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O voo do pássaro do sertão sergipano. Do Povoado Saúde, o artista Lucas Tsuru saúda o couro com trabalho manual e força ancestral e ganha o mundo

DÍJNA TORRES, especial para Mangue Jornalismo
@dijnatorres

Lucas Tsuru alça voos com trabalho ancestral (Foto: Arquivo pessoal)


Do Povoado Saúde, em Santana do São Francisco, o arquiteto e artista plástico Lucas Lemos, ou Lucas Tsuru, como é popularmente conhecido por sua marca, saiu para alçar voos e levar o trabalho ancestral de sua família ao mundo.

Assim como o pássaro japonês que intitula o nome de sua marca, Tsuru, os longos caminhos trilhados estão apenas começando, e apesar da pouca idade, o sergipano já carrega em sua bagagem feitos grandiosos para a cultura e a moda autoral sergipana.

Seus calçados já desfilaram na São Paulo Fashion Week, maior evento de moda da América Latina. Em dezembro do ano passado, o sergipano levou sua produção para as passarelas do Brasil Eco Fashion Week, um dos maiores eventos de moda do país.

Para ocupar os espaços no Brasil e no mundo, Lucas trabalha de maneira independente, ou seja, sem o apoio de instituições ou do poder público. “Participar de eventos a partir da minha marca, como foi o caso, por exemplo, do Brasil Eco Fashion Week, é levar vestígios da cultura, das raízes e identidade de Sergipe. E isso de fato é de grande representatividade e motivo de orgulho”, pontuou.

Lucas em seu ateliê (Foto: Arquivo pessoal) 

Mais do que calçados em couro

Desde a infância, Lucas e sua família já traziam em si as habilidades com os trabalhos manuais, e foi a partir de sua vinda a Aracaju para cursar a faculdade de arquitetura, que ele despertou para a ideia de trabalhar com os calçados em couro, acessório que ele já utilizava com frequência e que sabia todo o processo de feitio.

Em 2014, Lucas formalizou a Tsuru – Arte em couro, marca autoral sergipana que levanta a bandeira de Sergipe e a sua relação com o pertencimento local e com a maneira mais sofisticada de expor o couro.

 “É importante entendermos a relação de versatilidade e atemporalidade do couro. Com isso, nasce a minha inquietação e a vontade de pesquisar, ressignificar e desenvolver artefatos com o couro, enaltecendo seu legado e ainda buscando caminhos de preservação da tradição em nosso lugar”, defende Lucas.

Em 2019, com o advento da pandemia, ele lembra que veio mais um giro da chave em sua vida. “Passei a desenvolver peças para interiores, como mobiliário e decoração, unindo o couro à arquitetura”, conta o artista.

Lucas Tsuru iniciou seu negócio formal no bairro Rosa Elze, em São Cristóvão, porém encontrou em seu atual ateliê o canto que necessitava para unir o couro à arquitetura.

Para ele, a ideia de receber as pessoas em seu espaço é uma forma de fazer com que o acolhimento e a afetividade sejam postos em prática de tudo que era idealizado por ele, um local onde as pessoas pudessem se sentir tocadas pela arte em suas variadas formas.

“O atual atelier da Tsuru foi um verdadeiro achado. De cara, já me apaixonei pelo espaço e já visualizava possibilidades de uma ocupação afetuosa e intimista com a natureza. O desejo era de que esse lugar não falasse só do meu trabalho, mas que fosse também tivesse representações e referências de outros pessoas e artistas. Sempre na perspectiva do trabalho manual, contou.

Sala do Ateliê Tsuru (Foto: Arquivo pessoal)

Caminhos e futuro

Para além do trabalho com o couro, o artista sergipano tem desenvolvido projetos na área de arquitetura e urbanismo e participando de projetos sociais com ações dentro da área do afro empreendedorismo, com oficinas educativas em espaços de chão preto.

Um exemplo desse trabalho acontece no terreiro de Candomblé, Abassá Pilão de Oxaguian, onde Lucas vem desenvolvendo atividades relacionadas ao couro, ensinando à comunidade os trabalhos manuais com o couro, com o objetivo de incentivar o empreendedorismo na comunidade, além do feitio da arte, buscando potencializar possíveis talentos que possam vir a trabalhar com ele um dia.

“Ensinar, ou melhor, dar caminhos para realização e construção de algo é sem dúvida algo engrandecedor, principalmente quando se trata de tradições e costumes relacionados a cultura popular. E se a gente não preservar a partir de nossas ações, tende a ser extinto, tais atividades. Por isso, busco incentivar e ensinar outras pessoas para que que a gente mantenha esse legado, essa tradição que é tão forte e bonita em nossa região, a manufatura do couro”, pontuou.

Pertencimento e sergipanidade

Apesar de ter construído a sua marca com base na ideia de pertencimento e para enaltecer a identidade nordestina, o artista comentou sobre as dificuldades em expandir seu negócio a partir das oportunidades que chegam a ele.

No ano passado, a marca Tsuru foi uma das seis selecionadas para participar da rodada de negócio no Brasil Eco Fashion Week, através de um projeto do Instituto C&A e da Nordestesse. Foram mais de 170 marcas inscritas, a única sergipana a estar nas passarelas foi a Tsuru.

O artista precisava arcar com os custos de passagem, hospedagem e matéria-prima para a produção da coleção aprovada para a passarela, porém, as políticas públicas de incentivo não chegaram.

“As coisas acontecem com prazos curtos muitas vezes, e a burocracia da iniciativa pública, além do acesso, não permite com que a gente expanda mais. Sergipe é imensamente rico em manualidades, em marcas autorais, produções artesanais, mas sem auxílio para arcar com esses custos, fica difícil para a maioria. Não é todo mundo que pode tirar sempre do bolso para ir a esses espaços”, lamentou.

Ao procurar a Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Empreendedorismo (Seteem), em nota, a assessoria pontuou que existe o projeto do Cinturão de Confecções, intermediado pela secretaria, que tem sido um importante aliado no fomento às confecções e à moda em Sergipe.

Ainda de acordo com a nota, a secretaria afirma que o principal objetivo é a construção de políticas públicas direcionadas ao escoamento da produção, especialmente nas regiões sul e centro-sul do estado – referenciais no segmento têxtil. Ao longo dos próximos meses, a expectativa é ampliar as ações e fortalecer os vínculos entre a moda autoral e as riquezas do artesanato sergipano, a exemplo da realização de cursos de qualificação.

Apesar dos inúmeros desafios e dificuldades, Lucas é um entusiasta e acredita que é possível sim, encontrar caminhos de fortalecimento de marcas e artistas sergipanos.

“Acredito no fortalecimento mútuo. O que faz com que todos ganhem nessa conta. Seja poder público, seja poder privado, sejam marcas, personalidades artísticas, grupos artísticos e por aí vai. A gente precisa urgentemente trabalhar a ideia do (RE)conhecer, que mesmo embora pareça utópico, é uma das possível ações necessárias para se caminhar entendendo o contexto de nossa gente e do nosso lugar. E assim continuar o seu projeto de desenvolvimento e fortalecimento daquilo que entendemos enquanto cena artística e cultura local”, defende Lucas.

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