção de medidas de saúde pela população durante a pandemia até a mudança na intenção de voto ao longo de campanhas eleitorais. É assim que o mundo virtual acaba influenciando diretamente os eventos que acontecem offline.
A grande questão é: o que acontece quando esse engajamento não parte de pessoas reais?
No caminho até a resposta dessa pergunta está o conceito de bot. Um bot (abreviação para robot, palavra em inglês para robô) é um sistema que realiza tarefas de maneira automática, muitas vezes imitando algum comportamento humano.
O exemplo mais comum são os chatbots, que muitas empresas utilizam para agilizar o atendimento aos clientes através de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp. Porém, nem sempre os bots têm usos bem intencionados.
Ainda que esses sistemas tragam facilidades, ser capaz de simular comportamentos humanos pode gerar uma série de problemas, principalmente quando o objetivo por trás do uso do bot é se passar por um usuário real.
Assim, um sistema automatizado é programado para agir e interagir como uma pessoa mas com capacidades sobre-humanas. Enquanto as pessoas podem chegar a uma centena de interações por dia, os bots ultrapassam a casa dos milhares. É no momento em que esse poder interacional é orquestrado para ter um foco, seja um assunto ou sujeito, que surge o engajamento artificial, fenômeno perigoso que tem sido recorrente.
Diferente do resultado do engajamento “orgânico”, que a partir das pessoas acaba destacando algo, o artificial mira na visibilidade e falsifica as interações com esse objetivo. Por servir como ferramenta para a manipulação da opinião pública, é uma estratégia que vem sendo adotada nas últimas eleições e merece atenção.
Em 2014, os bots foram responsáveis por cerca de 10% das interações no antigo Twitter, hoje X, durante o período eleitoral. Nas eleições de 2018, esse número chegou a quase 13%, segundo estudos da FGV DAPP.
O X (antigo Twitter) pode até estar fora do ar no Brasil no momento, mas os bots seguem presentes em outras redes.
Muitas plataformas até possuem regras claras sobre o uso de bots, contudo o problema mora na identificação desses sistemas, que não é simples e está longe de ser resolvido. É por isso que os usuários devem redobrar a atenção para o que encontrarem nas redes, e não só durante períodos eleitorais, mas, sempre!
Enxurradas de mensagens parecidas, links de notícias com fontes desconhecidas e milhares de comentários em postagens apoiando pessoas ou causas são algumas das interações mais comuns que se valem de bots.
Cabe destacar que segundo a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral Nº 23.732, de 27 de Fevereiro de 2024, é proibido o uso de chatbots que simulem interlocuções com candidatos ou pessoas reais durante o período eleitoral. Ainda que não esteja muito claro onde as denúncias desse tipo de atividade podem ser feitas, o TSE disponibiliza o SIADE, para denúncias de desinformação, e o Pardal, para propagandas irregulares. Assim, quando algum comportamento suspeito for observado nas redes, é importante denunciar.
TULIO GÓIS é pesquisador em Ciência de Dados com foco em Processamento de Linguagem Natural. Graduando em Engenharia de Computação pela UFS e vice-presidente da Liga Acadêmica de Ciência de Dados. Defensor da Ciência Aberta por uma ciência mais colaborativa e acessível.