MARÍLIA SOUZA, especial para Mangue Jornalismo
Quando Tim Lopes foi assassinado, eu tinha 11 anos, morava na Zona Sul de São Paulo e tenho poucas lembranças do anúncio da sua morte. Ainda não entendia o que era jornalismo e jamais tinha passado pela minha cabeça que um dia me tornaria jornalista também. Vinte e um anos depois do fatídico junho de 2002, assisti ao documentário “Onde Está Tim Lopes?”, lançado na Globoplay há bem pouco tempo. Foi a melhor coisa que fiz por mim mesma nos últimos dias.
De início, fiquei impactada com o trecho da matéria sobre os assaltos no Centro do Rio de Janeiro, onde Tim, disfarçado de ambulante, acompanhou o breve fim do assaltante. Como disse, eu era muito nova para lembrar da notícia da morte e mais nova ainda para lembrar da vida de Tim Lopes como jornalista. Esse trecho foi o primeiro fragmento de uma reportagem dele que tive contato.
Em seguida percebi que, ao contrário dos documentários de crimes lançados recentemente, o de Tim Lopes não seria um relato detalhado do seu sequestro, tortura, morte e desdobramentos. Não foi criado um clima de mistério sobre seus momentos finais, a fim de prender o consumidor com a narração da crueldade. O que vi foi a vida de Tim, uma vida que pode passar como qualquer outra vida para muitas pessoas, mas duvido que passe da mesma forma por uma ou um jornalista.
Na qualidade de pessoa intensa e efêmera ao mesmo tempo, fiquei obcecada com o fazer jornalismo de Tim Lopes. Pesquisei, assisti ao filme “Tim Lopes: histórias de Arcanjo” e cada vez mais tinha certeza da resposta para a pergunta “Onde Está Tim Lopes?”. Está na mudança da história, na referência, está em cada pauta corajosa, em cada contação de história de pessoas reais. Está onde deveria estar o que foi grande.
Depois me perguntei “onde não está Tim Lopes?” e posso dizer que ele não esteve nos cinco anos de universidade de cursei. Muitos casos emblemáticos do jornalismo são usados como exemplos para nós durante a trajetória na academia, mas não ele. Existe motivo para esconder o que ele foi e o que ele fez? Não sei dizer ao certo. Pode ser por medo de que algum jovem idealista queira seguir os mesmos passos. Medo é uma coisa que se encontra no curso de jornalismo, somos ensinados a ter medo, a andar na linha, a seguir o padrão, a falar o necessário, a pautar o óbvio. Nesse contexto, não caberia Tim.
Tim Lopes foi o necessário, não o óbvio. Ele vivia as matérias, vivia o Rio de Janeiro, vivia as histórias. Confesso que isso pode estar sendo escrito com muita emoção, mas não é assim que tem que ser quando se fala de um marco histórico e social? Quando se conta uma história extraordinária? Tim Lopes não viveu para caber em uma pequena coluna de revista ou num box de jornal. Sua vida é destaque, matéria de capa, reportagem especial.
Ao final do documentário, muitas reflexões passam pela cabeça de quem assiste. Reflexões sobre a luta pela descriminalização das drogas, da cultura nas favelas, sobre a vida da classe trabalhadora real, sobre as mazelas das pessoas que vivem em situação de rua, sobre o futebol, o carnaval. Sobre muitas coisas que Tim nos mostrou sob outra perspectiva nas décadas de 1980 e 1990, mas que ainda são reflexões necessárias em 2023.
Outra coisa que me chamou atenção foi o fato de que os entrevistados não se referiam a ele como “o Tim Lopes”, mas como “o seu pai”. Porque quem percorreu a vida do repórter foi o seu filho Bruno Quintella e, em minha modesta opinião, ele acertou muito em se colocar como filho e não apenas o entrevistador querendo mais detalhes de alguém. Foi uma busca pela história de forma fraterna e acolhedora, assim como o pai fazia suas matérias.
A pergunta feita no documentário busca saber onde Tim Lopes estaria hoje se não tivesse sido assassinado, quais pautas ele teria coberto de 2002 para cá, que histórias invisíveis teriam aparecido nas casas de pessoas que fecham os olhos para as minorias. Para além disso, quantos mais Tins Lopes existiriam tendo uma referência viva?
A morte de Tim Lopes mudou muita coisa no jornalismo e na visão sobre os jornalistas. Foi criada a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a segurança dos jornalistas se tornou pauta. O que não impediu que, em 2021, o Brasil entrasse na lista dos países mais perigosos do mundo para exercer o jornalismo. Ainda são registradas ameaças, processos, cerceamento da liberdade de imprensa, repressão e ataques aos profissionais. Talvez, poderíamos nos perguntar também, o que Tim Lopes pensaria diante deste cenário de desrespeito ao jornalista?

Marília Souza, graduada em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo e mestra em Comunicação Social pela UFS. Pesquisadora sobre recepção, audiência, mulheres e pornografia. Mulher efêmera que se comunica melhor escrevendo.
Uma resposta
Lembro bem da comoção nacional quando se confirmou o assassinato do grandioso jornalista Tim Lopes. Ele deixou um legado imensurável não apenas para os seus pares de profissão e de identidade humanística, mas para toda sociedade por seu compromisso ético com a informação e pela coragem de denunciar injustiças.
Tim Lopes presente!